‘Governo eleito está vivendo momento Liz Truss’, diz Carlos Kawall
Sócio-fundador da Oriz Partners criticou sinalização sobre expansão fiscal em PEC da transição
Da forma como está sendo apresentada até aqui, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição sugere “que o governo eleito está vivendo o seu momento Liz Truss”. A avaliação é do sócio-fundador da Oriz Partners, Carlos Kawall. Truss foi a primeira ministra-britânica que, neste segundo semestre, ficou menos de 45 dias no cargo, depois de propor um plano econômico que gerava grande desequilíbrio nas contas públicas.
“Me parece que o governo eleito está vivendo o seu momento Liz Truss”, diz Kawall.
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Ele destaca, por exemplo, que “do ponto de vista cíclico não faz o menor sentido iniciar o governo com esse tipo de expansão fiscal”. Isso porque o Banco Central (BC) vem atuando na direção contrária da política fiscal, com uma política monetária contracionista, justamente como forma de levar a inflação para a meta em uma economia que neste ano deve crescer 3%.
Kawall reconhece, por exemplo, a importância de manter os recursos do Auxílio Brasil e de promover “um pequeno aumento” do salário mínimo. “Mas o pacote de gastos vai muito além disso”, afirma.
Outro ponto destacado por ele é que a proposta “não fala mais de um ‘waiver’”, ou seja, de um aumento temporário de despesas que ficariam fora do teto de gastos. “O que se fala é de excluir de maneira mais permanente as despesas do teto.”
Isso, segundo Kawall, significa “erodir completamente o arcabouço fiscal”, incluindo tanto o teto de gastos quanto a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). A LRF estabelece que qualquer elevação permanente de despesas precisa ser compensada por meio do corte de outros gastos ou da elevação de impostos.
Ele também chama atenção para o fato de que, se a PEC for aprovada, isso “limitaria o raio de opções” para formar a equipe econômica do governo eleito, incluindo os quadros técnicos. “Muita gente não vai aceitar”, afirma.
Assim, Kawall defende que haja “algum recuo na proposta ou que o Congresso não aprove esse pacote”.
‘Discurso desmoraliza a transição’
O discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva indicando que os gastos serão do tamanho que ele considerar adequado “desmoraliza a transição” e vai na direção contrária do que se esperaria de uma ampla coalizão política, como foi desenhado na campanha. “É um discurso de PT pelo PT, que ignora os apoios recebidos”, disse ao Valor a economista Elena Landau, que elaborou o programa econômico da ex-candidata à Presidência Simone Tebet (MDB).
Tebet deu apoio importante à campanha de Lula no segundo turno eleitoral e hoje integra a equipe de transição. É cotada para compor o Ministério.
Para Landau, o que preocupa não são itens da fala de Lula, mas o conjunto. “É um discurso muito pior do que o de 2002”, avaliou. As falas do presidente eleito parecem se contrapor às expectativas de que ele faria um governo pragmático e uma gestão econômica parecida com a de 2003.
Ela cita como exemplo um questionamento feito por Lula: por que temos meta de inflação e não temos meta de crescimento. “O que isso quer dizer?”, pergunta a economista.
“A responsabilidade fiscal é muito importante para ajudar a população mais pobre”, defendeu Landau. Assim, não cabem afirmações na linha “dane-se a Faria Lima” e “eu sei o que é bom e vou gastar quanto preciso”, exemplificou. “Se nunca tivessem feito isso, tudo bem”, comentou. “Mas já fizeram e deu errado, já alocaram o capital de forma errada.”
Esse cenário torna mais urgente a definição de quem será o ministro da Fazenda, avalia Landau.