O quinto ‘C’ da cozinha contemporânea de São Paulo apresenta o ‘B’ de Bel Coelho
Clandestina, da chef Bel Coelho, traduz mais de 25 anos anos de pesquisa em torno da mesa brasileira, agora sem menu-degustação, na Vila Madalena
Se você tem entre 30 e 40 anos, ainda estava no colégio ou na faculdade quanto Bel Coelho já comandava sua primeira cozinha em São Paulo. Isso foi por volta de 2003, com o Madelleine e logo depois o Sabuji.
Então, com cara de garota e 45 anos, ela nem tem tanta idade assim. Mas começou muito cedo. Assim, Bel Coelho já pode ser considerada uma das poucas chefs mulheres de alta gastronomia com mais tempo liderando cozinhas em São Paulo.
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Bel Coelho e um projeto clandestino
Dessa forma, seu projeto mais longevo, o Clandestino, durou cerca de 15 anos. Foi rebatizado agora para ser o Clandestina. É um restaurante de cozinha autoral que Bel abriu há três meses na Vila Madalena, zona oeste de São Paulo.
Mas ela deixou de lado o formato menu-degustação.
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“Eu decidi fazer o que eu gosto de comer e do jeito que eu gosto de comer. Eu não queria mais fazer menu-degustação. Ele pode ser maravilhoso nos sabores, mas maçante na experiência, né?”
Uma libertação segundo ela.
Assim, o cardápio do Clandestina traz uma lista de receitas onde não há grupos de entradas ou de pratos principais – todos são para compartilhar.
Então, faça isso: compartilhe e prove de tudo.
Bel mostra em receitas a quantidade de viagens e pesquisas que fez pelo Brasil, conhecendo cozinhas e ingredientes em localidades como a reserva do Parque Grande Sertão Veredas.
“Fui recentemente a esse pedaço do cerrado, na divisa entre Bahia, Minas e Goiás, e provei frutas que eu ainda não conhecia.”
Então, o que é a comida de Bel Coelho?
- O guioza de pato é feito com jambu (folha do Norte que estremece a língua) e servido com tucupi (caldo cítrico fermentado da mandioca brava) e azeite de pimentas brasileiras (R$ 65)
- Tem tiradito de melancia (fatias finas cruas) com ponzu (molho cítrico típico da culinária japonesa) feito com tucupi e ervas frescas (R$ 42)
- Peixe do dia com farofa de farinha d’água (farinha granulada como se come mais no Norte e não em todo o Nordeste, feita da mandioca fermentada) e molho de vatapá (da comida de dendê baiana) (R$ 89)
- Repolho e bok choy (acelga chinesa) grelhados inteiros com missô de cacau e servido com molho picante de castanha-de-caju (R$ 67)
- Carne crua na ponta da faca de Angus servida com fatias finas de cogumelo Yanomami cru e picles de melão (R$ 56)
- E o mais do que imperdível: tempurá de pimenta-de-cheiro: é uma pimenta inteira com um camarão inteiro dentro, frito, servido com molho picante de bacuri (fruto fibroso amazônico, que também aparece no bioma do Cerrado) (R$ 53)
Como a cozinha de Bel Coelho ficou conhecida
Aliás, Bioma foi uma maneira pela qual a cozinha de Bel ficou ainda mais conhecida. Isso com o seu Menu dos Biomas no Clandestino.
Então, o extinto Clandestino nasceu no piso superior do Dui, restaurante aberto por Bel em 2009. Quando o Dui fechou, Bel abriu o Clandestino no Beco do Batman, Vila Madalena, só para menu-degustação. Funcionou de 2014 a 2020.
Dessa forma, Bel seguiu viajando o Brasil e pesquisando cozinhas. O que lhe rendeu em 2023 um programa com 20 episódios na TV Cultura. Era o ‘Receita de Viagem com Bel Coelho’.
“Do que mais me encanta no Brasil, tem a comida afrobrasileira, não só a iorubá, mas também a malê e a comida do sertão baiano. A Bahia, por si só, é um território muito rico e infindável. Minas também, pois tem vários biomas e a cultura gastronômica é interessante. O jeito que o mineiro é apaixonado por comer me interessa, para além das receitas.”
Assim, por tamanha bagagem e receituário, Bel ganhou uma coluna só dela aqui na Inteligência Financeira, completando os 4 Cs da cozinha contemporânea da primeira coluna. Dessa maneira, o texto anterior trouxe chefs mais jovens e em primeiro voo solo.
Acima, do lado esquerdo, o tempurá de pimenta-de-cheiro. Ao lado, uma sobremesa com banana e requeijão. Foto: Raphael Criscuolo/Divulgação
Comida no prato, bebida no copo
Não fosse a gostosura que é comer a comida de Bel (dias depois, você vai ficar pensando no tempurá de pimenta, no repolho no missô, e…), o Clandestina é um convite amigável à refeição.
Então, trata-se de um lugar informal. É como ela desejava. Tem serviço boa-praça, carta de vinhos com pesquisa também brasileira (como o vinho gaúcho laranja Faccin Malvasia, R$ 218, e a sidra Bfiver da Vinícola Góes, R$ 179). E tem drinques autorais e muitas criações.
Uma delas é o vermute que Gus Abreu faz com ingredientes brasileiros. Ele faz ali mesmo no Clandestina.
Simplesmente prove.
Gus estava com Bel em seu serviço de catering para eventos. Agora ele domina o salão. Então, Gus representa uma classe de garçons muito especial, com atendimento apurado e despretensioso sem ser desleixado nem pegajoso.
Afinal, um bom serviço de salão arremata e muitas vezes até melhora o trabalho da cozinha.
Então, prove ainda o drinque Quero Quero, feito com bourbon, cachaça de amburana, bitter amazônico feito na casa e cumaru (semente considerada a baunilha amazônica). E a sobremesa de torta de queijo brûlée com creme de jabuticaba. Sem esquecer a de banana caramelada com gotas de requeijão cremoso, de chocolate e de doce de leite.
O negócio, ou melhor, os negócios
O Clandestina era a novidade mais fresca até que Bel resolveu abrir, há uma semana, a segunda unidade do seu Cuia.
O original foi aberto dentro da livraria Megafauna, no Copan, em 2021. Agora, em Pinheiros, traz receitas que fazem sucesso no Centro e algumas mais.
Tem por exemplo as entradas tempurá de lula empanada na tapioca com ponzu (R$ 44) e ceviche de atum com avocado, tucupi, shoyu e chips de mandioquinha (R$ 44). E os pratos costelinha de porco ao melaço de cana servida com canjiquinha (R$ 82) e o picadinho com ovo perfeito, couve e banana (R$ 80).
O lugar tem o dobro do espaço da primeira casa, com 50 lugares, e para Bel essa é uma questão para o negócio ser financeiramente sustentável. O número de clientes, seja no tamanho do espaço ou na rotatividade, importa.
É por isso que, no Clandestina, que tem 30 lugares, ela pratica um jeito europeu (bem francês, na verdade) de servir em dois turnos: quem senta na reserva das 19h deve levantar às 21h para dar lugar a quem vai sentar na sequência. Se no exterior dá certo, por que aqui não pode dar?
Para manter as finanças saudáveis, Bel ainda conta com o serviço de bufê em que atende desde festas corporativas até casamentos. Ah, e planeja expandir o Cuia, um projeto possível de ser replicado em outros cantos por aí.
Clandestina
Rua Girassol, 833, Vila Madalena
Telefone: (11) 94145-9589
@clandestinarestaurante
Cuia Copan
Av. Ipiranga, 200, loja 48, República
Telefone: (11) 95981-8555
@cuia_restaurante
Cuia Pinheiros
Rua Mateus Grou, 80, Pinheiros