Governo publica plano para reduzir fatia da Petrobras nas vendas de gás

Mercado avalia medida como passo fundamental rumo à implantação do novo mercado de gás

O governo publicou na terça-feira (3) resolução com diretrizes para a redução da presença da Petrobras no mercado de gás natural. O objetivo é tentar tirar do papel a prometida competição no setor, hoje fortemente dominado pela estatal.

As medidas são consideradas pelo mercado um passo fundamental rumo à implantação do novo mercado de gás, mas há dúvidas com relação a sua efetividade, já que a defesa da concorrência e estados têm decidido em sentido contrário à proposta.

Atualmente, a Petrobras responde por cerca de 85% do volume de gás natural comprado por distribuidoras de gás encanado no país. Desde o fim de 2021, a estatal tem sido questionada por aumento de 50% no preço do insumo em novos contratos de fornecimento.

No início de maio, os preços da estatal foram elevados novamente, em 19%, acompanhando a escalada das cotações internacionais após o início da guerra na Ucrânia. Os repasses ao consumidor já começaram nos estados que têm reajuste trimestral.

A resolução do CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) dá 180 dias para que a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis) conclua um diagnóstico sobre as condições concorrenciais e elabore um programa para que a Petrobras abra mão de contratos de suprimento.

Por dificuldade de acesso a gasodutos, parceiros da estatal no pré-sal vendem sua parcela na produção à própria Petrobras. A ideia é liberar esse gás e eliminar obstáculos para que as empresas privadas concorram pelo mercado.

O texto determina ainda que a Petrobras permita, em novos contratos, que o comprador reduza os volumes contratados sem penalidades. A estatal terá também que realizar leilões de oferta do combustível e remover barreiras para que outras empresas acessem a infraestrutura de escoamento.

O gás natural é importante insumo para a indústria, principalmente segmentos como a fabricação de vidro e de produtos químicos, e usado também pelo comércio e residências nos estados com rede de distribuição mais desenvolvida.

É consumido também por taxistas e motoristas de aplicativo que optaram por trocar gasolina e etanol pelo GNV (gás natural veicular).

A abertura desse mercado foi uma das primeiras bandeiras do ministro da Economia, Paulo Guedes, que prometeu logo no início do governo um “choque de energia barata”, com o aumento da competição no setor.

Mas a regulamentação das novas medidas atrasou e a escalada das cotações internacionais provocou efeito contrário nas tarifas.

“A resolução veio muito boa porque endereça a transição da abertura do mercado, que não foi prevista na Lei do Gás”, diz Adrianno Lorenzon, diretor de Gás Natural da Abrace (Associação Brasileira dos Consumidores de Energia).

Ele ressalta que o texto trata de temas que ainda dependem de regulamentação, como o acesso de terceiros a gasodutos e a integração das malhas, além de propor a harmonização de legislações estaduais com a federal.

O mercado reclama que medidas recentes de estados e do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) vão na direção contrária do espírito da lei, principalmente em relação ao avanço da Compass, empresa do grupo Cosan, no setor.

O governo de São Paulo, por exemplo, autorizou sua controlada Comgás a construir um gasoduto ligando o litoral paulista à região metropolitana da capital, o que é questionado por grandes consumidores como um passo para a verticalização da atividade, proibida pela Lei do Gás.

“O dia-a-dia tem ido em outra direção”, diz Lucien Belmonte, superintendente da Abividro (Associação Brasileira da Indústria do Vidro).

O setor questiona ainda parecer técnico do Cade favorável à aquisição, pela Compass, da fatia da Petrobras na Gaspetro, empresa que participa de 18 distribuidoras de gás encanado no país. O processo ainda será julgado pelo tribunal da autarquia.

Caso assuma todas as empresas, a Compass passará a ter influência em dois terços da venda de gás no país. A empresa, porém, diz que tem acordos para a venda de até 12 participações da Gaspetro a terceiros.