Análise: Como mitigar os efeitos da inflação no seu bolso?

Correção dos rendimentos pela inflação os leva à faixa superior da tabela progressiva do IR

A inflação é uma velha conhecida dos brasileiros, afinal é um problema que assola o país há décadas. E, apesar de ter arrefecido nos anos que sucederam o Plano Real, voltou a ganhar mais relevância recentemente. Segundo o IPCA, o acumulado da inflação nos últimos três anos foi de mais de 20%. Basta ir ao supermercado ou ao posto de gasolina para perceber.

Mas o que alguns talvez ainda não tenham se dado conta é que a inflação implica também o aumento “invisível” dos tributos. No que diz respeito à tributação sobre a renda, por exemplo, isso pode ocorrer pela simples ausência da correção das faixas da tabela progressiva do imposto de renda. Esse fenômeno é conhecido nos Estados Unidos como bracket creep. Explico.

A correção pela inflação dos rendimentos sujeitos à tabela progressiva, desacompanhada da respectiva atualização de suas faixas, faz com que esses rendimentos sejam “empurrados” para a faixa superior, sujeita à alíquota mais elevada. Isso não obstante não tenha havido aumento do poder aquisitivo do contribuinte para justificar uma maior tributação.

O impacto da inflação na tabela progressiva do IR é um problema conhecido. Diversos foram os questionamentos no Judiciário a respeito, inclusive por meio de ação direta de inconstitucionalidade. O Supremo Tribunal Federal já se manifestou em diversas ocasiões no sentido de não caber ao Judiciário a correção da tabela ante a ausência de previsão legal.

De fato, a forma mais adequada de abordar o problema seria por intermédio de medida legislativa. Uma alternativa é aprovar todo o ano uma lei que contemplasse a correção da tabela progressiva levando em conta a inflação do período. Mas isso nem sempre é fácil e, não raras vezes, falta vontade política para tanto. Enquanto isso, o “imposto invisível” aumenta.

Os Estados Unidos possuem um mecanismo que ajuda a amenizar a situação: a correção automática das faixas da tabela progressiva com base na inflação. Isso não significa que o sistema norte-americano elimine por completo o problema. É que lá, além do imposto de renda federal, existe também o estadual, e nem todos os estados adotam essa prática.

Mas que fique claro: os efeitos negativos da inflação no que tange ao imposto de renda das pessoas físicas não se restringem à correção da tabela progressiva. Vários outros existem. Por exemplo, a não atualização dos limites de dedução com dependente e educação ou mesmo do desconto simplificado implica também um aumento invisível do imposto.

Por aqui, a problemática, vira e mexe, ganha contornos políticos. Durante a campanha eleitoral, o presidente Jair Bolsonaro prometeu praticamente triplicar a faixa de isenção, hoje em torno de R$ 1,9 mil, para cinco salários mínimos, equivalente a pouco mais de R$ 6 mil mensais em valores de hoje. Mas a promessa, que era boa demais para ser verdade, não saiu do papel.

No atual governo, houve propostas mais realistas para corrigir a tabela progressiva. O PL nº 2.337/21, por exemplo, propunha, entre outras medidas, aumentar a faixa de isenção para R$ 2,5 mil. Um aumento mais moderado era previsto para as demais faixas da tabela. A proposta, aprovada na Câmara dos Deputados, permanece esquecida no Senado Federal.

Recentemente, noticiou-se que o governo estaria elaborando os últimos cálculos para corrigir a tabela do imposto de renda. A medida viria em boa hora, visto que a última correção foi em 2015. De lá para cá, a inflação foi de quase 50%. Mas, se porventura se concretizar, dificilmente irá abarcar a inflação do período, muito menos cobrir a defasagem do período anterior.

A correção da tabela progressiva certamente encontra algumas limitações, sobretudo orçamentárias, pois que implica perda de arrecadação. Mas, ao menos, não são necessárias as medidas previstas no art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal, com o propósito de compensar eventual renúncia de receita, uma vez que não se trata de incentivo ou benefício fiscal.

Importante que se diga que a correção da tabela pode vir a acarretar efeitos indesejados no cenário econômico atual. Isso porque, como diz o ditado popular, “dinheiro na mão é vendaval”. Se o dinheiro economizado pelo contribuinte em razão da atualização da tabela for utilizado para o consumo, haverá um aumento da demanda e, por consequência, da inflação.

O receio de aumento da inflação é agravado em se tratando de correção da tabela de forma automática, na medida em que essa espécie de indexação pode alimentar ainda inflação futura. Mas, diante das inúmeras tentativas fracassadas de atualização da tabela progressiva, se nada for feito, a cada ano que passa, a inflação irá correr cada vez mais o bolso dos contribuintes.

Nesse contexto, é de se perguntar se seria despropositado pensar na atualização anual automática das faixas da tabela progressiva (e por que não também dos limites de dedução?). O Supremo Tribunal Federal já sinalizou o caminho. A experiência norte-americana sugere uma solução. Resta saber se existe vontade política para aprovar uma lei nesse sentido.

(Por Phelippe Toledo Pires de Oliveira, procurador da Fazenda Nacional, pesquisador visitante na Universidade de Economia e Negócios de Viena e professor do Ibmec Brasília)