Análise: O desafio de uma reforma do IR em 2023

Mudança proposta pelo governo está parada no Senado, assim como as alterações na tributação do consumo, diz Fabio Graner, do JOTA

“O sistema tributário brasileiro tem iniquidade vertical (quem recebe mais paga menos) e tem iniquidade horizontal (pessoas com mesmo nível de renda sofrem incidência de tributação completamente diferentes).” A frase do especialista em contas públicas e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Manoel Pires, em seminário sobre o livro “Progressividade tributária e crescimento econômico”, realizado com um grupo de jornalistas na última segunda-feira (8), é uma boa síntese sobre a problemática estrutura da taxação da renda no Brasil, que precisa ser revista o mais brevemente possível.

O livro, publicado no Observatório Fiscal do FGV Ibre, mostra como é baixa a progressividade na taxação da renda das pessoas físicas no Brasil. Por conta da isenção de dividendos, a alíquota efetiva (o quanto de fato as pessoas recolhem de tributo em proporção do total da renda) do IRPF dos 1% mais ricos, em 2019, foi de 5,25%. Isso ocorre porque no grupo dos 0,1% mais ricos, 58% dos rendimentos são recebidos na forma de lucros e dividendos.

Outra distorção está na taxação das empresas. Apesar da alíquota de 34% de IRPJ/CSLL, uma das mais altas do mundo e que afasta muitos investidores externos, a tributação efetiva após todas as deduções está, em média, em 21,7%. Esse número é inferior à média mundial, quando se exclui da amostra países que praticam alíquotas nominais inferiores a 15% – os chamados paraísos fiscais. Mas para se chegar a essa taxação efetiva menor no Brasil, é preciso que as empresas conheçam bem o emaranhado de regras e benefícios que existem na nossa legislação.

“Nós temos uma das alíquotas nominais de IRPJ/CSLL mais altas do mundo, porém, para compensar isso, fomos incluindo uma série de mecanismos e benefícios, e aí a tributação virou uma verdadeira colcha de retalhos. E isentamos integralmente os dividendos na pessoa física”, explica um dos autores do livro organizado por Pires, o economista Rodrigo Orair.

O pesquisador, que já foi diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), acredita que o país não vai escapar de discutir o tema da tributação da renda em 2023. Orair também aponta que uma mudança nas regras de taxação de lucro das companhias, que diminua a alíquota nominal de IRPJ/CSLL de 34% ao mesmo tempo em que promove a redução de benefícios usados para diminuir a base de cálculo, e combinada com a taxação sobre os dividendos recebidos pelas pessoas físicas pode gerar uma receita extra de R$ 75 bilhões a R$ 80 bilhões ao ano. Além de arrecadar mais, esse desenho, mais alinhado com as práticas internacionais, tenderia a melhorar a competitividade local e a atração de investimentos externos para o país.

O montante de recursos extras previsto é relevante e pode ter várias possibilidades de uso. Uma delas seria permitir uma redução mais acentuada da carga tributária sobre o consumo, no âmbito de uma reforma da tributação indireta (que mais uma vez fracassou no Senado neste ano). Outra possibilidade seria financiar o aumento no gasto social e eventualmente até um reajuste na tabela do Imposto de Renda.

Nas contas de Pires apresentadas aos jornalistas, a manutenção do Auxílio Brasil em R$ 600 (prometida pelos dois candidatos líderes nas pesquisas) e uma correção da tabela que leve a faixa de isenção para R$ 2.500 custariam R$ 84 bilhões. Ou seja, a engenharia proposta por Orair cobriria quase toda essa expansão fiscal.

Aliás, vale lembrar que, com a promessa feita por Jair Bolsonaro sobre a prorrogação do Auxílio Brasil, o ministro da Economia, Paulo Guedes, também já quer colocar a taxação de dividendos como mecanismo para financiar esse gasto para 2023. A reforma do IR proposta pelo governo, porém, assim como a da tributação do consumo, está parada no Senado, diante da resistência principalmente de setores empresariais que apontavam aumento de carga tributária.

Espera-se que após o fechamento das urnas e com um Congresso renovado, o próximo governo, seja ele qual for, tenha a capacidade de trabalhar na direção de um sistema tributário mais justo e mais eficiente para estimular o crescimento de longo prazo.

Como o livro deixa claro em suas mais de 300 páginas, é possível cobrar mais daqueles com capacidade contributiva maior, mas também melhorar a competitividade das empresas aqui instaladas, gerando empregos e promovendo um ciclo virtuoso de desenvolvimento. O debate está amadurecendo no Brasil, como indica o fato de haver algum grau de convergência na visão do atual governo, de corte liberal, com o que estão propondo os autores do livro, de corte mais desenvolvimentista. Fica a torcida para que em 2023 finalmente o país consiga dar esse passo na direção de um sistema mais justo.

(Por Fabio Graner, analista de economia do JOTA em Brasília)