Estrangeiro reduz pessimismo com o real no curto prazo

Estrategistas, porém, mantêm tom cauteloso com eleições presidenciais à frente e risco fiscal em alta

Foto: Leo Pinheiro/Agência O Globo

O forte ciclo de aperto monetário no Brasil parece, finalmente, ter efeito mais visível sobre o mercado de câmbio doméstico. De olho no alto diferencial de juros do país com o exterior – mesmo ajustado pela volatilidade -, e aproveitando certo apaziguamento dos temores sobre o ritmo de elevação dos juros nos Estados Unidos bem como o noticiário político mais leve, estrangeiros passaram a reduzir as apostas contrárias ao real nas últimas semanas. Para profissionais ouvidos pelo Valor, a trégua, contudo, pode se encerrar com a chegada do período eleitoral.

Dados da B3 até quinta-feira, 20, mostram que a posição comprada (que ganha com a alta) dos estrangeiros em dólar futuro, minicontratos e cupom cambial foi reduzida em US$ 7,6 bilhões em um espaço de duas semanas, para US$ 19,7 bilhões. Esse nível não é alcançado desde 31 de outubro, quando o dólar operava a R$ 5,1697.

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Enquanto isso, a posição vendida em dólar (aposta na queda da moeda) dos investidores institucionais locais está estacionada desde o início do ano na casa de US$ 59 bilhões, perto da máxima histórica alcançada em junho, quando o dólar operou abaixo de R$ 5 brevemente. Na sexta-feira, mesmo com a alta da moeda americana, que fechou a sessão em R$ 5,45, o real acumulava valorização de 2,21% no ano.

O cenário atual se assemelha ao vivido no início de 2021, quando a narrativa predominante era de dólar fraco e de recuperação econômica pós-covid, avalia Álvaro Mollica, estrategista de mercados emergentes do Citi em Nova York. “Tem muita gente olhando e tentando ficar otimista tanto em juros quanto com o real. Achamos que, hoje, o global está ditando mais o posicionamento das moedas.”

Mollica nota que, no momento, os mercados tentam entender o rumo dos juros americanos, o que dita a alocação no Brasil até mais do que os fatores locais, já que, recentemente, muitos episódios direcionaram o preço dos ativos. “Com o Congresso em recesso, a volatilidade ligada ao noticiário diminui e o cenário externo acaba tendo efeito maior”, argumenta.

No caso brasileiro, contribui o fato de o real ter voltado a sustentar um diferencial de juros ajustado pela volatilidade atrativo, bem como um Banco Central conservador (ou “hawkish”, no jargão do mercado), que tem convencido ao dizer que entregará a inflação na meta, ao passo que o ruído político diminuiu com o recesso parlamentar.

Mollica pondera que a chegada do ciclo eleitoral pode colocar um fim nessa janela. “Uma regra de bolso para economias emergentes é que os ativos domésticos começam a ter performance pior entre dois e três meses antes da eleição. No Brasil, isso costuma acontecer antes”, nota o estrategista do Citi.

Visão semelhante é defendida pelo economista internacional e estrategista do Wells Fargo, Brendan McKenna. “O real experimentou um rali neste começo de ano, mas acreditamos que o desempenho superior terá vida curta e prevemos uma moeda mais fraca ao longo de 2022 e de 2023. Nossas preocupações estão ligadas à eleição presidencial deste ano e ao potencial de deterioração da dívida e da dinâmica fiscal antes e depois da eleição”, diz.

Além disso, McKenna lembra que a economia brasileira enfrenta forte deterioração de expectativas, o que pode prejudicar o sentimento em relação aos ativos. O economista, inclusive, aponta a possibilidade de o crescimento superar o esperado, mas isso não se refletir no desempenho dos mercados.

“Esperamos que o presidente Jair Bolsonaro tente estímulos fiscais adicionais antes das eleições presidenciais”, diz. McKenna, porém, acredita que, caso o governo busque implementar novos estímulos, “os mercados provavelmente reagiriam desfavoravelmente com a perspectiva de uma política fiscal que seria mais negativa”.

Embora seja costumeira a performance negativa em períodos eleitorais, nem todos estão convencidos de que o atual ciclo será ruim para os ativos domésticos. Para o chefe de estratégia para mercados emergentes do NatWest, Alvaro Vivanco, diferentemente do que ocorreu nos últimos anos, o fato de os dois candidatos que lideram as pesquisas terem perfis conhecidos e semelhantes em temas caros à comunidade de investidores faz com que a gama de resultados desta vez seja menor e mais previsível. E essa menor incerteza pode ser positiva para os ativos domésticos mais à frente, uma vez que estes embutem um elevado prêmio de risco.

Vivanco elenca, ainda, o alto nível dos juros como um destaque positivo. “Chegaremos à eleição com uma Selic em torno de 12%. Se os juros estão em 2%, você pode estar otimista com tudo em relação ao Brasil e mesmo assim vai querer fazer ‘hedge’ no câmbio”, diz.

Para o estrategista, a volatilidade do atual ciclo eleitoral será menor. Ele nota que as pesquisas apontam um candidato com alto grau de favoritismo no momento, com experiência de governo e perfil que seria semelhante ao atual incumbente em algumas questões econômicas. “Em 2018, Bolsonaro e Guedes eram vistos como mais ‘market friendly’, tinham discurso de privatização. Desta vez não é assim. Bolsonaro e o ex-presidente Lula são definitivamente mais próximos do que pensávamos naquele momento”, diz. “A deterioração fiscal ocorreu neste governo, as privatizações não decolaram e isso reduz muito a expectativa sobre o que pode ser um segundo governo Bolsonaro.”

Vivanco pondera que, embora ainda seja cedo para saber qual perfil o petista irá adotar se chegar ao governo, são poucas as chances de um desvio grande do compromisso com a responsabilidade fiscal. “Acredito que 2022 e 2023 serão anos de ajuste, independentemente de quem assumir. O espaço para Lula avançar, por exemplo, contra o teto de gastos, em um momento em que o Fed [Federal Reserve, o banco central dos EUA] está elevando juros, implica um custo de credibilidade muito alto, que poderia inviabilizar o resto de sua agenda”, argumenta. “É uma lição que os governos da América Latina aprenderam. Lula tem consciência desse risco mais do que ninguém.”

A estrategista Gisela Brant, do J.P. Morgan, afirma que as eleições continuam a ser um risco à frente, especialmente devido às políticas que o atual governo pode adotar à luz dos números fracos de Bolsonaro nas pesquisas. “Dito isso, achamos que as recentes entrevistas de Lula e os rumores de que o centrista [Geraldo] Alckmin pode se juntar a ele são importantes sinais de moderação”, diz.

Embora o J.P. não tenha recomendações específicas para o câmbio neste momento, o banco adota posições relativas em juros, ao acreditar que pode haver um desempenho melhor das taxas longas brasileiras em relação aos juros de longo prazo do México.

Na ponta mais cética, o chefe de estratégia para mercados emergentes do Deutsche Bank, Drausio Giacomelli, diz que o interesse do estrangeiro em relação ao Brasil continua baixo. “Não temos clareza sobre o processo eleitoral. Questões secundárias, como política de preços de energia, greves e reajustes de servidores, seguem no radar. Tudo isso deixa o investidor com o pé atrás”, diz. “Em momentos em que os fatores domésticos pesam muito, o estrangeiro se sente em desvantagem. A volatilidade doméstica gera um ciclo vicioso que afugenta quem está fora.”

Giacomelli ressalta, porém, que os últimos meses foram de baixo interesse por emergentes. Ao citar dados da EPFR, empresa que monitora movimentos globais de fundos, ele diz que o fluxo para ativos locais de emergentes está negativo em quase US$ 6 bilhões nos últimos três meses.

“A alta da Selic tem ajudado a melhorar o fluxo em direção ao Brasil, isso é visível. Mas é preciso mais que um pilar para segurar o tripé dos países emergentes, o político e o macro”, diz. Em termos de estratégia, o Deutsche tem buscado fazer recomendações pontuais, para aproveitar momentos de queda dos juros e do dólar no país.

O Citi, por sua vez, tem uma recomendação comprada em Brasil contra a Colômbia tanto na moeda quanto nos juros, já que o país vizinho está às vésperas de uma eleição presidencial, que acontece em março. E, no caso do NatWest, a aposta está em assumir uma posição comprada (apostando na valorização) no real contra o dólar, mas através de opções de um ano, mirando o nível de R$ 4,50.

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