Após fortes quedas, CRIs e CRAs voltam ao radar de gestores

O tombo da Americanas assustou e os juros altos levaram a saques de R$ 120 bilhões dos fundos de crédito privado no ano até abril, ao mesmo tempo em que investidores correram para as LCIs e LCAs (letras de crédito imobiliário e do agronegócio). Emitidos por bancos, os papéis se tornaram uma espécie de oásis, já que são isentos de Imposto de Renda e cobertos pelo Fundo Garantidor de Crédito (FGC). Agora, porém, analistas esperam queda no ritmo visto no primeiro trimestre. E, passado o pior do susto inicial, outros papéis privados começam a voltar ao radar dos gestores, caso dos certificados de recebíveis imobiliários (CRI) e do agronegócio (CRA), além das debêntures incentivadas.
Para fazer frente à onda de saques, os fundos irrigaram o mercado secundário, o que causou aumento dos spreads e distorções que, segundo gestores, estão próximas de ser corrigidas: papéis considerados de alta qualidade, com nível de crédito triplo ou duplo A, estão pagando prêmios de risco descolados de sua curva histórica. “Esse movimento de retirada dos fundos em sua magnitude já passou. Ainda há saques, mas em menor importância, o que faz as oportunidades começarem a aparecer. A maré baixou, com uma perspectiva extremamente positiva para o investidor”, diz Wilson Barcellos, CEO da Azimut Brasil Wealth Management.
Segundo ele, a assimetria começa a ficar evidente em empresas com excelentes fundamentos. O spread de crédito de papéis indexados à inflação, os que mais sofreram, subiu de 0,3 ponto percentual para 0,50 (triplo A) e 0,80 (duplo A) ao ano. “É uma ótima oportunidade agora, porque houve esse movimento de estresse e quem entrar vai se beneficiar da recuperação, porque não houve perda real, foi só a marcação a mercado”, diz Ricardo Barbieri de Andrade, diretor da Ágora Investimentos.
A marcação a mercado é um ajuste que mostra quanto o ativo valeria se fosse vendido naquele dia, levando em conta, por exemplo, o cenário econômico e a demanda dos investidores. Diante da “inundação” de papéis no mercado secundário, os preços caíram. Os títulos, portanto, estão baratos, mas Barbieri frisa que é preciso carregá-los até o vencimento para obter ganhos.
Ulisses Nehmi, CEO da Sparta, lembra da isenção de IR que esses papéis também oferecem. “Considerando 15% de imposto de outros investimentos, o ganho a mais corresponde a 2,5% ao ano do retorno”, afirma. Entre esses títulos privados, o executivo destaca as debêntures incentivadas, que estão com spread de crédito acima de 2 pontos ao ano. São papéis ligados a grandes empresas de infraestrutura, de atividades reguladas, que têm risco mais baixo.
Para aproveitar o momento, a Sparta, que tem R$ 8 bilhões sob gestão, reabriu por 30 dias seu fundo de debêntures incentivadas, após um ano fechado. A captação encerrou ontem e chegou a R$ 8,4 milhões. “O fundo está em um bom ponto de entrada após os prêmios de crédito terem atingido um nível próximo ao que vimos na pandemia”, diz Nehmi. O fundo rendeu CDI mais 4,6% de abril de 2020 a abril de 2021, em que a gestora afirma ter observado um forte fechamento de spreads.
“Acreditamos estarmos em uma janela semelhante, já que começamos a ver o ponto de inflexão das debêntures incentivadas”, disse a gestora em relatório a clientes. O documento cita como exemplos Dasa, Hapvida e Natura como papéis “high grade” em excessiva desvalorização, sendo esta última em algo próximo a CDI mais 3% em abril.
Decreto publicado no fim de abril permitirá o uso do instrumento também para alavancar recursos a setores como saneamento básico, irrigação, educação, saúde, segurança pública e sistema prisional, parques urbanos e unidades de conservação, equipamentos culturais e esportivos e habitação social e requalificação urbana a partir de 2024. Até agora, a emissão de debêntures incentivadas é possível somente para áreas como logística e transporte, mobilidade urbana, energia, telecomunicações e radiodifusão.
Em abril, o Santander foi outro a jogar luz sobre o crédito privado, lançando uma recomendação mensal de carteira de títulos (CRIs, CRAs e debêntures). Na de maio, foram selecionadas debêntures de Eneva, Prio, Jalles Machado, Rumo Logística e ISA CTEEP. Todas são indexadas à inflação, pagam cupons semestrais ou anuais, mantendo um fluxo de entrada para o investidor, e são duplo ou triplo A.
Samuel Ferrarezi, estrategista de investimentos do banco, lembra que o DI precisa estar em todas as carteiras, em maior ou menor fatia, conforme o perfil do investidor, mas, nesse momento, a indicação são os títulos ligados ao IPCA. “Quem está na marcação a mercado negativa são os papéis de inflação. Quanto maior o prazo, mais negativos ficaram. O triplo A pagava 0,3 ponto percentual acima do título público, subiu para de 0,40 a 0,50. E o duplo A, entre 0,70 e 0,80 ao ano”, diz.
O analista diz que todos os papéis sofreram, mas, de maneira geral, têm uma perspectiva muito promissora. “Nossa recomendação é carregar até o vencimento e apenas papéis do mercado secundário, até porque o ideal é ter todo mês algum deles pagando cupom para o investidor perceber fluxo de caixa. Já os que estiverem sendo emitidos agora exigem um olhar mais no detalhe, do projeto, da destinação do dinheiro, o que antes era menos comum dar atenção.”
O volume de novas emissões ainda está bem abaixo do ano passado. Neste ano até abril, as debêntures somam R$ 43,015 bilhões (queda de 41% frente ao mesmo período de 2022); CRIs, R$ 7,3 bilhões (recuo de 20,5%); e CRAs, R$ 5,8 bilhões (37% menor). As LCIs e LCAs, por sua vez, seguem crescendo mas já apontam ritmo menor: as emissões de letras do agronegócio somaram R$ 87,4 bilhões entre janeiro e abril de 2022, crescimento de 123% frente a 2021. No mesmo período deste ano, somam R$ 138,7 bilhões, um avanço de 59% sobre 2022, segundo dados da Central de Custódia e Liquidação Financeira de Títulos (Cetip). Já as imobiliárias somaram R$ 58,2 bilhões no primeiro quadrimestre de 2022, expansão de 120% frente ao mesmo período de 2021. Neste ano, chegam a R$ 83,7 bilhões, aumento de 44% em relação a 2022.
Rafael Zlot, gestor de fundos de renda fixa e crédito privado na Plural Gestão, reforça que é preciso ser seletivo para encontrar boas oportunidades: “Desde janeiro o investidor está mais cuidadoso, o evento Americanas acendeu a luz amarela. A empresa não pode estar alavancada, é preciso dosar risco”. Bruno Stuani, chefe da Plural Gestão, lembra que a negociação de fundos de crédito privado e dos papéis via plataformas digitais (BTG e XP, por exemplo) vem melhorando a liquidez desses títulos, que, segundo ele, chegam a ter vencimento em 15 anos. Nos fundos de crédito privado, frisa, o problema também é amenizado, já que há um fluxo maior de janelas para resgate.
“Nos fundos há a vantagem da pulverização do risco. A carteira só vai ser prejudicada numa situação de risco sistêmico”, reforça Barcellos, da Azimut. “E, em momentos de instabilidade, a liquidez é um ativo essencial.
Por Liane Thedim, do Valor Econômico
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