Dinheiro em sacola de vinho, mudança nos relatos de Mauro Cid e decisão de Moraes: o caminho até a prisão de Braga Netto
Ex-ministro e vice de Bolsonaro na campanha presidencial de 2022, general é alvo de investigação sobre tentativa de golpe de Estado
A Polícia Federal prendeu neste sábado (14) o ex-ministro e general da reserva Walter Braga Netto. Ele é um dos alvos do inquérito que apura a tentativa de golpe de Estado no país após as eleições de 2022.
Conforme a PF, Braga Netto estaria atrapalhando as investigações, “na livre produção de prova durante a instrução do processo penal”.
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O militar foi preso no Rio de Janeiro. A polícia também realizou buscas na casa do general, em Copacabana.
Os mandados de prisão preventiva, busca e apreensão foram expedidos pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF).
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Os agentes da PF cumpriram ainda mandado de busca e apreensão na residência do coronel Peregrino, assessor de Braga Netto.
Braga Netto será entregue ao Comando Militar do Leste e ficará sob custódia do Exército.
Quem é Braga Netto?
O general foi candidato a vice-presidente em 2022 na chapa com Jair Bolsonaro. Antes, ocupou os cargos de ministros da Casa Civil e da Defesa na gestão de Bolsonaro.
Em 2018, comandou a intervenção federal na segurança do estado do Rio de Janeiro.
Em relatório enviado ao STF, no mês passado, a Polícia Federal apontou que Braga Netto teve participação concreta nos atos relacionados à tentativa de golpe de Estado e da abolição do Estado Democrático de Direito.
Inclusive na tentativa de obstrução da investigação.
Na ocasião, a PF indiciou o militar e mais 36 acusados, entre eles o ex-presidente Jair Bolsonaro.
‘Lula não sobe a rampa’
A Polícia Federal (PF) apurou ainda que uma das reuniões realizadas para tratar do plano golpista para impedir a posse e matar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o vice, Geraldo Alckmin, e o ministro Alexandre de Moraes foi realizada na casa do general Braga Netto, no dia 12 de novembro de 2022.
Nas investigações do inquérito do golpe, divulgadas em novembro, a polícia afirmou ter na mesa do coronel Peregrino, na sede do Partido Liberal (PL), um esboço de ações planejadas para a denominada “Operação 142”.
O nome dado ao documento faz alusão ao artigo 142 da Constituição Federal que trata das Forças Armadas e que, segundo a PF, era uma possibilidade aventada pelos investigados como meio de implementar uma ruptura institucional. Isso após a derrota eleitoral do então presidente Bolsonaro.
O documento encerra o texto com frase “Lula não sobe a rampa”.
Prisão no sábado
A operação da Polícia Federal que resultou na prisão preventiva do general Walter Braga Netto neste sábado estava prevista para ocorrer na quinta-feira (12). Porém, Braga Netto estava com a família em viagem de férias a Alagoas, com retorno previsto para o fim da tarde.
Então, a PF decidiu prender o general da reserva no sábado, quando ele já estava de volta à casa que mantém em Copacabana. Em geral, as operações da corporação ocorrem durante a semana, mas podem ser adiadas a depender das circunstâncias.
A operação foi pedida pela PF e autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal). Todos os alvos são suspeitos de obstrução de Justiça.
As suspeitas relacionadas à tentativa de interferir nas investigações vêm sendo acumuladas desde setembro de 2023, quando o tenente-coronel Mauro Cid teve homologado seu acordo de colaboração premiada no STF.
O próprio Cid relatou a Alexandre de Moraes, durante depoimento no Supremo, que Braga Netto usou auxiliares para ter acesso a detalhes de seus depoimentos.
O que diz o Exército?
O Exército tem colaborado com as ações da Polícia Federal deste sábado que levaram à prisão do general da reserva Walter Braga Netto, conforme divulgou o Centro de Comunicação Social do Exército.
Em posicionamento oficial, a corporação confirmou que o general da reserva, que foi candidato a vice de Jair Bolsonaro (PL) nas eleições de 2022, é mantido sob custódia do Exército, no Comando da 1ª Divisão de Exército, no Rio.
Menciona ainda que houve ações de busca e apreensão, em Brasília, na residência do coronel da reserva Flávio Botelho Peregrino, que foi assessor de Braga Neto e também é investigado.
“O Exército vem acompanhando as diligências realizadas por determinação da Justiça e colaborando com as investigações em curso. A Força não se manifesta sobre processos conduzidos por outros órgãos procedimento que tem pautado a relação de respeito do Exército Brasileiro com as demais instituições da República”, esclarece o Centro de Comunicação Social do Exército.
O caminho até a prisão de Braga Netto
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, determinou a prisão do general Braga Netto neste sábado por ter alocado recursos para a tentativa do golpe de estado e por tentar obstruir a investigação ao buscar obter informações da delação do ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, Mauro Cid.
O novo depoimento de Mauro Cid, no dia 21 de novembro, foi essencial para o pedido de prisão. Cid contou que o general foi quem obteve e entregou os recursos necessários para a organização e execução do plano para a tentativa de golpe, que incluía a morte e sequestro do então presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva.
De acordo com Cid, “o general repassou diretamente ao então Major Rafael de Oliveira dinheiro em uma sacola de vinho, que serviria para o financiamento das despesas necessárias a realização da operação”.
No dia 21 de novembro, após o novo depoimento, Moraes manteve a delação e afirmou a interlocutores que a conversa com Cid “foi muito boa”.
Decisão de Alexandre de Moraes
Braga Netto já estava na mira da investigação e havia dúvidas porque ele ainda não tinha sido preso mesmo com as informações da Polícia Federal de que a reunião que planejou o golpe ocorreu em seu apartamento, em Brasília.
Moraes também justificou a prisão de Braga Netto por tentar obstruir o trabalho da Justiça para atrapalhar as investigações.
A tentativa de conseguir informações da delação em contato com o pai de Cid, Mauro César Lourena Cid, como indicou a perícia realizada em celular apreendido. De acordo com o documento, isso ficou demonstrado com “intensa troca de mensagens” entre Mauro César e Braga Netto.
Para Moraes, “há diversos elementos de prova” que evidenciam que o general da reserva “atuou, dolosamente, para impedir a total elucidação dos fatos, notadamente por meio de atuação concreta para a obtenção de dados fornecidos pelo colaborador Mauro César Barbosa Cid”, em sua colaboração premiada. Para o magistrado, houve o interesse de “controlar as informações fornecidas, alterar a realidade dos fatos apurados, além de consolidar o alinhamento de versões entre os investigados”.
Relatos de Mauro Cid contra Braga Netto
Ao pedir a prisão de Braga Netto, a Polícia Federal destaca a “mudança substancial” nos relatos do ex-ajudante de Jair Bolsonaro, Mauro Cid, em relação à participação do general na trama golpista. O que indica que Braga Netto vinha interferindo nos depoimentos prestados por Cid.
Para os investigadores, a alteração se deu, sobretudo, sobre a indicação de que Braga Netto foi um personagem importante no financiamento do golpe.
A PF vinha alertando o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que Mauro Cid estaria omitindo informações cruciais, como a participação de militares da cúpula na tentativa de golpe. Ainda em novembro, a corporação pediu a anulação dos termos da delação do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Desde 2023,Cid tornou-se colaborador no processo sobre a tentativa de golpe de estado.
Após o pedido da PF, Moraes chamou Cid novamente para um depoimento no STF. No relatório pedindo a prisão de Braga Netto, a Polícia Federal traz um quadro comparativo do depoimento de Cid em 11 de março de 2024, na sede da PF, e o prestado no dia 21 de novembro de 2024, no Supremo.
Dinheiro em sacola de vinho
Apenas em novembro, Cid trouxe a informação de que Braga Netto repassou diretamente a o então major Rafael de Oliveira dinheiro em uma sacola de vinho, que serviria para o financiamento das despesas necessárias à realização da operação.
De acordo com a PF, a investigação confirmou que o aparelho celular usado pelo major Rafael de Oliveira, durante as ações que visavam o sequestro e morte de Moraes, foi comprado em Goiânia, em dinheiro em espécie. Já os chips foram comprados em uma farmácia, no Sudoeste, bairro de Brasília.
“Sob outro aspecto , a mudança substancial nos relatos do colaborador em relação a participação do general Braga Netto nos fatos investigados, notadamente a omissão quanto a atuação do indiciado como principal elo de financiamento do evento ‘Copa 2022’ indica que as ações de obstrução surtiram o efeito pretendido pela organização criminosa, na medida em que retardaram a identificação de fatos relevantes ao contexto investigativo”, informa o relatório policial.
Copa 2022 foi o nome usado pelos golpistas para a operação que impediria Luiz Inácio Lula da Silva de assumir a presidência no Brasil.
No dia 5 de dezembro de 2024, a Polícia chamou novamente Cid para um depoimento após a apresentação de novos fatos ao Supremo. O colaborador confirmou que Braga Netto tentou obter dados da colaboração por intermédio de seu pai, em contatos telefônicos, no período em que o acordo estava sendo firmado.
No dia 6 de dezembro, a PF ouviu o pai de Cid, o general Lourena Cid, que confirmou que Braga Netto entrou em contato com o filho no período em que o acordo estava sendo realizado. Porém, o general disse que não se recordava se a delação foi o assunto tratado.
Assim, para a polícia, “todos os elementos de prova identificados pela investigação demonstram a atuação efetiva do indiciado Braga Netto na coordenação das ações clandestinas que visavam prender/ executar o Ministro Alexandre de Moraes e nas ações contra os candidatos eleitos no pleito de 2022, Luiz Inácio Lula da Silva e Geraldo Alckmin”.
A PF acrescentou: “Ao mesmo tempo, o indiciado atuou durante todo o período investigativo para evitar que o colaborador o citasse em posição destacada no contextos dos fatos apurados”.
Aval da PGR
O procurador-geral da República (PGR), Paulo Gonet, concordou com a prisão do general Walter Braga Netto, no mesmo dia em que o ministro Alexandre de Moraes assinou a decisão, no último dia 10 de dezembro (terça-feira).
“O pedido da autoridade policial (PF) convence da imprescindibilidade da providência em prol do avanço das investigações (…)”, disse o procurador.
Gonet explicou no parecer que haveria “clara pertinência lógica”, e que haveria “necessidade”, “adequação” e “proporcionalidade da medida”.
Por isso, a prisão preventiva seria uma medida capaz de garantir a ordem pública, segundo Gonet, para evitar a “continuidade do esquema criminoso deflagrado” e também a “interferência nas investigações que seguem em curso.
Ainda de acordo com o PGR, a partir do que se colheu de provas, são necessárias mais diligências para um juízo adicional e mais abrangente sobre a autoria dos crimes.
O procurador-geral também identificou que existem provas o suficiente para as medidas de busca e apreensão nas casas dos investigados.
Isso porque há, na avaliação do PGR, fortes indícios dos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado democrático, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima, além de deterioração do patrimônio tombado.
Com informações do Valor Econômico e da Agência Brasil