ANÁLISE: Medidas sobre combustíveis não explodem situação fiscal, mas pioram percepção sobre o país

Forma apressada e eleitoreira como as propostas vêm sendo trabalhadas reduzem benefícios das iniciativas, diz Fabio Graner, do JOTA

As discussões sobre novas medidas para lidar com a crise de preço dos combustíveis provocam natural inquietação sobre os rumos fiscais. Por ora, contudo, a leitura no governo é que, considerando o que já saiu até o momento (tanto o que foi aprovado como o que está na mesa de negociações), ainda não há risco de mudanças radicais na trajetória fiscal prevista.

Os valores em discussão, dado o desempenho surpreendente da arrecadação neste ano, ainda estão dentro de um nível que mantém a dívida pública controlável. É preciso, porém, cuidado para não deixar a discussão avançar demais em termos de gastos novos, alertam fontes. Daí a queda de braço imposta pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, que não quer que o pacote de medidas se distancie demais dos R$ 50 bilhões acordados com a PEC 16, embora na própria pasta se reconheça o risco de, a contragosto, a conta subir.

Considerando esse montante e o impacto do PLP 18 para os estados, a relação dívida/PIB ainda seguiria abaixo da marca psicológica de 80% do PIB, comentam fontes do governo. Neste e nos próximos anos. E mantendo-se mais ou menos estabilizada em torno dos 79% do PIB ao longo da década. É ainda alta para um país emergente, mas plenamente administrável.

Um ponto a se mencionar, contudo, é que, a rigor, sem essas ações, que têm objetivo principalmente eleitoral, perde-se a oportunidade de uma redução mais acentuada no nível de endividamento. E, pior, dada a maneira atabalhoada como vêm transcorrendo as discussões desde o início do ano, sempre com risco de uma conta mais salgada ser espetada na Viúva, as inquietações fiscais têm levado a uma piora na chamada “curva de juros”. Em outras palavras, graças a Arthur Lira e sua trupe do centrão e a gestão errática do governo, a percepção de risco e o custo da dívida estão piorando.

É verdade que a estrutura de juros sobe também devido à alta da taxa Selic para combater a inflação e pelo aperto monetário em curso em todo o mundo. Mas a maneira improvisada como as coisas têm sido tratadas no Brasil acabam reforçando a insegurança jurídica e levando a um prêmio de risco extra que, ainda que difícil de se mensurar, encarece mais a fatura para os brasileiros. Prova mais recente do improviso eleitoreiro que domina os debates é que na noite desta quarta-feira (22), a PEC que permitiria zerar o ICMS agora pode mudar completamente e os R$ 29 bilhões previstos para esse fim agora seriam usados para turbinar o Auxílio Brasil, conforme relato da analista de Congresso do JOTA, Bárbara Baião.

A cada nova ideia brilhante, venha de onde vier, impõe-se a tradicional queda de braço entre política e economia. E nesse ambiente os juros de mercado sobem cada vez um pouquinho para além do que já se moveriam na atual conjuntura externa. Outro drama é que, com essa “profusão de desatinos fiscais”, para usar as palavras de uma fonte da área econômica, as taxas de mercado não têm baixado após a tomada de decisões pelo governo. O mercado tem precificado que sempre deve vir algo mais à frente.

O diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Daniel Couri, reconhece que, com os dados hoje disponíveis sobre as medidas que estão sendo tomadas, o cenário não é de desastre fiscal iminente. Ainda assim, avalia, é inevitável alguma piora na trajetória da dívida, movimento que tem sido mitigado pelo comportamento das receitas. Nesse sentido, ele também admite que parte dessa alta na arrecadação é estrutural, deixando a situação fiscal relativamente controlada.

Evitando fazer juízo de valor, Couri pondera que algumas das iniciativas que vêm sendo tomadas, como o PLP 18, que está para ser sancionado, podem gerar instabilidade fiscal mais séria em alguns estados. “Não é um cenário de crise fiscal generalizada, mas pode haver crises localizadas em nível estadual sim”, afirmou. Ele aponta que o PLP 18 enseja dúvidas sérias que só deverão ser sanadas no âmbito do Judiciário, entre elas a questão de se o Congresso pode interferir na definição de bens essenciais e impor custos fiscais aos estados.

O economista comenta ainda que o cenário da dívida bruta também pode não piorar tanto com essas medidas porque os próprios estados podem acabar reagindo mais à frente para recuperar, em outros produtos, a receita perdida. “Isso pode induzir reformas tributárias em âmbito estadual. Os estados não vão ficar parados”, disse.

Couri também levanta dúvidas sobre a eficácia das ações em termos de política econômica. “Os efeitos são incertos. Ainda que provavelmente os preços sejam impactados, as políticas podem ser muito caras para o benefício que trazem”, alertou.

Especialista em contas públicas, o professor do IDP José Roberto Afonso chama atenção também para outras questões, como o desenho malfeito de políticas envolvendo o ICMS.

“À parte os equívocos legislativos, jurídicos e federativos, o que mais vejo nas decisões recentes é uma profunda ignorância do que seja um imposto sobre valor adicionado. Aliás, desconhecimento de imposto em geral. Entre outras coisas a se considerar, é bom atentar que, quando se reduz a alíquota ou até se isenta o ICMS sobre um insumo que está no início ou no meio da cadeia de produção ou comercialização, o seu efeito é apenas transferir o recolhimento dessa para a etapa seguinte”, comentou.

“Quando se vende combustível ou energia, para fins comerciais ou industriais, que é o caso da grande maioria da arrecadação tributária desses produtos, se você for cobrar menos da Petrobras ou da concessionária de energia, você cobrará mais da fábrica ou da loja que está à frente vendendo bens que usaram diesel ou energia elétrica. A carga tributária no final, por princípio, não mudará – neste caso, de insumos”, disse.

Segundo ele, para o consumidor final há de fato benefício. “A pergunta é quem são esses beneficiados? No caso de energia, muito dos pobres já tinham tarifas e alíquotas mais baixas. No caso do diesel, pobre nem carro tem, quanto mais com esse combustível que é de SUV ou de carros de ricos. É bem provável que, na pequena parcela da mudança tributária que chegar à população, beneficiará proporcionalmente aos mais ricos do que aos mais pobres”, afirmou. “Eles também perderão indiretamente com menos gastos públicos com ensino e saúde, se vier a cair a receita do ICMS estadual e municipal”, completou.

Embora aparentemente não haja um desastre fiscal iminente, a forma apressada e eleitoreira como as coisas vêm sendo trabalhadas certamente reduzem os benefícios das iniciativas em discussão. E turvam a situação geral da economia, ao fomentarem o clima de insegurança jurídica e a percepção de que seguimos um país permanentemente sob a égide do improviso.

Dito de outra forma, se o Congresso e o governo não enlouquecerem e jogarem o pacote para a casa da centena de bilhões, não quebraremos por conta do que está acontecendo. Mas é triste ver que, mais uma vez, a mediocridade e o improviso têm sido os grandes conselheiros das decisões de nossos líderes.

(Por Fabio Graner, analista de economia do JOTA em Brasília)