Pedro Malan: o homem de gelo que venceu a marcha da insensatez ao participar do Plano Real

Confira a visão do ex-ministro sobre o plano econômico que mudou a história do país

Pedro Malan chegando à casa de Fernando Henrique Cardoso. Malan trabalhou para o governo de Fernando Collor de Mello como negociador responsável pela reestruturação da dívida externa brasileira. Foto: Álvaro Motta/Estadão Conteúdo - 20/11/1994
Pedro Malan chegando à casa de Fernando Henrique Cardoso. Malan trabalhou para o governo de Fernando Collor de Mello como negociador responsável pela reestruturação da dívida externa brasileira. Foto: Álvaro Motta/Estadão Conteúdo - 20/11/1994

Pedro Malan chega ao estúdio sozinho e na hora marcada, com ligeira antecedência até. Terno escuro, camisa clara. Sem gravata. O aperto de mão é seguro, mas gentil. Ele é sóbrio em todos os gestos e durante a entrevista seu tom de voz não se altera em nenhum momento. É também o modo como diz as coisas reflexo do homem maduro e seguro que é. Fala de forma contínua, clara, lembra datas com exatidão e rememora passagens da sua vida pública com uma narração sem emoções.

É o tipo de pessoa que você vai querer ter ao seu lado, e não contra, em qualquer negociação.

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É um home de gelo, talhado à perfeição para alguns dos cargos que ocupou. Por exemplo: foi o negociador da dívida externa brasileira. Foi presidente do Banco Central e ministro da Fazenda no tempo em que Fernando Henrique Cardoso ocupou o Palácio do Planalto.

Mas ele foi além.

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Um dos integrantes mais importantes da equipe original que criou o Plano Real, Malan venceu a batalha mais difícil da sua geração: controlar a inflação, que chamou logo na primeira resposta da entrevista para a Inteligência Financeira de “marcha da insensatez”.

Antes do Plano Real, a inflação descontrolada

Malan consegue indicar com precisão ao interlocutor o momento pelo qual o país passava e que antecedeu o Plano Real. Apesar da fala sem acentos.

Mas vai além.

Diz que o Brasil “foi o recordista mundial de inflação acumulada entre o início dos anos 60 e o início dos anos 90”. “Nós superamos vários outros países com experiência de hiperinflação nesse período. Então, foi uma marcha da insensatez”, completa.

E ao contrário dos tempos atuais, onde há especialistas em tudo, principalmente nas redes sociais, Malan tem também na ponta da língua os argumentos para corroborar sua tese.

Os dados são ditos um após o outro, sem qualquer sobressalto da memória.

“Nós não tivemos nenhum mês de inflação abaixo de 10% a partir de 1950, a média até 1980 foi 20%, 25% e passamos nessa marcha da insensatez de 25% para 40% em meados dos anos 70, para 100% em 1980, para 250% em 85, para 1000% em 88, 89 e para dois mil e quatrocentos e pouco em 1993 quando o Fernando Henrique chegou ao ministério da Fazenda”, conta.

A fala permanece inalterada.

A memória insensata

Mas, para Malan, a maioria da população não tem mesmo memória desse tempo difícil, em que a remarcação de preços nos supermercados ocorria todos os dias, às vezes mais de uma vez.

Era a época da maquininha de remarcar preços, semelhante a uma pistola e que cuspia não balas, mas etiquetas. Não era incomum, entre uma gôndola e outra, o consumidor encontrar um funcionário a todo vapor etiquetando os produtos com novos valores.

Comprava-se de tudo e o que se conseguia logo após se receber o salário do mês. Não era incomum, assim, que as famílias com condições lotassem um, dois carrinhos no supermercado. Eram compras do mês, não semanais como hoje. Em casa, os alimentos eram congelados em freezers, eletrodoméstico que hoje habita bares, restaurantes, padarias, mas não mais residências.

Quem estivesse à margem da sociedade, abaixo da linha da pobreza ou nela, simplesmente tentava sobreviver como fosse possível.

Para variar, um telefonema

Como já contaram à Inteligência Financeira em outras reportagens da série sobre os 30 anos do Plano Real, Pedro Malan recebeu um telefonema de Fernando Henrique Cardoso, então ministro da Fazenda, para participar do governo assim como Edmar Bacha e Gustavo Franco.

Aliás, é quase certo que foi da agenda de contatos de Malan que saíram alguns números para os quais FHC telefonaria naquela época. “Ele me pediu o telefone de algumas pessoas, tipo Edmar Bacha, Armínio Fraga, Francisco Lopes”. E pediu que Malan, que estava em Washington, nos Estados Unidos, fosse a Brasília.

Malan estava na capital norte-americana concluindo a renegociação no Fundo Monetário Internacional (FMI) da dívida externa brasileira. Era até certo ponto o desfecho lógico de uma carreira pública construída no exterior.

Malan se tornou servidor em 1966. Tinha 23 anos. Antes, a partir de 1968 e até 1973, havia cursado doutorado fora do país.

Passou dez anos por aqui para então ficar três anos na ONU e dali foi para a diretoria-executiva para o Brasil do Banco Mundial. Em 1991, o então ministro Marcílio Marques Moreira o convidou para ser o negociador da dívida.

E então, chegou a noite fatídica.

Um convite para quem não é supersticioso

Malan se tornou presidente do Banco Central no susto.

Ele estava em Brasília e havia almoçado com Fernando Henrique.

O então ministro da Fazenda havia lhe contado que Itamar Franco, o vice-presidente de Fernando Collor que assumiu o leme do país após o impeachment do caçador de marajás, havia demitido o então presidente do BC Paulo Cesar Ximenes.

Assim, FHC entendia que os mercados não poderiam abrir na segunda-feira sem que houvesse alguém na principal cadeira da autoridade monetária. O convidou, então, para um jantar e disse que nele estaria também André Lara Resende.

André era outro economista com ligações com a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

O presidente seria um dos dois.

“Mas essa foi uma noite fatídica. Se eu fosse supersticioso, eu estava perdido”, conta Malan logo antes de narrar a demissão de Ximenes.

Relembrando então os momentos que antecederam o jantar, Malan dá também a impressão de estar calmo e de não esperar pelo que viria.

“Eu fiquei tranquilo porque eu disse ‘é óbvio que vai ser o André, não tenho a menor dúvida. É o sujeito que tem uma vantagem clara comparativa'”.

Malan estava errado.

Ele assumiria então como presidente e André Lara cuidaria de finalizar a renegociação da dívida externa nos Estados Unidos.

“Aquilo permitiu que o André entrasse e se juntasse ao Edmar Bacha, ao Gustavo Franco, ao Murilo Portugal, ao Winston (Fritsch) e outros que já estavam lá. E o Pérsio (Arida) entrou logo em seguida (foi presidente do BNDES). E aí ficou claro pra mim que nós tínhamos formado um núcleo central que permitiria que fosse feita uma aposta de derrota da hiperinflação que estava rondando mais de dois mil por cento”.

Momentos marcantes do Plano Real

Malan segue em sua fala contida, de palavras ponderadas antes de levá-las à boca.

Conta que um dos momentos marcantes, para ele, é a constituição do núcleo duro que formularia o Plano Real. Lembra do PAI, o Plano de Ação Imediata que antecedeu o novo padrão monetário, da URV, da exposição dos motivos para a implementação do plano, documento enviado para Itamar Franco.

Esse documento tinha três pilares.

Uma proposta de resultado fiscal para o Brasil nos anos de 1994 e 1995, propostas de mudanças constitucionais necessárias para a implementação da ideia econômica e, por fim, a reforma monetária que daria vida à nova moeda.

E diz que Fernando Henrique deixava claro que os brasileiros não poderiam mais ser surpreendidos com um novo plano econômico – uma memória do padrão até então adotado pelos ministros da Fazenda quando da implementação dos planos que antecederam o Real como o Cruzado, o Bresser, o Verão e outros.

As crises após a implementação

E então ele envereda pelas memórias das crises internacionais que poderiam ter minado o sucesso inicial do Plano Real.

Fala sem sobressaltos e da peso às palavras, não à entonação, sobre a crise do México: “Foi um problema sério o desastre que aconteceu no México na virada de 94-95, nós tivemos muita pressão ali para fazer uma grande desvalorização do real no início de 95, mas o fato é que a economia estava bombando”.

Conta que a crise de 1997 foi “um negócio muito sério que aconteceu na Ásia”.

Relata fatos que apavorariam qualquer ministro da Fazenda, o cargo que passou a ocupar após FHC se tornar presidente, mas que na fala de Malan parecem a descrição apenas do que uma pessoa almoçou naquele dia.

“O PIB da Indonésia caiu 14%. Em 98, a Coreia (do Sul) teve um problema seríssimo, teve de ser salva por uma intervenção do G7, na virada de 97 para 98 teve ataque especulativo contra Hong-Kong…”

E vai se estendendo por crises coladas umas nas outras. A moratória russa, a dissolução de quase todos os bancos estaduais e alguns privados no Brasil… a lista de problemas parece não ter fim, mas Malan sempre encerra seu raciocínio indicando como tudo isso fortaleceu a moeda brasileira.

E então encerra com o que indica ser um final feliz.

“O processo de consolidação do real teve vários e inúmeros desafios. Acho que um dos maiores foi essa virada de 98-99 quando teve a mudança no Banco Central e nós tivemos que flutuar (o real em relação ao dólar). Flutuamos desde 15 de janeiro de 99, estamos desde então num regime de taxas flutuantes que vêm servindo bem ao país”.

Malan responde perguntas por mais uns breves minutos. Quando termina a entrevista, pede água, café, vai rapidamente ao banheiro. Despede-se de todos com educação e deixa o estúdio.

Como se nada tivesse acontecido. O homem de gelo se foi.

A Inteligência Financeira é um canal jornalístico e este conteúdo não deve ser interpretado como uma recomendação de compra ou venda de investimentos. Antes de investir, verifique seu perfil de investidor, seus objetivos e mantenha-se sempre bem informado.

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