Análise: Como os mercados de previsão estão apostando na eleição do Brasil?

Bolsas de apostas indicam crescente confiança na vitória de Lula, e pesquisas apontam corrida se acirrando; Daniel Marcelino, do JOTA, discute quem tem razão

Pesquisas eleitorais e especialistas veem a corrida mais acirrada: dois levantamentos divulgados nesta semana, realizados pelas consultorias FSB e Ipespe, mediram o presidente Jair Bolsonaro (PL) respectivamente com 31% e 35% ante os 44% do ex-presidente Lula (PT), aferido nas duas sondagens. Mais pesquisas são esperadas ainda nesta semana, mas não há razões para crer que tragam resultados muito diferentes destes.

No entanto, um retrato bem diferente é visto em bolsas de apostas ao redor do mundo, onde o favoritismo de Lula é mais firme: 84% acreditam que o ex-presidente vencerá a eleição. Mesmo que você reconheça a importância do jogo das expectativas em torno destas eleições, isso não parece um pouco excessivo? Talvez, mas acho que os mercados estão chegando à resposta certa muito antes das pesquisas desta vez. Conforme a eleição se aproxima e Lula segue liderando, aumenta o seu favoritismo junto aos apostadores.

Por definição, as bolsas de apostas exigem que os apostadores coloquem a “pele em jogo”, uma vez que estão colocando dinheiro em suas apostas. Portanto, são considerados um indicador mais preciso de como terminará a eleição, quer ela seja decidida em um ou dois turnos.

É claro que as probabilidades podem mudar, mas a tendência é que o quadro permaneça como está até que um fato novo mude a percepção dos investidores. Hoje, a principal mensagem que vejo pela lente dos mercados de apostas é um alto grau de confiança na capacidade do ex-presidente Lula manter sua liderança nas pesquisas e nas urnas, uma situação bastante diferente do que ocorreu quatro anos atrás.

Para quem está ouvindo falar em mercados de previsões políticas pela primeira vez e quer entender melhor seus fundamentos e desempenho em eleições vis-à-vis as pesquisas eleitorais.

Como estão as apostas

Sobre a questão “Who will be elected president of Brazil in 2022?” (quem será eleito presidente do Brasil em 2022?), a plataforma PredictIt, uma das bolsas de apostas online mais populares sobre temas políticos, tem negociação de contratos apostando na vitória de Lula a US$ 0,84, enquanto o mesmo contrato apostando na vitória de Bolsonaro estava sendo negociado a meros US$ 0,19 nesta segunda-feira (25).

Desde dezembro do ano passado, o preço médio dos contratos que apostam em uma vitória de Lula passaram de US$ 0,65 para US$ 0,84 – um aumento de 29% no período. O preço que o contrato é negociado na bolsa indica a crença do mercado em termos de probabilidade. Assim, o mercado está apontando que Lula tem 84% de probabilidade de ser eleito em outubro, contra apenas 19% que apostam numa vitória de Bolsonaro. Os números não totalizam 100%, porque cada contrato é binário e independente: um investidor pode negociar contratos apostando na vitória ou derrota de cada candidato.

Veja no gráfico abaixo a última atualização da série de dados:

Como foram as apostas em 2018

Os dados que tenho da plataforma PredictIt para 2018 cobrem o período a partir de 1º de agosto, ou seja, as duas séries não são rigorosamente comparáveis, mas ainda assim acredito que ajudam a entender a dinâmica do mercado em relação à eleição de quatro anos atrás.

Sobre a versão da questão “Who will be elected president of Brazil in 2018?” (quem será eleito presidente do Brasil em 2018?), havia negociação de contratos apostando na vitória de Bolsonaro abaixo de US$ 0,50 até meados de setembro daquele ano. Apostas em Fernando Haddad, que substituiu Lula poucas semanas antes da eleição, eram negociadas abaixo de US$ 0,30 no mesmo período. Só a partir dos resultados do primeiro turno que o mercado se resolveu, apresentando uma previsão clara de como a disputa iria terminar.

Diferentemente das pesquisas, que mantiveram o nome de Lula nos cenários testados, o mercado nunca acreditou muito na hipótese de Lula vencer a eleição de 2018.

Tanto as pesquisas quanto os mercados podem estar certos

Procurei ouvir também a opinião de outros especialistas para aparar possíveis arestas entre o universo das pesquisas de intenção de voto e os mercados de previsão.

Na avaliação do estatístico Neale El-Dash, doutor em estatística pela USP e criador do site Polling Data, que agrega e analisa pesquisas eleitorais, “a sensação é que algumas pesquisas estão captando a disputa mais próxima, como a pesquisa realizada pelo PoderData (Poder360), porém as outras parecem indicar estabilidade. Parece que no geral está tudo razoavelmente estável, tanto na intenção de votos quanto na avaliação do governo de Jair Bolsonaro”. Por isso, El-Dash atribui o “excesso de confiança” observado nas bolsas de apostas à vantagem que Lula mantém de Bolsonaro, mesmo num eventual segundo turno.

Já na avaliação de Maurício Romão, doutor em economia pela Universidade de Illinois (EUA), os números obtidos nas bolsas de apostas parecem sofrer de um certo “excesso de confiança”. Ele explica que “a euforia se deve em parte à perspectiva de estabilidade e previsibilidade que a vitória de Lula traria, inclusive com diminuição da tensão institucional (Bolsonaro é a antítese da estabilidade e é imprevisível)”. Ele também acredita que o recall dos “bons tempos” de Lula para a seara financeira pode ter deixado saudades (para os bancos em especial).

Romão avalia que embora Lula seja o líder inconteste nas pesquisas eleitorais, sem indicativos de virada até aqui, as pesquisas mais recentes, especialmente as divulgadas nesta semana (BTG/FSB e XP/Ipespe), trazem números muito positivos para Bolsonaro sobre a percepção dos eleitores em relação à inflação, preços dos combustíveis e outras ações do governo, que ainda poderão refletir nas próximas pesquisas e consequentemente nos mercados de previsão.

A 66 dias do primeiro turno das eleições 2022, uma coisa parece certa: o mundo – as empresas de pesquisas e os mercados – aguardará ansiosamente os resultados das urnas para ver quem governará o Brasil pelos próximos quatro anos.

(Por Daniel Marcelino, analista de dados do JOTA em Brasília)