‘Estado de emergência’ articulado no Congresso pode liberar gastos a poucos meses da eleição

Estratégia seria uma forma de tentar blindar Bolsonaro de questionamentos judiciais. Um dos riscos é que fosse caracterizado abuso de poder econômico

O valor de R$ 400 mensais como auxílio para caminhoneiros autônomos desagradou a representantes da categoria. O governo Jair Bolsonaro e lideranças do Congresso Nacional discutem aumentar esse montante para R$ 600 ou até R$ 1.000.

Para viabilizar a medida, governo e parlamentares avaliam a possibilidade da instituição de um estado de emergência, a ser regulamentado na proposta de emenda à Constituição (PEC) em discussão no Senado que permitiria o pagamento do benefício. Junto com o auxílio, deve ser ampliado o vale-gás.

O estado de emergência está sendo articulado para driblar as restrições impostas pela lei eleitoral. Ela impede a criação e a ampliação de programas sociais em ano de eleição, tendo como únicas exceções programas já em execução ou em casos de calamidade pública ou estado de emergência.

Como a PEC é apresentada pelo Congresso, a estratégia seria uma forma de tentar blindar Bolsonaro de questionamentos judiciais. Um dos riscos é que fosse caracterizado abuso de poder econômico. Uma condenação por ferir a lei eleitoral poderia tornar o presidente inelegível por oito anos.

O risco, porém, é que o estado de emergência abra a possibilidade de uma série de outros gastos a menos de quatro meses da eleição, e não apenas as despesas voltadas para reduzir o preço dos combustíveis.

A ideia do governo e da cúpula do Congresso é que a PEC contenha um artigo decretando “estado de emergência” em decorrência dos impactos do cenário internacional nos preços do petróleo e, como consequência, nos valores dos combustíveis. Por ora, a ideia é que a emergência seja declarada apenas nesse assunto.

Técnicos do governo tinham dúvidas sobre a possibilidade de criar um benefício neste ano sem ferir a lei eleitoral. O governo estava receoso de decretar calamidade pública, por temer consequências jurídicas para Bolsonaro. No caso da calamidade pública, cabe ao governo pedir a sua decretação ao Congresso. Ao colocar na PEC, não há nenhum ato formal do governo, apenas votações do Congresso.

No Palácio do Planalto, a instituição do estado de emergência na PEC é comparada ao mecanismo que abriu caminho aos gastos excepcionais de combate à pandemia de Covid-19. A diferença agora é que o texto deve estipular um valor máximo a ser gasto com o auxílio dos caminhoneiros e o vale-gás.

O dispositivo também afastaria a incidência de outras normas da Lei de Responsabilidade Fiscal e da Lei de Diretrizes Orçamentárias na criação do benefício à categoria. Gabriel Leal de Barros, sócio e economista-chefe da Ryo Asset, lembra que uma PEC não pode ser vetada e há riscos de os gastos serem ampliados:

“Sabemos que a PEC não é passível de veto e que há um risco relevante de perda de controle da base em meio à votação, o que amplia muito a incerteza e o risco fiscal. Estamos emendando a Constituição a cada seis meses e isso é muito ruim institucionalmente, para o arcabouço fiscal e para a previsibilidade.”

As discussões fazem parte da frente aberta no Congresso e capitaneada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), em resposta ao reajuste nos preços da gasolina e no óleo diesel anunciado na semana passada pela Petrobras. A ideia para os caminhoneiros é pagar seis parcelas do auxílio. O programa deve custar R$ 4 bilhões até o fim do ano. Já o programa para subsidiar o gás de cozinha, até R$ 2 bilhões.

Em reunião na terça-feira o governo decidiu criar um auxílio para caminhoneiros e ventilou a hipótese do valor igual ao do Auxílio Brasil (de R$ 400). Esse valor, porém, desagradou aos motoristas, que são uma base eleitoral fiel de Bolsonaro.

“Essa gente propõe uma esmola que não paga a metade de uma recapagem de pneu. Nos respeitem. Isso é um deboche”, disse o presidente da Frente Parlamentar em Defesa do Caminhoneiro Autônomo e Celetista, deputado Nereu Crispim (PSD-RS), quando a principal proposta ainda era de R$ 400.

Diante de reações como essas, o governo passou a discutir um vale de R$ 600 a R$ 1.000. O benefício deve ser destinado a caminhoneiros autônomos, grupo já cadastrado pelo governo e que reúne cerca de 700 mil profissionais. O detalhamento da medida só será conhecido quando a PEC for apresentada no Senado, e isso só deve acontecer na próxima semana.

Daniel Couri, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), afirma que benefícios focalizados são melhores que subsídios em geral, mas é preciso analisar o momento:

“A discussão passa a ser se esses gastos criam uma vantagem competitiva para as eleições e se devem competir ou não com os demais sujeitos ao teto de gastos.”

A PEC foi anunciada no início deste mês como forma de compensar parcialmente os estados para zerar o ICMS do óleo diesel. Inicialmente, essa proposta prevê um gasto fora do teto de R$ 29,6 bilhões com esse fim. Outros R$ 16,8 bilhões são renúncia de receitas pelo governo zerar o PIS/Cofins e a Cide sobre a gasolina.

Por Manoel Ventura, Geralda Doca e Bruno Rosa