Análise: surpresa positiva em fevereiro não deve mudar cenário negativo para o varejo no ano

Tendência é o setor ser ainda mais impactado por um cenário macroeconômico desfavorável

Embora surpreendentes, os resultados positivos do volume de vendas do varejo no início de 2022 representam mais uma recomposição da perda ao fim do ano passado e devem ser vistos com cautela.

Apesar de uma aparente boa notícia, não mudam a tendência esperada para o ano, de desempenho do comércio impactado por um cenário macroeconômico desfavorável, diz Rodolpho Tobler, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).

Segundo a Pesquisa Mensal do Comércio (PMC) divulgada nesta manhã pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), o volume de vendas do varejo restrito cresceu 1,1% em fevereiro ante o mês anterior, com ajuste sazonal. A alta de janeiro, também na margem, foi revisada de 0,8% para 2,1%.

Os resultados divulgados hoje, incluindo a revisão de janeiro, diz Tobler, fazem sentido em razão da queda 2,6% do indicador em dezembro ante novembro, com ajuste sazonal. Em janeiro, mesmo com o crescimento revisado para 2,1%, diz ele, não se recupera totalmente a perda de dezembro. “E com o avanço de 1,1% em fevereiro temos um saldo líquido um pouco positivo nos primeiros dois meses do ano. É uma recomposição do que foi perdido em dezembro, com pequena melhora em fevereiro.”

Mesmo assim, destaca ele, em fevereiro o nível do volume de vendas do varejo do país ficou 11,1% abaixo do nível pré-pandemia, dado por fevereiro de 2020. O mês de fevereiro manteve o ritmo da recomposição, com crescimento de atividade, mas de forma muito branda, de recuperação muito tímida, aponta Tobler.

Houve reação em fevereiro das vendas de combustíveis e lubrificantes, ressalta, o que se explica pelo desafogo inflacionário naquele mês. “Mas sabemos que houve a guerra [entre Rússia e Ucrânia] e os efeitos disso nos preços do petróleo. Não dá para imaginar que isso se mantenha nesse ritmo nos próximos meses.”

Há ainda reações em fevereiro, aponta, no ramo de “tecidos, vestuário e calçados” e de “móveis e eletrodomésticos”, também devolvendo perdas da virada de 2021, com resultados provavelmente afetados por promoções realizadas pelos varejistas.

A recuperação do comércio em 2022 deve ser muito gradual, diz Tobler, em razão do cenário macroeconômico muito negativo, com inflação alta e expectativa de aumento da taxa de juros, que afetam as vendas a prazo. Resultados positivos da PMC são sempre bem-vindos, mas isso ainda “é pouco”, diz.

“O cenário macroeconômico não permite esperar que essas duas altas sejam tendência para os próximos meses. O consumidor tem muita cautela, o poder de compra está baixo e esse conjunto de fatores deve ditar o ritmo da recuperação do comércio.”

E os resultados de janeiro e fevereiro, diz ele, são predominantemente anteriores à deflagração da guerra, que aumentou o nível de incerteza e também há os riscos de efeitos em preços, aumentando o desafio de controle da inflação.

“O varejo é um setor muito sensível a isso, com repasses de preços muito rápidos, o que dificulta ainda mais sua recuperação. Por isso é preciso ter cautela ao olhar os resultados deste início de ano.”

Desempenho não significa tendência

Na mesma linha, Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, destaca que o comércio varejista de fevereiro surpreendeu positivamente puxado pelo restrito, mas o desempenho do setor deve ser associado ao ampliado, com o resultado das vendas de veículos, motos e autopeças. Para ele, isso não muda as perspectivas negativas para o varejo do ano, que ainda devem enfrentar os efeitos da perda de renda, inflação e alta de juros.

Sanchez ressalta que o resultado de fevereiro veio acima do que a mediana de mercado esperada para o indicador e também melhor que a queda de 0,6% projetada pela corretora. Houve surpresa, segundo ele, no desempenho no ramo de “combustíveis e lubrificantes” que subiu 5,3% em fevereiro, na margem.

Apesar da reação do restrito, o economista destaca que as taxas positivas do comércio varejista em fevereiro tiveram grande reflexo de itens exclusivos do ampliado, que inclui veículos e material de construção, com alta de 2% ante janeiro, com ajuste sazonal. Nesse conceito, o destaque veio para “veículos, motos, partes e peças” que avançaram 5,2% também na margem.

O comportamento positivo de fevereiro não significa tendência para o ano, destaca Sanchez. A alta em veículos, diz ele, é em boa parte recomposição da perda de 6,6% em janeiro, na margem. E as vendas de combustíveis e lubrificantes refletem um alívio momentâneo da inflação, mas tendem a sofrer o impacto da inflação da perda de renda e da alta de preços que voltou a surpreender em março.

O varejo como um todo, diz o economista, deve sofrer mais claramente a partir do segundo trimestre os efeitos da reorganização das famílias e da mudança de padrão de consumo resultante do cenário macroeconômico, com aceleração da inflação e perspectiva de alta maior de juros.

A Ativa mantém projeção de alta de PIB de 0,4% para o primeiro trimestre em relação aos três meses anteriores, com ajuste sazonal. Para o ano a projeção é de crescimento de 0,2%.