A alta de juros está perto ou longe do fim? Analistas veem risco para inflação em 2023

No Brasil, economistas veem cenário de incerteza e alertam que pacote de combustíveis do governo vai pressionar preços no próximo ano

Quando o ciclo de aperto dos juros vai terminar? Essa pergunta ficou sem resposta para boa parte do mercado financeiro, diante do comunicado feito na noite desta quarta-feira pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, que elevou a Selic para 13,25% ao ano, na 11ª alta seguida.

Ao indicar que a taxa básica de juros poderá ser elevada novamente, ainda que numa dose mais branda do que a elevação promovida na reunião de junho, analistas e especialistas não conseguiram chegar a um consenso sobre até onde o presidente do BC, Roberto Campos Neto, e seus colegas de diretoria pretende levar a Taxa Selic.

Entre os analistas, o consenso é de que o cenário internacional é de alta volatilidade, com possibilidade real de que o preço do barril de petróleo continue a subir até 2023.

No cenário doméstico, medidas do governo Bolsonaro, como limitar alíquotas de ICMS sobre combustíveis, devem ter impacto limitado no combate a inflação neste ano e prejudicam ainda mais o cumprimento da meta de inflação em 2023.

Para o superintendente de Pesquisa Macroeconômica do Santander Brasil, Maurício Oreng, o comunicado não deixa claro qual é o plano do BC para a trajetória de juros, que pode ir além do aumento já previsto para a reunião de agosto.

“O comunicado do Copom não deixa muito clara a totalidade do plano de voo do Banco Central. A decisão do Fed (BC dos EUA) de aumentar a taxa de juros trouxe volatilidade para os mercados. A incerteza passa a ser grande para depois de agosto. O BC (brasileiro) admite a incerteza crescente em relação ao cenário econômico e aumentou de maneira relevante sua projeção para inflação, de 3,4% para 4% em 2022, ainda sem considerar as medidas tributárias do governo”, afirma Oreng.

O banco deve rever para cima sua projeção de 13,5% para a Selic neste ano e já considera viés de alta para a Selic para o ano que vem. Quanto à inflação, o Santander estima IPCA em 5,3% em 2022, mas Oreng afirma que o indicador pode chegar a 6% com as medidas tributárias do governo.

“Essas políticas (como limitar alíquota de ICMS sobre combustíveis) podem reduzir a inflação para 2022, mas a aumentam para 2023. Além disso, o processo de desinflação das commodities está demorado, começamos a considerar que o petróleo continue em alta neste ano e no próximo”, afirma.

Caminho certo

Para Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, o BC age corretamente ao sinalizar que deve seguir com a trajetória da alta de juros para além de 13,25%.

“Dadas as incertezas do cenário externo e interno, com os juros nos Estados Unidos e a nossa taxa de câmbio subindo, é possível que o Banco Central caminhe para um patamar de juros que chegue em 14% no fim do ano — afirma Vale. A projeção atual da MB é de 13,75%.”

Vale critica ainda a política fiscal do governo Jair Bolsonaro que, segundo ele, é irresponsável e tem pressionado o BC a elevar ainda mais a taxa básica de juros.

O projeto de lei que limita alíquotas de ICMS em combustíveis, elaborado pelo governo e que foi aprovado pelo Congresso nesta quarta, segundo ele, cria ainda mais problemas fiscais para 2023.

“O governo vai mitigar o preço dos combustíveis momentaneamente com a redução de tributos, mas à custa de ter um imposto maior no futuro, uma piora na situação fiscal dos estados e um câmbio pior agora. O governo está piorando a situação”, afirma o economista.

Analista da consultoria Tendências, Silvio Campos Neto ainda considera que o BC pode encerrar o ciclo de alta da Selic na próxima reunião do Copom, em agosto, mas ressalta que o cenário é de elevada incerteza.

“O comunicado afirma que a alta na próxima reunião deverá ser igual ou inferior à desta quarta-feira, o que demonstra um ritmo mais lento de alta e sinaliza que está próximo do encerramento (de alta da Selic). Não dá para descartar a necessidade de ir um pouco além porque há um cenário pessimista no radar, a inflação global segue alta e os choques de oferta muito presentes, especialmente o do preço do petróleo”, diz.

Para a Tendências, as iniciativas do governo e do Congresso de limitar o ICMS dos combustíveis “são preocupantes e podem afetar o câmbio, além de contribuir com a deterioração de expectativas para a inflação do ano que vem”. A projeção atual da consultoria é de uma inflação de 4,5% para 2023.

Para o economista da Guide Investimentos Victor Beyruti, o teor do comunicado emitido pelo Copom teve um elemento de surpresa.

“Nossa visão era de que o BC poderia deixar a porta aberta para encerrar o ciclo de alta, a depender da evolução do cenário. Ele acabou não fazendo isso, já contratou um aumento, de menor ou igual magnitude – disse Beyruti, que projeta um aperto monetário na próxima reunião do Copom exatamente como o praticado nesta quarta-feira”, diz Victor.

Ele acredita que a partir da próxima sessão o mercado de juros futuros já irá se ajustar de acordo com essa projeção para a taxa básica. E o mercado de câmbio também deve repercutir essa inesperada extensão da trajetória de elevação da Selic, atraindo capital especulativo para o país e contribuindo para a redução da cotação da moeda americana em reais.

Remédio tóxico

Na visão dos representantes do setor produtivo a inflação brasileira atual é resultado de fatores externos, em especial o choque de oferta de matérias-primas e insumos. Por isso, não caberia ao BC usar o remédio do aumento de juros para tentar controlar o avanço dos preços.

O Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) afirmou em nota que o Copom “está prescrevendo um remédio tóxico para a economia e ineficaz contra inflação provocada por baixa oferta”.

O presidente da entidade empresarial, Rafael Cervone, chama a Taxa Selic atual de exagerada e diz em nota que ela “representa uma estratégia monetária irresponsável perante a população brasileira, cuja prioridade é a criação de empregos, o aumento dos investimentos e a retomada do crescimento econômico”.

A Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) também criticou, em nota, a decisão tomada pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto, e seus colegas de diretoria, que decidiram por unanimidade pelo novo aumento da Selic.

“É urgente que se busque por outras medidas que possam levar à queda persistente da inflação e à retomada sustentável do crescimento. É preciso manter a responsabilidade fiscal e preservar o atendimento básico das necessidades da população. A federação reafirma que, diante de um cenário de elevada incerteza, é imprescindível uma política monetária mais moderada e que atenda aos desafios de crescimento econômico do país”, escreveram os representantes da indústria fluminense.

Por Ivan Martínez-Vargas, de O Globlo, São Paulo, com colaboração de Marcelo Mota.