Como desenvolver a arte de pensar bem

Psicólogo Barry Schwartz sugere que é questão de coração e mente

O que significa “aprender a pensar”? Seria uma questão de aprender certas habilidades intelectuais, como a leitura fluente, a lógica ou a expressar-se claramente? Exigiria familiaridade com alguns textos transcendentais ou fatos históricos? Talvez consista em corrigir certos preconceitos que obscurecem nosso discernimento?

Recentemente li um ensaio instigante do psicólogo Barry Schwartz, mais conhecido pelo livro “O paradoxo da escolha”. Escrevendo há alguns anos no jornal “The Chronicle of Higher Education”, Schwartz argumentou que um dos objetivos do ensino universitário, em especial o ensino de artes liberais, é ensinar os alunos a pensar. O problema é que, disse Schwartz, “ninguém sabe realmente o que isso significa”.

Schwartz propõe suas próprias ideias. Ele mostra mais interesse em virtudes intelectuais do que em habilidades cognitivas. “Todos os traços que discutirei têm uma dimensão moral fundamental”, diz, antes de argumentar a respeito de nove virtudes: amor à verdade; honestidade quanto às próprias deficiências; imparcialidade; humildade e vontade de procurar ajuda; perseverança; coragem; ouvir com atenção; empatia e olhar por meio de outros pontos de vista; e, por fim, sabedoria – a palavra que Schwartz usa para descrever quando não se peca pelo excesso em nenhuma dessas outras virtudes.

Basta passar os olhos na lista para entender o que Schwartz quer dizer. Imagine uma pessoa que é altamente versada e brilhantemente racional, mas que deixa a desejar nessas outras virtudes, por ser indiferente à verdade, negar os próprios erros, preconceituosa, arrogante, facilmente desencorajada, covarde, desdenhosa, narcisista e propensa a todo tipo de excesso. Poderia essa pessoa realmente ser descrita como alguém que sabe pensar? Sem dúvida, não seria o tipo de pessoa que você gostaria de colocar no comando de seja o que for.

“Minha lista foi feita para dar início à conversa, não para terminá-la”, contou-me Schwartz. Então, enviei a lista dele a algumas pessoas que admiro, tanto no mundo acadêmico quanto em suas adjacências, para ver o que achavam dela. A reação foi bem parecida à minha: quase todos gostaram da ideia de virtudes intelectuais e quase todos tinham suas próprias ideias sobre o que estava faltando.

O estatístico de Cambridge David Spiegelhalter levantou a ideia de variedade intelectual, já que trabalhar em projetos variados costuma ser uma fonte de revelações. Hetan Shah, presidente da Academia Britânica, sugeriu que tal variedade e, em particular, a capacidade de ver a conexão entre as diferentes partes de um sistema, é a virtude intelectual mais importante. Também advogou o senso de humor: se não pudermos brincar com ideias, mesmo com ideias perigosas, estamos deixando passar alguma coisa.

Frances Cairncross presidiu várias instituições acadêmicas notáveis. Ela sugeriu que, se alguém aceitasse a premissa de que as virtudes intelectuais também eram virtudes morais, uma maior seria a “humanidade […] uma simpatia pela condição humana e um reconhecimento da fraqueza humana”.

Ela também sugeriu a virtude de “fazer o que precisa ser feito”, destacando a linha do “Livro de oração comum” [da Igreja Anglicana] “deixamos sem fazer aquelas coisas que deveríamos ter feito”. É bem verdade. Qual seria o valor de ter todas essas virtudes intelectuais se não as exercitássemos e, em vez disso, passássemos nossos dias comendo pipoca e assistindo TV?

Tom Chatfield, autor de “How to Think” (Como pensar, em inglês), mencionou a persuasão. Qual é o sentido de pensar com clareza se você não pode ajudar ninguém a fazer o mesmo? Isso é coerente, embora a persuasão talvez seja a virtude intelectual que mais nos tenta a cair nos vícios da arrogância, do partidarismo e do tratamento imparcial dos fatos.

Quase todos levantaram uma omissão que ficou bem presente em minha mente: a curiosidade. A curiosidade não estava na lista de Schwartz, a não ser, talvez, por implicação. A curiosidade, porém, é uma das virtudes intelectuais centrais.

A curiosidade implica certa humildade, pois é um reconhecimento de que há algo ainda não compreendido. A curiosidade implica uma mente aberta e uma busca pelo autocrescimento. Protege contra o partidarismo. Se formos curiosos, muitos outros problemas intelectuais resolvem-se sozinhos. Como disse Orson Welles sobre o público que frequenta o cinema: “Uma vez que estão interessados, eles entendem qualquer coisa no mundo”.

Um de meus correspondentes, contudo, teve uma resposta bem diferente à ênfase de Schwartz nas virtudes intelectuais explicitamente morais – e, de forma reveladora, foi a correspondente que está envolvida mais ativamente no ensino. Marion Turner, professora de literatura inglesa na Universidade de Oxford, colocou de forma franca: “Não estou treinada para ensinar os alunos a serem boas pessoas, e esse não é o meu trabalho”.

É uma afirmação válida. É muito agradável fazer uma lista de virtudes intelectuais, mas por que devemos acreditar que os acadêmicos podem ensinar aos alunos coragem, humildade ou qualquer outra virtude? No entanto, se não os acadêmicos, então quem? Pais? Professores do primário? Colunistas de jornais? Talvez devêssemos apenas esperar que as pessoas adquiram essas virtudes por si sós? Realmente, não sei ao certo.

Barry Schwartz farejou algo importante, isso está claro. Fatos, lógica, ferramentas quantitativas e clareza analítica são, todos, muito bons, porém, a arte de pensar bem requer que a pessoa tenha habilidades, mas também virtudes. E, se não sabemos quem deve ensinar essas virtudes, ou como se deve ensiná-las, isso explica muito sobre o mundo em que vivemos hoje.

Por Tim Harford — Do Financial Times. Tradução de Sabino Ahumada.