Javier Milei toma posse hoje na Argentina cercado de dúvidas sobre alianças e o verdadeiro projeto de governo

Embora sua vitória tenha sido avassaladora nas urnas, base de apoio do novo presidente da argentina é minúscula é suscita dúvida sobre governabilidade

O presidente da Argentina, Javier Milei. Foto: Natacha Pisarenko/Associated Press/Estadão Conteúdo
O presidente da Argentina, Javier Milei. Foto: Natacha Pisarenko/Associated Press/Estadão Conteúdo

Neste domingo (10), Javier Milei tomará posse como presidente da Argentina. O autodenominado economista liberal libertário de 53 anos ficou nacionalmente conhecido como um provocador de extrema-direita que gritava e insultava na televisão. Mas, ao passo em que a campanha avançava, foi se transformando, até se tornar num político com aspecto de professor que negou muito do que tinha dito antes.

Depois de vencer as eleições, deu novos saltos pragmáticos. Recuou em questões mais extremistas, como a de cortar relações com o Brasil de Luiz Inácio Lula da Silva, e montar um gabinete com políticos de diferentes matizes políticas, contando inclusive com peronistas.

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Javier Milei e a governabilidade

Embora sua vitória tenha sido avassaladora nas urnas, com 11 pontos de diferença de Sergio Massa em 19 de novembro, sua base de apoio é minúscula. No Congresso, seu partido, A Liberdade Avança, tem apenas 38 cadeiras, exigindo que o libertário construa alianças não só com partidos de direita, como o Proposta Republicana (PRO) de Maurício Macri e o União Cívica Radical (UCR), mas também com peronistas, especialmente os anti-kirchneristas do cordobês Juan Schiaretti.

“Os primeiros sinais que Milei deu foi de que nem todos do A Liberdade Avança (LLA) saíram ganhando com as mudanças e a composição de gabinetes, e que nem todo o peronismo e o PRO saíram perdendo nessa composição”, analisa o cientista político pela Universidade de Buenos Aires (UBA), Facundo Galván.

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Em seu gabinete, a ser juramentado neste domingo, 10, logo após o recebimento do mandato pelas mãos de Alberto Fernández, Javier Milei teve de abrir mão de nomes de peso do seu partido, como Ramiro Marra e Carolina Píparo, para colocar o PRO e seus aliados, como Patricia Bullrich no Ministério da Segurança e Luis Caputo no Ministério da Economia. Justamente em nome da governabilidade, o libertário teve de abrir mão de suas pautas mais caras, como a dolarização, mas o futuro ainda é incerto e pode levar semanas para ficar mais claro que tipo de governo Milei costurará.

Até o momento, os nomes confirmados por Javier Milei por meio sua comunicação oficial na rede social X (antigo Twitter) são: Luis “Toto” Caputo na Economia, Nicolás Posse como chefe de Gabinete, Patricia Bullrich na Segurança, Luis Petri (vice de Patricia) na Defesa, Guillermo Francos no Interior, Guillermo Ferraro na Infraestrutura, Diana Mondino nas Relações Exteriores, Mariano Cúneo Libarona na Justiça, Sandra Petovello no Capital Humano (que concentrará Educação, Trabalho e Desenvolvimento Social) e Mario Russo na pasta da Saúde (ministério que Milei havia prometido erradicar).

Também houve definições para as presidências da Câmara e do Senado, bem como órgãos de extrema relevância, como Anses, YPF e Banco Central, cargos que foram distribuídos entre libertários, macristas e peronistas. Porém, mesmo nessas definições, não ficaram claros ganhadores e costuras de alianças, alertam analistas.

Duas grandes incógnitas

Para o economista da UBA Fabio Rodriguez, as duas grandes incógnitas de Milei até agora são: seu plano econômico e seus acordos de governabilidade.

“O seu músculo político é escasso, porque tem cerca de 10% do Senado e menos de 15% da Câmara dos Deputados, e as alianças de como os partidos vão apoiá-lo ainda não estão nada claras, como vão apoiar as leis que propõe, porque há uma grande fragmentação no Congresso e não se sabe a capacidade política que seus representantes terão para tecer acordos de governabilidade. Então, hoje isso é um grande ponto de interrogação”, afirma.

A diretora do FMI Julie Kozack deixou claro, três dias antes da posse, que Milei precisa ter apoio político se quiser continuar negociando sua dívida.

“É necessário um plano de estabilização forte, crível e politicamente apoiado para encarar de forma duradoura os desequilíbrios macroeconômicos e os desafios estruturais da Argentina, protegendo ao mesmo tempo os mais vulneráveis”, disse, observando que para tal é necessário um “Banco Central forte e crível”, indo na contramão da antiga proposta de Milei de “explodir” o banco.

Javier Milei e seu movimento libertário são uma novidade em um país historicamente marcado pela polarização peronismo versus anti-peronismo. Ambos os movimentos possuem força política enraizada, não só no Legislativo como nos poderes estaduais e federais. Muito diferente de Milei, que conquistou uma vitória praticamente sozinho. É nessa solidão que residem os maiores temores de que novidades o novo presidente trará. O medo, segundo analistas, é que seu governo seja tão frágil que não sobreviva por quatro anos.

“O LLA tem um cardápio amplo para garantir governabilidade, mas ainda não optou por nenhum”, observa Facundo Cruz, analista político e de dados de opinião pública pelo observatório Pulsar da UBA “Me dá a sensação de que o partido está esperando para ver como começa o seu governo e o quanto ele vai precisar dessa governabilidade, e isso geralmente é um erro na política, porque uma vez que você precisa de governabilidade, não a constrói rapidamente e tem de construí-la quando ela for de fato necessária, ela sai muito mais cara.”

“Me parece que o governo está contando com os 55% dos votos que teve no segundo turno como a sua legitimidade política, ou seja, de converter essa legitimidade eleitoral em legitimidade política e transformar em capital para começar a tomar decisões”, completa.

O problema de fazer esse cálculo é quando tem de ceder nas promessas eleitorais para governar. É o que Javier Milei tem tido de fazer, ao reduzir sua retórica agressiva, inclusive contra o Brasil e Lula, e voltando atrás em seus planos econômicos mais radicais. Nesse jogo, a legitimidade eleitoral começa a entrar em risco.

Com informações do Estadão Conteúdo.

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