Por que a Ucrânia é importante: entenda a crise com a Rússia e os impactos para o Brasil e o mundo

Saiba como o país do leste europeu acabou no centro de uma crise global

A Rússia leva adiante sua ofensiva na Ucrânia bombardeando a capital do país, Kiev, após uma série de ataques aéreos sobre cidades e bases militares e de entrar no território ucraniano por meio de ações por terra, mar e ar na quinta-feira (24).

Kiev, país do leste europeu, tem 44 milhões de habitantes e fica a 10.555 quilômetros de Brasília. Desde quinta, a invasão da Ucrânia pela vizinha Rússia já vitimou mais de 190 civis e militares ucranianos e vem afetando vários mercados, desde os preços do trigo até os de energia.

Alguns dos principais suprimentos de grãos do mundo são encaminhados pelo Mar Negro, que faz fronteira com a Rússia e a Ucrânia, dois grandes produtores de trigo. A ação militar pode interromper a produção e a distribuição de grãos, aumentando os custos dos alimentos para os consumidores em todo o mundo. Há ainda a questão energética (saiba mais abaixo).

A relevância da Ucrânia se estende muito além de suas fronteiras.

Um termos geopolíticos, a invasão da Ucrânia levanta temores sobre a segurança de outras ex-repúblicas soviéticas na Europa Oriental. E pode aumentar, ainda mais, os preços dos combustíveis em todo o mundo – algo que já vem acontecendo.

Veja como a Ucrânia acabou no centro de uma crise global.

Putin invadiu a Ucrânia, mas fará o que com o país?

Essa questão provavelmente vai atormentar o presidente Vladimir Putin nas próximas semanas, meses, talvez anos. À seguir, as principais alternativas.

Ocupar o país permanentemente

Isso implicaria que a Rússia teria de manter uma presença militar importante e por um tempo indeterminado na Ucrânia. É arriscado, pois possivelmente surgiria uma resistência, que faria uma guerra de guerrilha contra os ocupantes. E exigiria manter dezenas de milhares de soldados russos na Ucrânia, o que é caro. Haveria um governo fantoche, possivelmente liderado por algum ucraniano de confiança de Moscou. Protestos seriam reprimidos com apoio russo, o que estenderia o desgaste diante do mundo. Possivelmente haveria uma migração em massa de ucranianos para o exterior. Haveria sanções ocidentais a esse novo regime, e a economia não se recuperaria. As sanções à Rússia continuariam.

Retirar-se, deixando um governo fantoche

É pouco provável que um governo pró-Rússia sobreviveria por muito tempo sem o apoio militar russo. No Afeganistão, o governo local caiu antes mesmo de as forças americanas deixarem o país. Dificilmente as forças de segurança ucranianas reprimiriam protestos de ucranianos. O país poderia entrar em guerra civil. Provavelmente haveria sanções ocidentais e a economia não se recuperaria. As sanções à Rússia continuariam.

Retirar-se, deixando o governo atual

Nesse caso, a Rússia destruiria a capacidade militar da Ucrânia e, em seguida, retiraria suas tropas, permitindo a permanência do atual governo, do presidente Volodymir Zelensky. Possivelmente, Putin só faria isso depois de obter garantias de que a Ucrânia não vai aderir à Otan, a aliança militar ocidental.Mas a capacidade militar ucraniana pode ser reconstruída, especialmente se houver apoio ocidental.

E, mesmo fora da Otan, a Ucrânia poderia aos poucos ser absorvida na área de influência do Ocidente. Esse cenário é descrito como a “finlandização” do país (a Finlândia não faz parte da Otan, é neutra em termos de segurança, mas mantém laços econômicos e políticos fortes com o Ocidente, sendo membro da União Europeia). Mas isso seria um ganho pequeno para Putin em relação ao custo que a operação militar e as sanções ocidentais terão para a Rússia. Ele possivelmente poderia ter obtido isso por meio de negociações. Seria o caminho mais curto para o fim das sanções ocidentais.

Anexar a Ucrânia à Rússia

Todo o discurso recente de Putin questiona a legitimidade da Ucrânia, isto é, o próprio direito do país de existir. A Ucrânia é parte histórica da Rússia, foi uma criação artificial dos líderes soviéticos, nunca existiu como país independente e depende de potências estrangeiras, o que mina a segurança da Rússia, alega Putin.

Mas anexar a Ucrânia traria uma série de problemas. Parte da população certamente rejeitaria e haveria resistência, talvez armada. A Rússia teria de regularmente reprimir protestos, com desgaste grande perante o mundo. Haveria êxodo de ucranianos, especialmente os mais capacitados, o que seria um golpe à economia. Além disso, anexar a Ucrânia estenderia a fronteira da Rússia até o território da Otan, que é exatamente o que Putin diz querer evitar.

O conceito de área de influência prevê justamente criar um espaço controlado entre a Rússia e seus inimigos. Anexando a Ucrânia, a Rússia ficaria frente a frente com a Otan na Polônia, na Romênia e na Hungria. A anexação não seria reconhecida por boa parte do mundo, como já ocorre hoje com a Crimeia. As sanções continuariam.

Dividir a Ucrânia

Nesse caso, Putin poderia ocupar apenas a parte leste da Ucrânia mais próxima da Rússia, onde a população de origem russa é majoritária, criando um novo país. Seria algo parecido com a divisão da Alemanha entre Ocidental e Oriental, durante a Guerra Fria. Putin manteria um governo fantoche na parte leste, talvez com possível presença permanente de forças russas, pois haveria menos risco de elas serem hostilizadas. Essa opção parecerá provável se as tropas russas não se moverem para ocupar a parte oeste da Ucrânia. Por enquanto, as operações militares russas estão concentradas no centro e no leste do país.

Nesse caso, o governo Zelensky poderia continuar na parte oeste. Isso exigiria, porém, delinear fronteiras novas, o que é sempre complexo e criaria disputas que durariam décadas. Possivelmente levaria a um processo de limpeza étnica, com ucranianos deixando o leste. E haveria o dilema do que fazer com Kiev, que fica numa região majoritariamente ucraniana, mas é uma cidade ligada historicamente à Rússia. Além disso, as sanções ocidentais à Rússia possivelmente continuariam. E esse novo país não seria reconhecido por boa parte do mundo.

Por que a Rússia, os EUA e a Europa se preocupam tanto com a Ucrânia?

Tanto a Rússia quanto o Ocidente veem a Ucrânia como um potencial amortecedor de tensões no leste europeu. A Rússia considera a Ucrânia dentro de sua esfera natural de influência. O país foi durante séculos parte do Império Russo. Muitos ucranianos são falantes nativos do idioma russo e o país fazia parte da União Soviética até conquistar a sua independência em 1991.

Em 2014, a Rússia ficou nervosa quando uma revolta substituiu o presidente da Ucrânia, simpático à Rússia, por um governo inequivocamente voltado para o Ocidente. Entenda o conflito de 2014 envolvendo Ucrânia e Rússia.

A maioria das ex-repúblicas soviéticas e aliados na Europa já havia se juntado à União Europeia ou à OTAN. O afastamento da Ucrânia da influência russa parecia a sentença de morte ao poder russo na Europa Oriental.

Para a Europa e os Estados Unidos, a Ucrânia é importante em parte porque eles a veem como um indicador de sua própria influência e das intenções russas no resto da Europa. A Ucrânia não faz parte da União Europeia ou da OTAN. Mas recebe considerável apoio financeiro e militar da Europa e dos Estados Unidos.

Se a Rússia invadir, isso sugere que Moscou pode se sentir empoderada para aumentar as tensões com outras ex-repúblicas soviéticas que agora são membros da aliança ocidental, como Estônia, Letônia e Lituânia.

A Rússia já não invadiu partes da Ucrânia?

Sim. Após conflito envolvendo Ucrânia e Rússia de 2014, tropas russas vestindo uniformes sem identificação invadiram a Crimeia, uma península estrategicamente importante no Mar Negro. Em um referendo, condenado como ilegal pela maior parte do mundo, a região votou por esmagadora maioria para se juntar à Rússia.

Quais são os possíveis efeitos econômicos da invasão?

Alguns dos principais suprimentos de grãos do mundo são encaminhados pelo Mar Negro, que faz fronteira com a Rússia e a Ucrânia, dois grandes produtores de trigo. A ação militar pode interromper a produção e a distribuição de grãos, aumentando os custos dos alimentos para os consumidores em todo o mundo.

A Rússia fornece cerca de um terço do gás da Europa, grande parte do qual atualmente é enviado pela Ucrânia. Qualquer interrupção em qualquer extremidade dessa cadeia de suprimentos forçaria os países europeus a procurar combustível em outros lugares, provavelmente elevando os preços mundiais do petróleo.

A invasão da Ucrânia é risco para o Brasil e para Bolsonaro?

De imediato, o choque nos mercados financeiros vem gerando uma fuga de ativos de risco (dívida ou moeda de países emergentes, por exemplo) para ativos seguros. Isso eleva o custo de crédito para o Brasil e as empresas brasileiras e afeta o câmbio, com provável alta do dólar (lembrando que a desvalorização do real alimenta a inflação já alta no Brasil).

Outro canal de contágio é o choque nos preços globais do gás e do petróleo. A União Europeia (que hoje compra da Rússia 40% do gás que consome e quase 1/3 do petróleo) está buscando alternativas aos atuais fornecedores. De qualquer forma, já há uma pressão de oferta.

Combustíveis mais caros implicam mais inflação, num momento em quase todo o mundo vive um período de alta expressiva de preços (na semana passada, os EUA divulgaram a maior inflação em 40 anos).

Além disso, a expectativa de inflação maior pode levar os bancos centrais dos países ricos a anteciparem e a serem mais agressivos no já esperado processo de alta dos juros. Isso teria amplo impacto global, tanto nos mercados como na economia real, elevando o custo do capital para países e empresas.

Energia mais cara significa que o consumidor teria menos dinheiro para gastar com outras coisas. Um conflito na Ucrânia causaria assim uma freada brusca da economia da UE, e a redução da demanda europeia prejudicaria o mundo todo.

O comércio com a Rússia também poderia ser afetado. Não está claro se, num eventual conflito, o Ocidente deixará o caminho aberto para que outros países, como o Brasil, comerciem livremente com a Rússia. E nem como esse comércio seria feito, caso a Rússia seja excluída do Swift.