‘Sem pensamento amazônico não pode haver COP30’, diz Fafá de Belém

Um encontro em que a plateia tem tanto a dizer e compartilhar quanto as palestrantes que sobem ao palco. Assim pode ser descrito o “Café com as CEOs”, evento realizado pelo Valor em parceria com a revista Marie Claire, que reuniu cerca de 100 mulheres CEOs, conselheiras e empreendedoras na manhã desta terça-feira (10) em São Paulo.

Mulher que tem usado a sua voz para causas como o combate à violência contra meninas e o avanço da representatividade é a cantora, compositora, atriz e ativista Fafá de Belém, que participou do evento. Aos 68 anos, ela destacou como legado ter criado há 14 anos o evento cultural Varanda de Nazaré, que emprega 1,5 mil pessoas durante o Círio de Nazaré, uma procissão católica que acontece anualmente em Belém, no Pará. “Teremos reunião da COP 30 no ano que vem e sem pensamento amazônico não pode acontecer um fórum”, afirma, referindo-se à 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. A COP30, de 10 a 21 de novembro de 2025, será realizada em Belém.

“É fundamental que a gente saiba o nosso lugar no mundo. O que você fala reverbera, e você tem a obrigação de saber que é um ser político”, disse Fafá, que, ao fim da entrevista, cantou o Hino Nacional a capela e foi muito aplaudida.

“O ‘Café com as CEOs’ é um espaço reservado, para que possamos respirar, ver ideias diferentes. É um espaço para falar de políticas públicas, saúde, empreendedorismo e outros temas caros para a sociedade e para as mulheres”, disse Maria Fernanda Delmas, diretora de redação do Valor, na abertura do evento. Daniela Tófoli, diretora editorial de marcas segmentadas da Editora Globo (incluindo a “Marie Claire”), acrescentou: “É o momento para juntar esforços”.

Em sua terceira edição, o evento já mapeou cerca de 300 líderes CEOs, conselheiras e empreendedoras no país. Entre as participantes estavam nomes do varejo, do setor financeiro, da hotelaria, da construção civil, da saúde e do terceiro setor, por exemplo.

Na entrevista durante o evento, Fafá falou de carreira, de sustentabilidade, de trabalho social e de como atua para tornar o Círio de Nazaré conhecido por todos os brasileiros. A iniciativa leva todos os anos 2 milhões de pessoas às ruas de Belém. “É o que eu vou deixar para essa terra potente como a nossa”, diz.

Neste ano, a Varanda de Nazaré abordou o tema da Cabanagem, uma revolta popular e social que ocorreu na província do Grão-Pará entre 1835 e 1840, e que serviu de fio condutor para promover diálogos sobre inclusão, diversidade e as realidades do Brasil contemporâneo. Nesse sentido, Fafá diz que o povo amazônico é potência em movimento ao reunir indígenas, quilombolas, mulheres da periferia, extrativistas, ribeirinhos em um mesmo grupo. “Somos muitos e temos uma questão ligada à ancestralidade.”

Por isso, ela é enfática ao dizer que o povo não pode ser usado como alegoria na reunião da COP30. “Sem pensamento amazônico não pode existir fórum”, afirma, referindo-se à Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas. Por isso, ela criou um evento para debater a cultura e a preservação da Amazônia, com a presença de líderes, pensadores e especialistas, que antecede a COP30. O intuito é buscar um futuro próspero tanto para o povo amazônico quanto para a floresta. Em sua segunda edição, o encontrou contou neste ano com a presença da atriz Dira Paes, da bióloga Angélica Mendes, neta de Chico Mendes, de Milton Cunha, carnavalesco e apresentador, e da Violeta Paes Loureiro, historiadora e escritora, além de outros.

“A COP é como uma nave que vai pousar e vai embora. Precisamos estar fortalecidos para tirar proveito, mas a Amazônia só será realmente potente se ouvirmos o ribeirinho e as suas demandas”, afirma, acrescentando que é importante prover água potável para a população. Não é por um acaso: quase 900 piscinas olímpicas de esgoto sem tratamento são despejadas diariamente no ecossistema de maior biodiversidade do planeta, de acordo com dados de 2023 da ONG Trata Brasil.

Para solucionar esses desafios, é necessária a participação de entes públicos e privados, além da sociedade civil. Isso porque, segundo Fafá, a situação da vida na Amazônia será irreversível em cinco anos se mantidas as atuais condições. “Por isso, eu peço: visitem a Amazônia, conheçam o Círio de Nazaré. Vamos quebrar a barreira de comunicação.”

Outro legado da cantora é encorajar jovens a serem quem são. Empoderada, ela se lembra da reportagem em que foi chamada de “gordinha sexy”. “Gostei do sexy, mas por que me chamaram de gordinha? Esse é o meu corpo”, afirmou. “O que eu via é que a competição era trabalhada entre mulheres.” Ela destaca que até hoje isso acontece, quando meninas querem seguir os padrões de beleza de influenciadoras que “só comem folha e chupam gelo”. “É necessário ter coragem de enfrentar essas imposições e é fundamental que a gente saiba o nosso lugar do mundo. O que você fala reverbera, e você tem obrigação de saber que é um ser político.”

Por isso, ela estimula jovens cantoras a não irem na onda de empresários que dizem que para serem conhecidas precisam explorar ao máximo o corpo. Segundo ela, esse comportamento está a serviço do machismo retrógrado, ainda que venha embalado em um discurso de empoderamento. Fafá se lembra de que, no início da carreira, há quase 50 anos, o produtor musical Roberto Sant’Ana perguntou se ela queria fazer sucesso ou uma carreira. Ela não sabia a diferença. Ao que ele disse que para fazer sucesso a pessoa cede tudo, enquanto em uma carreira é possível (e desejável) dizer “não” — ainda que com probabilidade de ser cancelada.

“A diferença é que você vai ter orgulho do que construiu. Tive portas na cara, isso foi me fortalecendo. Sou minha própria CEO, e, se algo não fala ao meu coração, eu não vou de forma alguma. Prefiro ficar em casa lendo, que é uma libertação. Somente através da educação é possível criar o arcabouço de felicidade.” Aos 68 anos, ela tem sido criticada mas também muito elogiada por deixar os cabelos naturalmente brancos. “Hoje vejo como pode ser inspirador e libertador para tantas mulheres e meninas. Toda luta pela felicidade é necessária.”

*Com informações do Valor Econômico

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