Governo vetará saque do vale-refeição em dinheiro

Decisão sobre portabilidade do saldo não utilizado ainda está em avaliação

O governo decidiu vetar a possibilidade de sacar em dinheiro o saldo não utilizado no valor-refeição ou vale-alimentação após 60 dias, segundo fontes do governo e do mercado. Essa novidade foi aprovada pelo Congresso Nacional na Medida Provisória (MP) 1108, que redesenha o setor de vales, mas não será sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL).

O saque em dinheiro é criticado por todo o setor de benefícios e pela Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) porque, na percepção deles, cria insegurança jurídica e desvirtua o objetivo do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), que inclusive permite às empresas deduzir do Imposto de Renda (IR) parte dos gastos com alimentação dos funcionários.

Essa possibilidade foi aprovada pelos parlamentares após o relator da MP, deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), tentar autorizar o saque automático do dinheiro no cartão dizendo que isso beneficiaria os funcionários. A base do governo não aceitou essa autorização mais ampla, mas cedeu para aprovar a medida provisória e concordou em permitir o saque se o dinheiro ficasse parado por 60 dias.

O setor de bares, porém, argumenta que isso deixará o beneficiário refém de agiotas, facilitando a venda do cartão para terceiros, e tirará clientes dos restaurantes – o vale-refeição representa 20% do faturamento desses estabelecimentos, em média.

Além disso, a Receita Federal apontou risco de fraude, com as empresas passando a elevar o valor do vale-refeição, sobre o qual não incidem encargos trabalhistas, ao invés de aumentar os salários, sobre os quais o patrão precisa pagar 20% para a Previdência Social e FGTS. Esse “salário disfarçado” poderia se tornar um grande contencioso judicial no futuro.

Por esses fatores, segundo fontes do governo e do mercado, a decisão de vetar o saque em dinheiro do vale-refeição e vale-alimentação em 60 dias já está tomada. O Congresso, porém, pode derrubar esse veto, votação que deve ocorrer até dezembro e dependerá de várias negociações após a eleição. É preciso o voto contrário de 257 dos 513 deputados e 41 dos 81 senadores para derrubar um veto.

O prazo para o presidente sancionar a MP termina nesta sexta-feira e ainda não há decisão sobre os outros pontos mais polêmicos da medida provisória: a liberdade para o usuário trocar a gestora do seu cartão de benefícios (portabilidade) e a possibilidade de utilizar o cartão em qualquer maquininha da rede terceirizada (arranjo aberto de pagamentos).

As novas regras valeriam a partir de maio de 2023 e ainda dependeriam de regulamentação do Executivo.

Há um intenso lobby em Brasília das empresas envolvidas e, de acordo com fontes, todos os lados devem ser recebidos pela Casa Civil ao longo desta quinta-feira.

São mudanças capazes de balançar um mercado gigantesco, que movimenta R$ 150 bilhões por ano, hoje liderado por Alelo, Ticket e Sodexo, mas com fintechs e startups especializadas de olho, como iFood, PicPay e Mercado Pago (do Mercado Livre).

O que tem gerado mais embate é a possibilidade de o usuário trocar a gestora do cartão de benefícios. É um ponto defendido por iFood e Mercado Pago, que lançaram produtos nessa área ano passado e tentam abocanhar fatia do mercado, mas que é criticado pelas empresas tradicionais do setor e parte das startups, que veem risco de isso virar uma “guerra de cashbacks” para atrair clientes (com o custo repassado para os restaurantes na ponta).

A Associação Brasileira de Benefícios ao Trabalhador (ABBT), que representa Alelo, Ticket e Sodexo, tem argumentado junto ao governo que isso também vai impor dificuldades de gestão para as empresas contratantes. “Se cada empregado escolher uma fornecedora diferente, isso causará grande dificuldade para os departamentos de recursos humanos, que terão que gerir dezenas de contratos diferentes com empresas diferentes”, afirmou em nota o diretor do conselho da ABBT, Alaor Aguirre.

Já o diretor de políticas públicas do iFood, João Sabino, disse em entrevista ao Valor no começo do mês que a MP trará maior concorrência e melhores serviços para os trabalhadores. “O PAT foi desvirtuado há tempos e capturado pelas empresas. Era impossível entrar nesse mercado. As novas regras vão colocar o trabalhador de volta no centro dessa política” afirmou.