‘Banho de sangue’: Por que nível de gastos sinalizado por Lula desagrada mercado?

Gabriel Leal de Barros, economista-chefe e sócio da Ryo Asset, avalia que novo governo precisa sinalizar corte de despesas

O mercado claramente não vai aceitar um waiver de R$ 175 bilhões para o orçamento de 2023 como o sinalizado pelo governo de transição do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, diz Gabriel Leal de Barros, economista-chefe e sócio da Ryo Asset.

A chamada Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de transição que vem sendo negociada pelo presidente eleito e sua equipe busca abrir espaço de despesas acima do teto de gastos. Para Barros, a piora hoje do mercado, com disparada nos juros e dólar, já é uma reação ao tamanho do waiver indicado pelo governo. Para ele, uma licença de até R$ 100 bilhões seria aceitável, mas com sinalização de corte de despesas.

“Claramente não é factível”, diz Barros, sobre um rombo de R$ 175 bilhões. “Hoje o mercado já abriu com banho de sangue, com curva de juros abrindo inteira em vários vencimento em mais de 80 pontos base e o real desvalorizando mais de 10%.” O nível de gastos sinalizado, ressalta, compromete a sustentabilidade da dívida. “Se não for feita uma redução de gastos e o governo continuar buscando aumento de despesas, o mercado não aceitará.”

Nas contas de Barros, o rombo seria de R$ 95 bilhões incluindo aumento do Auxílio Brasil (R$ 52 bilhões), pagamento de R$ 150 por criança de até seis anos dentro do programa (R$ 18 bilhões), piso da enfermagem (R$ 14 bilhões), Farmácia Popular (R$ 2 bilhões), merenda escolar (R$ 1 bilhão) e impactos do reajuste do salário mínimo (R$ 8 bilhões).

Para Barros, o mercado aceitaria um waiver de até R$ 100 bilhões, mas isso precisaria também vir com sinalização de corte de despesas. “É preciso ter um plano de voo. Condição necessária é um debate em relação a orçamento secreto, que continua sendo um absurdo. Há vários canais para atacar isso, por meio de negociação.”

Para ele, é preciso começar com a calibragem das emendas de relator, que pode considerar tanto o montante dessa despesa quanto sua destinação. É possível, defende ele, negociar a destinação de parte desses recursos para programas que o próprio governo quer tocar, por exemplo.

Num prazo mais longo, Barros defende um conjunto de medidas que podem trazer economia fiscal de até R$ 700 bilhões em dez anos e que incluem desde reforma administrativa, fusão de políticas sociais e reforma ou eliminação do abono salarial.

Outra questão, diz o economista, é que uma gasto acima do teto de quase R$ 200 bilhões traria uma expansão fiscal que pode canibalizar discussões importantes da agenda, como a reforma tributária, e afetar nível de atividade. Para ele, o aumento de gastos resultará em aumento de carga tributária. “Nesse caso provavelmente virão mudanças para elevar arrecadação sem aumentar a eficiência do sistema, tirando PIB potencial, que já e baixo.”

Valorização do dólar

“Nos últimos três dias, temos visto essa incerteza com o fiscal. Ninguém sabe quanto vai ser o ‘waiver’, se vai ser R$ 175 bilhões ou R$ 100 bilhões, o que vai ficar fora do teto para sempre ou só por um período. O mercado tem muitas dúvidas em relação a isso e, também, sobre quem vai ser o ministro da Fazenda. As altas [do dólar] nos últimos dias têm sido por causa disso”, afirma Marcos Weigt, diretor da tesouraria do Travelex Bank.

Weigt nota que o real é, hoje, a pior moeda do mundo, ao se ter em vista que, no exterior, o dólar exibe queda firme. “E o nosso juro longo está subindo muito também. É um típico movimento de aversão a risco local.”

“Vai ficando mais forte a perspectiva de um ministro político, alinhado à mentalidade de gastos e obras públicas maiores. Por que ficar aplicado [apostar na queda dos juros]? Todos os sinais indicam o contrário”, afirma a estrategista-chefe da MAG Investimentos, Patricia Pereira. De acordo com ela, as primeiras notícias pós-eleições traziam alguma ideia de seriedade fiscal e o mercado operava com expectativas positivas. No entanto, ao longo desta semana, as manchetes foram todas ruins, na margem, no sentido do comprometimento do novo governo com as contas públicas.

“O ‘waiver’ já é bastante alto e a gente começa a se questionar para que vai ser utilizado o dinheiro. Depois vieram notícias de que esses recursos não teriam carimbo e há o ruído de que todo gasto social vai ficar fora do teto. Gasto social é um termo muito amplo, abarca muita coisa. É claro que se você investe na primeira infância, você vai ter gerações melhores. Mas precisa organizar como isso vai ser feito. Ninguém fala em cortar despesa”, afirma Pereira.