Como Elon Musk e Jack Dorsey, cofundador do Twitter, se aproximaram

A aliança da dupla alimentou especulações se Dorsey poderia voltar a ter papel-chave na empresa caso o negócio venha a ser concretizado
Pontos-chave:
  • Os dois bilionários têm pontos em comuns em vários temas, como a liberdade de expressão

No início de 2020, em um evento de lazer promovido pelo Twitter para os funcionários, Jack Dorsey, cofundador da empresa e então executivo-chefe, convidou uma estrela para discursar: Elon Musk.

Por vídeo, o executivo-chefe da Tesla reclamou ao público sobre a proliferação de “bots” com spams na plataforma – o mesmo problema que ele agora está brandindo para protelar sua oferta de US$ 44 bilhões pela rede social online.

A presença, além de mostrar que Musk já tinha obsessão com as contas falsas, foi um testemunho da proximidade entre Dorsey e Musk, uma relação de admiração entre bilionários que já sacudiu drasticamente o futuro do Twitter.

A aliança da dupla alimentou especulações se Dorsey poderia voltar a ter papel-chave na empresa caso o negócio venha a ser concretizado. Também irritou muitos dentro do Twitter que consideram o negócio uma traição à rede social on-line, que se depara com agitações, na forma de congelamento das contratações, medidas de cortes de custo e baixo moral, e cujos funcionários são constantemente alvo de zombarias de Musk.

A documentação oficial enviada às autoridades reguladoras revelou, na semana passada, que depois de Musk ter sido primeiro convidado para entrar no conselho de administração do Twitter no início de abril por ser um grande acionista, Dorsey “compartilhou de seu ponto de vista pessoal de que o Twitter teria melhores condições de concentrar-se na execução [de seus negócios] como uma empresa de capital fechado”. Dorsey renunciou como executivo-chefe do Twitter em novembro, mas ainda faz parte do conselho, entre cujos membros também estão Bret Taylor, executivo-chefe da Salesforce, Martha Lane Fox, empresária da área de tecnologia, e Patrick Pichette, ex-diretor de finanças do Google.

De acordo com fontes a par da situação, a avaliação devia-se, em parte, às crescentes tensões entre Dorsey e os demais membros do conselho sobre como a empresa deveria ser conduzida e questões como a moderação de conteúdo.

No passado, ele havia se confrontado, em particular, com o fundo ativista Elliott Management, que já teve um assento no conselho. Dorsey via o fundo como demasiado comercial e focado no curto prazo, segundo fontes. Alguns membros do conselho, enquanto isso, foram ficando mais frustrados pelo que viam como falta de engajamento de Dorsey.

Apenas uma semana depois de Dorsey ter dito que o Twitter estaria melhor se tivesse o capital fechado, Musk anunciou seus planos para fazer justamente isso. Depois de o conselho ter aceitado o negócio, Dorsey tuitou: “Elon é a solução singular na qual confio. Confio em sua missão para estender a luz da consciência.”

“A filosofia de Jack era negociar um acordo de paz com a Elliott e, então, avançar para fechar o capital da empresa, para que essas pessoas nunca voltassem a ter condições de que seus incentivos [financeiros] impactassem um produto tão importante para a sociedade”, disse uma fonte próxima a ele.

Dorsey manteve uma relação profissional com os membros do conselho, mas se sentiu desafiado pessoalmente pela Elliott, que havia ganhado um assento no conselho do Twitter depois de investir na empresa no início de 2020, segundo várias fontes a par das reuniões.

Na época, a Elliott receava que Dorsey tinha a atenção distraída por seu segundo papel executivo na firma de meios de pagamento Square e queria ritmo mais veloz de inovação de produtos. Dorsey estava absorvendo noções como descentralização e tecnologia blockchain e rejeitava as ideias da Elliott como demasiado capitalistas.

Ao longo do processo da aquisição, Musk criticou publicamente o conselho por algumas de suas decisões de moderação de conteúdo, assim como o número de contas falsas no site. Dorsey uniu-se a ele nas críticas ao conselho do Twitter e tuitou, em abril, que o conselho vinha sendo “constantemente a disfunção na empresa”.

Os comentários podem ser atribuídos ao crescente desprezo de Dorsey por Wall Street e pela política americana, que remonta a vários anos, segundo pessoas próximas a ele.

Dorsey desencantou-se após diversas audiências parlamentares nas quais foi chamado para testemunhar sobre questões de moderação de conteúdo e começou a sentir que a empresa estava sendo usada como um “peão” político, de acordo com uma das fontes.

Ao mesmo tempo, o conselho exerceu mais pressão sobre Dorsey para discutir e resolver grandes questões de moderação de conteúdo – como o veto ao ex-presidente dos EUA Donald Trump – algo que ele relutava em fazer, segundo fontes a par da situação.

Após o conselho conclamar Dorsey a dedicar-se integralmente a comandar o Twitter, na esteira da invasão do Congresso dos EUA em 2021, ele se recusou e acabou renunciando a seu cargo de executivo-chefe, segundo duas fontes.

Essas tensões não se manifestaram em brigas ou discussões. Segundo fontes a par da situação, Dorsey continuou passivo e sem envolver-se emocionalmente durante as reuniões do conselho, o que irritou as personalidades mais agressivas e mais engajadas na sala – embora ele tenha ficado mais brusco com o conselho nas recentes negociações sobre a venda.

O Twitter não quis comentar as informações. A Square, que agora é conhecida como Block, e a Elliott Management não responderam de imediato aos pedidos para comentar o assunto.

Embora recentemente Dorsey tenha dito que nunca voltará à empresa como executivo-chefe, ele discutiu com Musk se continuaria a “ter participação na empresa ou em uma ou mais de suas afiliadas depois da fusão”, segundo a documentação oficial do Twitter enviada às autoridades reguladoras.

Além do interesse no Twitter, os dois empreendedores estão na mesma página em questões como criptomoedas, tecnologia de fonte aberta e liberdade de expressão. Ambos alcançaram o sucesso como fundadores de empresas no Vale do Silício comandando diversas empresas ao mesmo tempo.

“Jack era do ‘time Elon’ desde o primeiro dia”, disse Stefano Bonini, especialista em governança no Stevens Institute of Technology.

Os desdobramentos inquietaram muitos funcionários do Twitter, segundo três funcionários e ex-executivos. A documentação relevou que a dupla estava mais próxima do que os funcionários imaginavam originalmente, segundo uma das fontes.

Alguns funcionários sentem que Dorsey, outrora uma figura do tipo guru, reverenciada internamente, está reescrevendo a história da empresa ao criticar publicamente as decisões sobre moderação de conteúdo tomadas enquanto ele era executivo-chefe, e não apoiando o novo executivo-chefe, Parag Agrawal, em cuja contratação ele teve grande papel.

Muitos ficaram descontentes por ele não ter defendido a política do Twitter e a diretora jurídica, Vijaya Gadde, quando, poucos dias depois de o negócio ter sido acertado, Musk começar a criticar publicamente as decisões de moderação dela, como o veto a uma notícia sobre Hunter, filho do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. Isso levou Gadde a receber vários insultos racistas e de assédios.

Ainda assim, alguns questionam a sinceridade da relação. “Jack genuinamente acredita que fechar o capital da empresa é a coisa certa. E se houver um caminho para fazer isso, e rápido, isso vale a pena”, disse uma fonte próxima a ele.

Por Hannah Murphy e Cristina Criddle — Financial Times, de São Francisco e Londres.