É golpe! ‘Mendigo pegador’ vira coach financeiro

Ex-morador de rua, que recebeu o apelido de ‘mendigo pegador’ após caso de agressão no DF, diz que agora fatura alto investindo em criptomoedas

O aumento de transações com criptomoedas aliada à falta de regulamentação do mercado cria o ambiente perfeito para oportunistas interessados em ganhar dinheiro fácil às custas de investidores gananciosos e desavisados. A internet é o berço dos golpistas.

A mais nova figura na cena cripto é Givaldo Alves, de 48 anos, que ficou conhecido nacionalmente como o ‘mendigo pegador’ e ‘mendilover’. Ele próprio se apresenta, em seu perfil no Instagram, criado após seu nome viralizar na internet, a partir de março, como ‘O mendigo’.

No Instagram, Givaldo tem pouco mais de 10 posts, mas já acumula pelo menos 414 mil seguidores. Agora, ele quer se tornar o ‘mendigo dos bitcoins’, ao afirmar que lucra com operações rápidas em plataformas suspeitas. Ele também oferece seus serviços em um site de pseudocelebridades, que oferece mensagens em vídeo. Por isso, cobra R$ 150 por mensagem.

Givaldo vivia nas ruas de Planaltina, no Distrito Federal, até um mês atras. Ele se tornou conhecido nacionalmente depois que foi agredido, no dia 9 de março, pelo personal trainer Eduardo Alves, por ter tido relações sexuais com sua esposa, Sandra Mara.

Ele chegou a ser internado por conta das agressões. Recuperado, passou uns dias em um abrigo da Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes), na Asa Norte, em Brasília. Quando saiu, seu nome já estava nas redes sociais. Aproveitando-se da fama repentina do então morador de rua, o ‘trader’ Diego Aguiar se aproximou de Givaldo.

No day trade

Diego é conhecido do mercado online de criptomoedas. Há pouco tempo, ele dizia possuir robôs de empresas acusadas de pirâmides financeiras tais como FxTrading e YouxWallet — ambas provocaram um prejuízo em milhares de pessoas.

Pelo Instagram, onde tem mais de 1,3 milhões de seguidores e perfil verificado, ele aparece frequentemente com imagens de bolos de notas de dinheiro na mão. Diego se apresenta, na página de seu curso online Treta das Moedas, que cobra por adesão (12x R$ 59,70 + R$ 79,90 a cada 1 mês), da seguinte forma.

“Era pobre, fXXXdo, não tinha um puto no bolso, vivia na aba dos meus amigos ricos e ninguém acreditava em mim… Hoje sou multimilionário.” Ele alega possuir 959.000 alunos nos seus canais de investimentos.

Diego vem se encontrando com Givaldo, que virou garoto propaganda dos cursos de Diego, conforme revelam fotos e vídeos postados no Instagram. Em um dos vídeos, publicado por Givaldo na terça-feira (05), ele aparece em cena que sugere operações de day trade. “Olha quanto eu ganhei hoje”, diz, ao mostrar uma tela com um saldo de mais de R$ 9 mil. “Começamos com R$ 500”, destaca.

De acordo com a história narrada pelo próprio Givaldo no vídeo, ele teria ganho um computador e no mesmo dia começou a realizar operações de compra e venda de criptomoedas. Após mostrar um saldo em tela de R$ 9.546,30, ele faz referência a uma ‘meninada fora de série’. Esse time que o teria orientado em sua estreia como trader. Na sequência, Givaldo indica que um link para acessar mais informações será postado na ‘descrição’.

O vídeo está sendo amplamente compartilhado nos aplicativos de mensagens instantâneas e chamadas de voz. Se o receber, não caia na armadilha. A chance de golpe é grande.

O site Reclame Aqui reúne dezenas de reclamações sobre o curso online Treta das Moedas, um dos produtos mais populares de Diego. Para conquistar seus clientes, ele faz uma promessa agressiva: “Aprenda tudo sobre cryptos e tenha a possibilidade de transformar R$ 50 em R$ 1.000.000 e mude de vida.” No site do Reclame Aqui, a maioria das queixas pede o estorno do investimento, alegando que “o curso não cumpre o que foi ofertado.”

Escalada global e local

Os crimes envolvendo criptomoedas somaram US$ 14 bilhões em 2021, mostra o Crypto Crime Report 2022. O levantamento foi feito pela Chainalysis, a principal plataforma global de pesquisa de blockchain e criptomoedas. Houve um aumento de 79% na comparação com 2020.

No relatório, a Chainalysis avalia o montante de US$ 14 bilhões em atividades ilegais como um “problema significativo”. “O uso criminoso de criptomoedas cria enormes impedimentos para sua adoção contínua, aumenta a probabilidade de restrições impostas pelos governos e, o pior de tudo, vitimiza pessoas inocentes em todo o mundo”, pontua.

No Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) apurou 325 possíveis fraudes financeiras envolvendo criptomoedas em 2020, segundo reportagem do Estadão. A maioria dos casos observados pela CVM envolve pirâmides financeiras; foram 175 deles dos 325 apurados.

Criptomoedas como o Bitcoin foram o ativo usado em 43% dos casos, o aplicativo WhatsApp é o meio mais usado para divulgar as fraudes (27,5%), e o boca a boca ficou em segundo lugar (19,7%).

As vítimas mais comuns são homens (91%), com 30 a 39 anos de idade (36,5% do total), que ganham de dois a cinco salários-mínimos (23%) e com ensino superior completo ou pós-graduação (71%).

Fraudes recordes

O Banco Central (BC) avalia a elaboração de diretrizes para impor fiscalização às transações financeiras com criptomoedas no Brasil, como bitcoin, e definir penalidades para conter a explosão de golpes e fraudes.

A iniciativa foi relatada, em fevereiro, pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto, a presidentes de bancos importantes no país, segundo a Folha de S. Paulo. A ideia é que as regras entrem em vigor até o final deste ano.

Veja alguns dos golpes que levam o BC a preparar regulação para criptomoedas:

Maio de 2020

Polícia de São Paulo investiga golpe com bitcoins sobre investidores que usaram a FX Trading Corporation. Prejuízo: R$ 1 bilhão.

Março de 2021

Detentora de cerca de 15 mil bitcoins de mais de 200 mil clientes no mundo, a Atlas Quantum negociava contratos de investimento coletivo sem autorização, segundo a CVM. Os clientes tentam sacar o dinheiro desde 2019. Prejuízo: R$ 4 bilhões.

Julho de 2021

Grupo de bitcoins criou ‘blockchain paralela’ para simular aplicações em bitcoins com recursos de clientes e se serviram de ‘desconhecimento técnico’ do Judiciário para apresentar em garantia uma carteira digital falsa e fraudar processo de recuperação judicial. Prejuízo: R$ 1,5 bilhão.

Agosto de 2021

PF deflagrou operação contra consultoria do chamado ‘faraó dos bitcoins’. A empresa é suspeita de operacionalizar um sistema de pirâmides financeiras com base na oferta pública de contrato de investimento, sem prévio registro em órgãos regulatórios. Prejuízo: ao menos R$ 20 milhões.

Fonte: BC, CVM, Crypto Head.

Entenda o PL que quer regulamentar o mercado de criptomoedas

De iniciativa do senador Flávio Arns (Podemos-PR), o Projeto de Lei (PL) 3825/19 prevê a regulamentação de criptomoedas no Brasil.

O PL foi aprovado no final de fevereiro por unanimidade pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado e, se não houver nenhum recurso à votação em plenário, será encaminhado à Câmara dos Deputados.

Veja os principais pontos do PL que regulamenta as criptomoedas:

  • Estabelece Receita Federal e Banco Central como reguladores de moedas virtuais;
  • Executivo define órgãos de normatização e fiscalização dos negócios que envolvam criptomoedas;
  • Empresas de criptoativos precisarão de autorização da Administração Pública Federal;
  • Estabelece penas previstas em leis de lavagem de dinheiro e colarinho-branco a práticas irregulares que envolvam criptomoedas;
  • Considera empresas como instituições financeiras submetidas ao Código de Defesa do Consumidor;
  • Insere fraude em prestação de serviços de ativos digitais no Código Penal, com penas que variam entre 4 e 8 anos.

Pirâmide financeira: o que é e como não cair nesse golpe

Neste vídeo do Gloassário IF, vamos explicar esquemas que parecem incríveis, mas são roubadas.