Comic Sans? Tosca? Veja as moedas mais feias que já circularam no Brasil

De rostos de ditadores ao uso de tipografia excomungada entre designers, as escolhas duvidosas da Casa da Moeda
Pontos-chave:
  • Duas moedas comemorativas pelos 200 anos da Independência foram lançadas na terça
  • Moedas não agradaram quando o assunto é estética

O Banco Central (BC) lançou, na última terça-feira (26), duas moedas comemorativas pelos 200 anos da Independência do Brasil – a ser celebrado no dia 7 de setembro -, com valor de face de R$ 2 e R$ 5. Voltadas apenas para colecionadores e não para circulação geral, as moedas têm dado o que falar por suas escolhas estéticas um tanto quanto questionáveis. Pensando nisso, a Inteligência Financeira selecionou outras espécies veiculadas e que também não agradaram no design.



Moedas comemorativas da Independência

Cunhadas em cuproníquel (R$ 2) e prata (R$ 5), as moedas são vendidas pelo site do Clube da Medalha por R$ 34 e R$ 420, respectivamente. Aliás, o espécime de “2 pila” conta com uma “inovação” da Casa da Moeda: é a primeira espécie da história com detalhes coloridos em uma das faces – detalhes estes feitos com o zelo artesanal de um brush pixelado do MS Paint.

É digno de nota também a opção em “mesclar” duas cenas no anverso da moeda de R$ 5, em que o busto de D. Pedro I (reproduzido da litografia “D. Pedro I: Imperador”, de Sebastien Sisson) se sobrepõe à cena da sessão do Conselho de Estado na qual foi tomada a decisão de enviar cartas a Dom Pedro, aconselhando-o a romper com a Coroa portuguesa.

Além de deixar a composição poluída, a perspectiva que se criou é a de que o nosso primeiro Imperador, como matreiro “filho sapeca” que era, aplicou um photobomb em seus pares estadistas.

Outro detalhe que chama a atenção é a escolha tipográfica da estrofe que estampa o reverso das moedas. Extraído do “Hino da Independência”, com letra de Evaristo da Veiga, o bloco textual (estranhamente alinhado à esquerda) está gravado no metal numa fonte que parece ser o filhote bastardo da infame Comic Sans com a abominável Brush Script MT, duas famílias tipográficas execradas no mundo do Design Gráfico.

Após uma pesquisa por repositórios de fontes online, a melhor aposta é de que se trate da versão oblíqua do tipo Komika Text, disponível para download gratuito no site DaFont.com.


Moedas mais feias do Brasil

À luz do recente lançamento da nota de R$ 200, igualmente detentora de um crime tipográfico, buscamos nos confins dos arquivos do nosso Banco Central alguns outros exemplos de moedas “controversas” no que diz respeito ao apuro estético e visual.


Moedas do Sesquicentenário (150 anos) da Independência

No melhor estilo “propaganda ditatorial”, o presidente Emílio Garrastazu Médici fez jus ao seu senso de idolatria pessoal ao se colocar perfilado com D. Pedro I em três das moedas em circulação no Regime Militar (1, 20 e 300 cruzeiros).

Não bastasse o estilo pouco ortodoxo de ilustração dos perfis, que torna um tanto difícil a identificação dos retratados, a “marca” criada para representar o aniversário de 150 anos da Independência do Brasil trazia os dois anos gravados em espaços negativos, unidos por ondas fluidas positivas, o que exige um certo esforço de interpretação do receptor. É quase como um teste de ilusão de ótica.

Moeda de 2000 réis (1939) e moeda de 10 cruzeiros (1975)

Na esteira da moeda de Médici, há outros dois exemplos de “propaganda de ditador” no nosso suado dinheirinho. A moeda de 10 cruzeiros de 1975 foi feita em comemoração aos 10 anos do Banco Central e trazia no anverso a efígie do Presidente Castello Branco, que ocupava o cargo alto do Executivo durante a criação da instituição.

Já a moeda de 2000 réis cunhada em 1939 tinha como motivo o centenário do militar responsável por um dos episódios mais sangrentos da República, a Revolução Federalista de 1893.

Moeda comemorativa dos 200 anos da chegada da Família Real (2008)

Com valor de face de R$ 5, este é um belo exemplo de uma moeda “duas caras”: o anverso tradicional e de composição agradável até engana, mas é só virar e se deparar com um reverso atroz e extremamente poluído.

A escolha tipográfica, o kerning (maneira pela qual o espaçamento entre dois caracteres específicos é ajustado), a composição… tudo é questionável. A disposição dos elementos, a utilização excessiva de adornos nas ligaduras e a maneira como a fonte é justificada em algumas partes (“Jardim Botânico” e “Banco do Brasil”) me faz lembrar uma lápide de cemitério, que começou com um membro da família e teve de encaixar, no improviso, os nomes dos familiares que iam falecendo posteriormente.

Moeda de 50 anos da declaração dos Direitos Humanos (1998)

A moeda bimetálica de R$ 1 que temos em circulação desde 1998 é um bom exemplo de design efetivo em moedas: seu peso e cunhagem tornam ela bastante acessível a deficientes visuais, graças à ergonometria háptica, além de ser visualmente agradável com seu anel dourado e padrão nas bordas.

No entanto, uma versão comemorativa lançada durante seus primeiros dias em circulação possuía um reverso um tanto peculiar. Para marcar os 50 anos da declaração dos Direitos Humanos, uma figura “humana” um tanto quanto infantil e desproporcional – que mais parece um organismo protozoário – foi disposta junto ao globo terrestre. Não obstante, esta é uma das moedas mais valiosas entre os colecionadores atualmente – sendo comercializada por até R$ 1.100 na internet.

Moeda comemorativa dos 500 anos do Descobrimento da América

Esta não é exclusividade nossa, para a decepção dos ufanistas: lançada em 1992, a moeda de 500 cruzeiros sob a temática do Descobrimento da América foi cunhada em 16 países diferentes.

O que as diferenciava, além do valor, era o brasão nacional estampando o centro do reverso. Além de ser um espetáculo de super poluição imagética, a moeda trazia o seu valor estampado de modo extremamente discreto. É o típico exemplo de tentar enfiar 500 coisas em uma só.

Seu anverso dizia, de acordo com o Banco Central, representar “o novo que se apropria de formas despojadas, geometrizadas, a exemplo do grafismo presente em cerâmicas pré-colombianas, inclusive a marajoara, característica do norte do Brasil”. Formas estas que ainda estou me esforçando por aqui para apreender.

Moeda Comemorativa de Goiás – Patrimônio da Humanidade – UNESCO

Outra da série de desastres tipográficos, a moeda comemorativa do Goiás, cunhada em 2012, traz a infame e já citada fonte Brush Script MT gravada em seu reverso, na “assinatura” de Cora Coralina.

Este espécime é um festival de diagramação feita no MS Paint, com o texto alinhado no modo aleatório e famílias tipográficas dignas de uma apresentação em Power Point feita no fim dos anos 90.

Primeira família de moedas do Real (1994)

As moedas que entraram em circulação com a criação do Plano Real foram um bom exemplo de “design preguiçoso” por parte do nosso Banco Central. Com um reverso que se repetia em quase todas iterações e um anverso diferenciado apenas pelo valor, as moedas também tinham cores iguais e pesos e tamanhos semelhantes, com pouca variação, o que podia dificultar a acessibilidade.

A única que se “destacava”, a de R$ 0,25, até tinha seu charme “minimalista”, em especial no reverso. Mas o seu formato heptagonal a deixou datada rapidamente. Talvez a sucessão de planos monetários falidos que precederam o Plano Real tenha deixado o BC mais cauteloso, pra não dizer preguiçoso, imaginando a substituição iminente que essas moedas poderiam exigir.

Menção honrosa: A nota de R$ 10 dos 500 anos de descobrimento (2000)

Conhecida também como “a nota de R$ 10 de plástico”, a cédula de R$ 10 lançada pelo BC em 2000 foi um grande clássico do chorume visual e estético que marcou a virada do milênio, e tentou ser várias coisas ao mesmo tempo.

Clássica e tradicional, com as ilustrações de Pedro Álvares Cabral e do mapa do Brasil colônia em estilo de gravura. Também “popular”, com faces de “gente como a gente”, ilustradas em estilo realista no verso. “Futurista”, com o mapa do Brasil se formando como “pixels” se unindo digitalmente. E, ainda, na vanguarda da tecnologia monetária, era impressa em plástico (alô sustentabilidade) com um detalhe em transparência. Um belo exemplo – pelos piores motivos – do maximalismo estético que marcou o fim do século XX.

Marcelo Andreguetti é o Diretor de Arte e UI/UX Designer da Inteligência Financeira. Jornalista de formação e Designer por profissão, cursou mestrado em Design Integrado pela Technische Hochschule Köln de Colônia, na Alemanha.