Ações nos EUA têm pior começo de ano em mais de meio século – e pode piorar

A queda de 16% do S&P 500 desde janeiro expõe o pior desempenho do índice desde 1970

As ações dos EUA estão em seu pior momento em mais de meio século. Por algumas medidas, no entanto, os ativos de renda variável ainda parecem caros.

Wall Street costuma usar a relação entre o preço das ações de uma empresa e seus ganhos como medida para determinar se uma ação parece barata ou cara. Por essa métrica, o mercado como um todo estava extraordinariamente caro durante grande parte dos últimos dois anos. Neste período, a política monetária mais relaxada (com juros baixos) do Fed, o banco central dos EUA, turbinava a visão popular de que as baixas taxas de juros davam aos investidores poucas alternativas às ações.

Embora tenha caído 16% desde o início de 2022, o S&P 500 foi negociado no final da última semana a 16,8 vezes seus ganhos projetados para os próximos 12 meses, segundo a FactSet, empresa de dados norte-americana que consolida estatísticas sobre o mercado financeiro. Isso ainda está acima do múltiplo médio de 15,7 dos últimos 20 anos, mas abaixo de um pico recente de 24,1, de setembro de 2020.

Preocupações com a inflação e o caminho dos aumentos das taxas de juros do Fed estimularam a recente turbulência nos mercados e provocaram um debate vigoroso sobre as avaliações apropriadas das ações no ambiente atual. O declínio do S&P 500 até sexta-feira (13) expõe o pior desempenho do índice desde 1970, segundo a Dow Jones Market Data.

Uma fonte de incerteza é a crescente preocupação de que o aperto monetário do Fed leve a economia a uma recessão. Neste cenário, de recessão, os múltiplos de ações normalmente caem. Taxas de juros mais altas reduzem o valor dos fluxos de caixa futuros das empresas em modelos de precificação (valuation) comumente usados. Alguns investidores já se preocupam com o fato de as expectativas do mercado para os lucros corporativos serem muito altas, devido aos obstáculos econômicos à frente.

Michael Mullaney, diretor de pesquisa de mercado global da Boston Partners, que administra US$ 91 bilhões, disse ao The Wall Street Journal (WSJ) que acha que o S&P 500 está bem avaliado com base nas taxas de hoje, mas espera que as avaliações caiam ainda mais.

A valorização das ações tende a cair durante os ciclos de aperto monetário e o crescimento dos lucros também tende a desacelerar nesses períodos, mesmo durante intervalos de tempo que não são marcados por alta inflação. Isso significa que os investidores devem antecipar um ambiente de mercado ainda mais austero nos próximos meses.

Além disso, parte dos analistas de Wall Street avalia que o Fed precisará elevar sua taxa básica de juros acima do esperado para conter a inflação. Ao final da campanha do Fed, ele espera que o S&P 500 seja negociado a cerca de 15 vezes o lucro projetado. Adicione uma recessão ao cenário e a avaliação do mercado provavelmente cairia para 13 ou 14 vezes os lucros, segundo avaliações dos analistas de Wall Street.

“Estaremos em um mercado volátil até que tenhamos alguma evidência concreta de que avanços significativos foram feitos para acabar com o problema da inflação”, disse ao WSJ Mullaney.

Estouro de bolha?

A turbulência recente no preço dos ativos nos EUA fez com que muitos analistas fizessem comparações com o estouro da bolha das pontocom, a chamada bolha da Internet, no início dos anos 2000. A bolha da Internet, ou bolha das empresas pontocom, foi uma fase especulativa que ocorreu aproximadamente de 1994 até 2000, caracterizada por uma forte alta das ações das empresas de tecnologia.

Analistas do Citi afirmaram, em relatório divulgado na última semana, que o mercado de ações dos EUA entrou no território da bolha (ou especulativo) em outubro de 2020. Agora, o mercado estaria, segundo o Citi, saindo desta bolha. Os analistas do Citi reconhecem, no entanto, que os preços das ações não estão tão esticadas quanto durante o período da bolha da Internet.

Os múltiplos chegaram a 26,2 vezes os lucros em março de 2000. Na liquidação que se seguiu, eles despencaram. Em 2002, o S&P 500 foi negociado a uma baixa de 14,2 vezes o lucro do ano seguinte. Em 2008, quando os EUA estavam em forte recessão, esse número chegou a 8,8.

Embora poucas ações tenham sido poupadas na queda deste ano, as de tecnologia e outras ações caras de crescimento (‘growth’) sofreram a dor mais aguda. O índice Russell 1000 Growth caiu 24% este ano, enquanto sua contraparte, com ações de empresas de valor, caiu apenas 8,1%.

As empresas de referência no índice de ações de crescimento incluem a Apple, cujas ações caíram 17% este ano; Microsoft, queda de 22%; Amazon, queda de 32%; e Tesla, com queda de 27%.

O indice de ações de valor, por outro lado, é encabeçado por ações como Berkshire Hathaway, com alta de 3,8% em 2022; Johnson & Johnson, alta de 3,4%; UnitedHealth Group, queda de 3,3%; e Exxon Mobil, alta de 45%.

As ações da Tesla, por exemplo, entraram no ano negociadas a 120 vezes o lucro projetado da empresa. No final da semana passada, estavam cotadas a cerca de 54 vezes, segundo a FactSet. A Exxon Mobil, por outro lado, estava sendo negociada a 10,5 vezes os lucros futuros no final de 2021, um múltiplo que caiu para 9,4.

É normal que as ações de alguns setores sejam negociadas com avaliações muito diferentes das de outras linhas de negócios. Os investidores normalmente estão dispostos a pagar mais por empresas que projetam crescer rapidamente.

As ações de tecnologia geralmente recebem avaliações otimistas (e, portanto, têm preços mais altos), enquanto as empresas de petróleo e gás historicamente negociam com avaliações mais moderadas. As perspectivas para o setor de óleo e gás estão sujeitas à oferta e demanda dos preços da energia e tendem a experimentar ciclos de altos e baixos.

As ações dos EUA também parecem caras em relação às suas contrapartes no exterior. Apenas os benchmarks na Bélgica, Portugal e Arábia Saudita, bem como o Nasdaq, de alta tecnologia, têm avaliações mais altas com base em ganhos futuros do que o S&P 500, de acordo com dados disponíveis no FactSet.

Em comparação, o índice Hang Seng da bolsa de Hong Kong é negociado a 9,5 vezes seus ganhos projetados, o índice Nikkei 225 do Japão é negociado a 14,3 vezes os ganhos e o índice DAX da Alemanha é negociado a 11,4 vezes.

A equação do lucro

Os preços são apenas um componente das avaliações de ações. O outro componente diz respeito aos lucros corporativos. Quando os lucros aumentam e os preços permanecem estáveis, as avaliações se contraem. Se os lucros caírem, isso fará com que as ações pareçam ainda mais caras nos mesmos níveis de preço.

Até agora, os ganhos têm sido um raro ponto positivo em um mercado abalado por dados de inflação, mudanças na política monetária do Fed, que acelerou a alta de juros, a Guerra na Ucrânia e o aumento dos casos de Covid-19 na China.

Com a última temporada de balanços terminando nos EUA, os analistas esperam que os lucros das empresas do S&P 500 subam 9,1% no primeiro trimestre em relação ao ano anterior, contra suas previsões de crescimento de 5,9% em 31 de dezembro, segundo a FactSet. Para o ano, os lucros devem crescer 10%, uma melhora em relação ao crescimento de 7,4% que o mercado esperava no final do ano passado.

Os bons resultados das empresas advém, em parte, do resultado de margens de lucro excepcionalmente altas, o que sugere que muitas companhias conseguiram repassar custos mais altos aos clientes por meio de aumentos de preços. Analistas estimam que a margem de lucro líquido do S&P 500 chegará a 12,3% no primeiro trimestre, acima da média de cinco anos de 11,2%. No entanto, alguns investidores estão céticos de que as margens possam continuar subindo. No atual cenário nos EUA, parece improvável que as margens de lucro continuem altas. Ainda que não haja uma recessão, é  provável que os ganhos das empresas sejam reduzidos.

Há razões adicionais para preocupação. As empresas nos EUA têm reportado, nesta temporada de balanços, “demanda fraca” na taxa mais alta desde 2020, de acordo com a área de research do Bank  of America (Bofa).

E o aumento nas estimativas de lucro de 2022 para o S&P 500 é em grande parte atribuído ao aumento das expectativas para o setor de energia, segundo o BofA. Sem o setor, que responde por menos de 5% do S&P 500, as expectativas para os resultados do índice neste ano teriam sido menores em relação ao final do ano passado, segundo analistas do banco.

Se os lucros decepcionarem, isso tornaria as avaliações do mercado de ações ainda mais caras do que já parecem – na ausência de outro movimento mais baixo nos preços das ações.

Com informações do The Wall Street Journal.