‘Não adiantava perder tempo com Brasil em 2022’, diz gestor de juros do Asa Hedge

Um dos responsáveis pelo retorno de um dos melhores fundos multimercados de 2022, Filippe Santa Fé explica aposta em entender o cenário macro dos EUA como estratégia

É notável a confiança de quem já viveu e operou em diversos mercados, nas mais diferentes realidades econômicas. A calma no discurso do gestor de juros da Asa Investments, Filippe Santa Fé, pode sugerir que o executivo já tenha passado um longo período meditando em um retiro espiritual na Índia. Mas, na verdade, a bagagem imersiva nos gráficos e nos variados ciclos econômicos de países emergentes, em 16 anos de experiência, deu ao executivo a “casca” que faltava para gerir os investimentos com a paciência que o longo prazo pede.

E não só paciência, mas clareza do que realmente importa colocar na carteira de um fundo, o que leva a um estilo de gestão minimalista raro de se ver. Esses atributos de Santa Fé, compartilhados com o Head de Gestão da ASA Hedge, Marcio Fontes, ajudaram o ASA Hedge a ser um dos melhores fundos multimercado do Brasil em 2022, com 39,40% de valorização no acumulado do ano. A grande aposta, no caso, estava em cima da pressão inflacionária e das altas nos juros dos Estados Unidos.

Enquanto diversos fundos tentavam surfar o mercado de ações brasileiro para conseguir retornos acima da média, o time de gestão do Asa Hedge focou em entender o cenário macro da economia norte-americana para entregar um retorno alto.

“Não adiantava perder tempo com Brasil e outras coisas. Os juros norte-americanos eram o tema central do mundo por causa da importância que os Estados Unidos têm no sistema financeiro mundial. Sacamos isso rapidamente”, disse Santa Fé, em entrevista exclusiva ao íon. Leia a seguir os melhores momentos da entrevista.

Diante de um ano desafiador para as economias –com guerra, inflação e juros subindo—, vocês esperavam um retorno tão expressivo em 2022?

A gente tinha noção de que era, potencialmente, um trade histórico. A maior parte do retorno foi tomando juros nos Estados Unidos e, também, usamos muito da experiência de gestão em países emergentes. Eu tenho, por exemplo, 16 anos de experiência de mercado analisando os ciclos econômicos de vários países. Se você pegar uma pessoa que só operou, por exemplo, Renda Fixa nos Estados Unidos, não dá pra ter plena noção dos ciclos econômicos porque, basicamente, não existiram todas as fases nesse mercado durante esse período.

Foram décadas de inflação supercontrolada nos EUA e, praticamente, não precisava usar o recurso dos juros para isso. Inflação é uma coisa nova no contexto norte-americano atual. Nos países emergentes, por outro lado, os ciclos são muito acelerados. Então, você aprende a diagnosticar as situações econômicas.
E para nós estava claro que iria ter grande impacto da inflação nos EUA depois dos estímulos fiscais e do desequilíbrio das cadeias de produção durante o auge da pandemia.

Houve algum momento de mudança drástica nas estratégias da ASA considerando que foi um ano atípico na economia mundial?

A gente tem um estilo de gestão muito ativo no trade. O papel do gestor, na minha visão, não é só sentar, fazer um diagnóstico e esperar pra ver o que vai acontecer. Tem um trabalho muito grande de “descascar batatas” no dia a dia e não só comer o purê depois. É tentar fazer o longo prazo de uma forma mais eficiente somando várias operações de curto prazo bem-sucedidas.

A gente oscila muito em tamanho de posição. Reduzimos posições e queremos estar grandes naquilo que temos convicção. É muito diferente de como pessoas físicas costumam operar. A gente não quer necessariamente comprar a preços melhores. Queremos comprar em um momento que enxergamos que dali para frente vai andar. É pensar mais no risco-retorno, considerando os eventos e as informações que temos, em vez de pensar apenas se o preço está baixo. Preço não é risco-retorno.

Por exemplo, apesar de a gente saber que a médio e longo prazo a guerra na Ucrânia produziria inflação no mundo, no curto prazo havia muita incerteza. Em ambientes nos quais não temos clareza, a gente basicamente diminui posições e espera as coisas ficarem mais claras, em vez de adicionar complexidade no portfólio fazendo vários hedges [proteção] e investindo em mais ativos.

Quanto a esse estilo de gestão, parece haver uma grande semelhança com os hedge funds de grandes gestoras globais. Há alguma influência?

A gente não está tentando copiar ninguém. Depois que você passa um tempo no mercado, já se adquire um estilo próprio. Há vários estágios em uma carreira: quando você entra, você não sabe nada. Quando um gestor se dá conta disso, é um ótimo passo para aprender. Depois, tem aquela fase de querer entender como outros gestores trabalham. É aí que chega o próprio estilo de gestão em que você vai aprimorando o seu método.

E essa maturidade profissional naturalmente vem ao saber que, se você trabalhar do seu jeito, eventualmente isso vai gerar resultado. Eu não posso trabalhar como Dalio, Stulhberger, Xavier ou Appel, por exemplo. A ideia é que o gestor saiba os próprios pontos fortes e pontos fracos e saiba ter o mais importante: paciência.

O mercado, ao longo de 2022, já vinha prevendo altas expressivas dos juros nos EUA. Qual foi a grande sacada e o diferencial do ASA Hedge nessa estratégia?

Eu lembro que nessa época muita gente acreditava, realmente, que os juros iriam subir nos Estados Unidos. Mas as pessoas abordavam essa posição como um hedge e uma defesa na carteira. Então, por exemplo, se eu estiver comprado em Bolsa no Brasil e os juros norte-americanos subirem, eu vou perder dinheiro aqui. Então, nesse cenário, o que muitas pessoas fizeram foi tomar um pouco de juros nos Estados Unidos para compensar um o prejuízo nas ações brasileiras. Ou seja, o espaço no portfólio para os juros norte-americanos era apenas para fins de proteção.

Enquanto a maioria das pessoas tinha relativamente pouco de juros norte-americanos na carteira, nós tínhamos uma posição grande e de ataque porque aquilo era o principal tema na nossa visão. Não adiantava perder tempo com Brasil e outras coisas. Os juros norte-americanos eram o tema central do mundo por causa da importância que os Estados Unidos têm no sistema financeiro mundial. Sacamos isso rapidamente.

Por exemplo, um trade que deu certo, mas que não fazia sentido para nós, era vender a moeda do Japão e comprar dólar, achando que os juros nos EUA iriam subir. É tão mais óbvio tomar os juros nos EUA se você acha que vai subir. Por que inventar outras coisas e adicionando complexidade? A gente tenta sempre fazer da forma mais simples.

E onde está o hedge do ASA Hedge?

O hedge do fundo se faz por meio do nosso modo ativo de gestão. A gente se classifica como fundo multimercado com hedge porque a gente quer usar toda a flexibilidade que a classe permite. Tem fundo no mercado brasileiro que, na minha visão, acaba usando a regulação de forma subótima, ou seja, para cada classe de ativo (Renda Variável, Renda Fixa, etc.) há um porcentual mínimo, mesmo com a liberdade de comprar e vender praticamente em qualquer mercado.

Dessa forma, se perde muito a flexibilidade e, aqui, a gente parte de um papel em branco. Eu não quero prometer que vou ter alocação no Brasil, por exemplo, e nem prometer que eu vou estar comprado e vendido em qualquer outra classe. Eu só prometo, na verdade, que vou fazer o melhor julgamento do cenário macro e vou tentar aplicar isso do jeito mais simples, com o mínimo de ativos possível.

Não necessariamente eu estou sempre buscando um hedge. O maior hedge que existe é reduzir posição. A gente se dá o direito de ficar zerado e não ter nada no fundo por um tempo enquanto não aparecer uma ideia boa. Eu não quero várias médias no meu portfólio. É assim que você perde dinheiro e, quando chegar a oportunidade grande para operar, você não necessariamente vai ter liquidez nem estômago de fazer aquilo que tinha que ser feito. Esse trabalho de esperar é muito importante.

É por isso que você consegue, assim, ter uma relação de risco e retorno muito saudável porque, quando não tem uma grande oportunidade, você não está tomando risco à toa. Eu só tomo risco quando vale a pena, sem atirar para todos os lados. Eu acho super honesto falar “não sei”. E se as pessoas físicas tivessem essa mentalidade, elas conseguiriam poupar mais e perder menos.

Considerando que o FED deve desacelerar o ritmo dos juros nos EUA, como fica, em relação a este ano, a estratégia que deu tão certo no ano passado?

Na nossa visão, o quadro que impacta os investimentos em 2023 ainda é o mesmo. E aí, de novo, é tentar pegar a experiência de gestão em países emergentes. Quando você tem esses episódios em que a inflação sai de um nível muito baixo para um nível muito alto, o comportamento das pessoas muda.
Então, não é tão simples voltar do patamar que está para chegar de novo à meta de inflação dos EUA, que é de 2% ao ano. E a gente tem que discutir isso em 2023. A ideia é que os norte-americanos ainda devem navegar por um tempo de inflação mais alta.

E a gente está explorando esse tema operando vendido em Bolsa nos EUA porque parece um ativo que tem chance de pegar mais estados da realidade do que a tomada em juros propriamente dita. A gente está entrando em um cenário que a economia vai deixar de crescer tanto. Em 2022, tivemos impacto positivo na Bolsa norte-americana porque pegamos ainda uma economia superforte.

Para 2023, pode ser que fique só o problema inflacionário, enquanto o crescimento cai. Então fica mais complicado para os preços de ativos na Bolsa performarem bem. A gente acha que não tem motivo para projeção de crescimento no lucro de forma geral, por isso vamos continuar operando vendido na Bolsa norte-americana.

Neste ano, a agenda ESG tende a aparecer mais no Brasil e no mundo. Como vocês avaliam esses critérios dentro do ASA Hedge e o que esperar desse assunto em 2023 na gestão do fundo?

A gente está interessado neste tema por uma perspectiva mais macro. Mas, no detalhe, não tem tanto impacto para a nossa análise em comparação a um fundo de ações. Para um fundo macro, não tem um processo definido em relação a ESG. Então, por que vou deixar de tomar juros em um país pelo motivo de não ter um selo ESG? Não faz muito sentido para nós e não bate com o nosso mandato.

Mas estamos muito interessados nessa agenda porque isso impacta muito o mercado de commodities. A gente acha que, depois de resolver essa bagunça cíclica por causa do aumento de juros do Fed e das heranças da pandemia, vamos ter um período grande em que as commodities vão ser as principais geradoras de retorno na carteira.

Então, isso está intimamente ligado com o avanço do ESG. A gente olha para essa questão menos para o nosso processo de investimento e mais para acompanhar as grandes tendências nos próximos cinco anos.

Por Leonardo Pinto, jornalista e editor do Feed de Notícias do aplicativo íon. Artigo originalmente publicado no Feed de Notícias do íon Itaú. Para ler este e outros conteúdos, acesse ou baixe o app agora mesmo.