Câmara aprova urgência para projeto que autoriza mineração em terras indígenas

Requerimento avançou sob protestos da oposição e de artistas que estavam mobilizados em Brasília

No mesmo dia em que artistas e celebridades protestaram em Brasília contra projetos de lei que trariam prejuízo ao meio ambiente, a Câmara dos Deputados aprovou requerimento de urgência para proposta que autoriza a mineração em terras indígenas. O pedido para que o projeto seja votado direto em plenário, sem precisar passar pelo debate em uma comissão especial, teve apoio da base do governo Bolsonaro e o voto favorável de 279 deputados, ante 180 contrários. Três parlamentares se abstiveram.

As siglas governistas fizeram acordo para que um grupo de trabalho seja criado, com 13 deputados da base e 7 da oposição, para fazer audiências públicas e votar em 30 dias um parecer ao projeto. “Entendemos que o assunto é urgente e não podemos ficar correndo risco de desabastecimento dos fertilizantes”, disse o líder da maioria, deputado Diego Andrade (PSD-MG). O líder do governo, deputado Ricardo Barros (PP-PR), anunciou pela manhã ter obtido o apoio ao requerimento, subscrito por PSDB, PL, PP, União Brasil, PSC, PTB, Avante e Republicanos.

O projeto foi enviado pelo governo em fevereiro de 2020 e nunca chegou a ser debatido pela Câmara. O presidente Jair Bolsonaro (PL) passou a defender a votação com o argumento de que a guerra entre Rússia e Ucrânia afetará a importação de potássio, insumo para os fertilizantes utilizados pela agricultura, e por isso é preciso explorar o minério existente em terras indígenas. Especialistas, porém, dizem que a maior parte desse minério está fora dessas regiões, localizado em São Paulo e Minas Gerais.

Deputados de oposição protestaram e tentaram convencer o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a só pautar o requerimento de urgência após a conclusão da discussão pelo grupo de trabalho. “Não faz sentido votar a urgência antes de fazer o debate. O projeto entrou na lista de prioridades do governo em janeiro, bem antes da guerra”, disse o líder da minoria na Câmara, deputado Alencar Santana (PT-SP). “Esse projeto será a destruição dos povos indígenas. Por que votar a urgência de um projeto que não se sabe nem o relatório?”, questionou a deputada Joênia Wapichana (Rede-RR), única indígena do Congresso.

Lira, contudo, decidiu votar o requerimento alegando que a oposição queria só adiar a votação. A manobra de votar a urgência antes de debater o projeto pode facilitar a aprovação final porque a urgência exige maioria absoluta, de 257 dos 513 deputados, enquanto o mérito do projeto necessita de maioria simples (a maioria dos deputados presentes na sessão). Deixar para votar o requerimento após o parecer ao projeto ser conhecido, portanto, poderia dificultar, já que os partidos ontem disseram que votaram a favor da urgência para fazer o debate andar, mas sem compromisso de mérito.

Chamou atenção dos deputados, durante os debates internos entre os líderes, a posição do Republicanos. O partido governista defendeu que só aceitaria votar a urgência com o compromisso de criação do grupo de trabalho. Para os demais parlamentares, foi uma mostra da insatisfação com o governo – recentemente, o presidente do partido criticou o presidente Jair Bolsonaro (PL) por supostamente atrapalhar as filiações de políticos ao seu partido.

O líder do Republicanos na Câmara, deputado Vinícius de Carvalho (SP), disse que alguns podem interpretar como sinal de insatisfação com o governo, mas a verdade é que o partido está preocupado com o impacto que o projeto terá. “Vamos votar a favor da urgência, com esse compromisso do debate, e sem compromisso com o mérito [do projeto]”, disse. “É preciso entendermos o impacto que essa liberação terá”, sustentou.

Organizações não-governamentais (ONGs) alegam que o projeto autoriza não apenas a mineração em terras indígenas, mas também obras de centrais hidrelétricas e garimpo.

Ato pela Terra

A votação ocorreu no mesmo dia em que um grupo de 40 artistas, liderado pelo cantor e compositor Caetano Veloso, protestou em Brasília contra projetos como a mineração em terras indígenas, mudanças na liberação de agrotóxicos (chamado por eles de “PL do Veneno”) e a Lei Geral do Licenciamento Ambiental.

Eles se reuniram com quatro ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), aos quais entregaram uma lista com 11 ações em tramitação que “podem orientar a caminhada do país no enfrentamento à destruição em curso”, como o marco temporal de demarcação das terras indígenas.

Também encontraram o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e pediram que não paute os projetos de lei. O presidente da Câmara, que liderou a aprovação dessas propostas, não recebeu os manifestantes.

Ciceroneados por parlamentares da oposição, os artistas ainda fizeram um “Ato pela Terra contra o pacote da destruição”, com shows em frente ao Congresso.

Com Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor Econômico