Sinais do Fed pesam e podem levar o câmbio para perto dos R$ 5, dizem economistas

A perspectiva de crescimento global mais fraco está se contrapondo aos fundamentos que justificaram a queda recente do dólar

Congresso americano vai discutir aumento do teto de gastos depois de o Tesouro anunciar possibilidade de default
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Se o mercado doméstico deixou em segundo plano o processo de aperto monetário nos Estados Unidos desde o início do ano, a forte disparada do dólar contra o real na sexta-feira pode ter indicado um ponto de inflexão no comportamento dos ativos brasileiros. O salto de 4,04% do dólar assustou e provocou até mesmo uma atuação extraordinária do Banco Central, que, no entanto, não impediu a moeda americana de voltar à casa dos R$ 4,80, em um momento no qual o diferencial de juros tem se mostrado fundamental na precificação dos mercados de câmbio.

Com a inflação ao consumidor americano em 8,5% na base anual, diversos dirigentes do Federal Reserve (Fed) têm se mostrado favoráveis a um ritmo ainda mais acelerado de elevação dos juros à frente. Não por acaso, os mercados precificam quase 100% de probabilidade de um aumento de 0,50 ponto nos juros na reunião do Fed no início de maio.

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No entanto, foi a indicação do presidente do Fed, Jerome Powell, de que um aumento mais acelerado nos juros estará sobre a mesa que deu o aval para uma reprecificação no câmbio doméstico, até então resiliente ao cenário externo.

O diretor de tesouraria do Fator, Bruno Capusso, nota que a declaração de Powell, na última quinta-feira, e a indicação do presidente da distrital de St. Louis do Fed, James Bullard, de que um aumento de 0,75 ponto pode ocorrer, a depender da dinâmica inflacionária, “mudaram a percepção de todo mundo”, o que pode trazer agitação para o mercado nas próximas semanas. “Tem boa chance da cotação [do dólar] voltar para R$ 5, porque o mercado ficou mais avesso ao risco.”

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De fato, também na sexta-feira, o índice DXY, que mede o desempenho do dólar contra uma cesta de outras seis moedas principais, surpreendeu ao subir 0,54% e terminar o dia negociado a 101,12 pontos, no maior nível desde março de 2020. Os estrategistas de câmbio do J.P. Morgan observam, em relatório enviado a clientes, que o regime de perspectiva de um crescimento econômico mais suave e de inflação mais alta persistiu na semana “e, combinado com o aumento dos juros reais americanos, continua apoiando a força do dólar”.

O comportamento do real na sexta-feira, contudo, chamou a atenção dos agentes. Embora o feriado de Tiradentes tenha deixado os mercados domésticos fechados na quinta-feira, o que exigiria um ajuste adicional na sexta-feira, o movimento de depreciação da moeda brasileira assustou. De acordo com levantamento do Valor Data, o real foi a divisa de pior desempenho na sexta-feira ante o dólar, com avanço de 4,04% da moeda americana, e foi seguida de longe pelo peso colombiano e, depois, pelo peso chileno e pela libra esterlina.

Isso, juntamente com o impacto da covid sobre a economia chinesa e o efeito da guerra entre Rússia e Ucrânia sobre a Europa formam um ambiente mais frágil, que coloca em questão, inclusive, o movimento de alta das commodities, um dos fundamentos para os ganhos recentes do real. “A recessão global não é nosso cenário base, mas ela é um risco”, resume.

Segundo Rafaela Vitoria, economista do Banco Inter, a perspectiva de crescimento global mais fraco está se contrapondo aos fundamentos que justificaram a queda recente do dólar.

É importante observar que o real ainda é a moeda que mais se valoriza no ano e, mesmo com a alta de sexta-feira, o dólar ainda recua expressivos 13,79% no acumulado deste ano ante o real. Marcos Mollica, gestor do Opportunity Total, nota que o real se beneficiou tanto dos preços elevados das commodities quanto do aumento no diferencial de juros, variáveis que são colocadas em questão neste momento.

Ele observa que dúvidas quanto à economia chinesa abalam a perspectiva positiva para os preços das matérias-primas e nota que o Fed pode ajudar a esfriar a economia global e os preços das commodities, além de diminuir o diferencial de juros, que deu apoio ao real. “Não diria que [a alta do dólar] seja uma tendência ainda, mas tem algo mais estrutural nesse movimento”, afirma. “Acho que isso tudo pelo menos tira o viés de apreciação [do real], podendo levar a uma correção maior se esses vetores se acentuarem”, diz Mollica, para quem o cenário mais provável é o de que o Fed eleve os juros para um nível entre 3,5% e 4% no fim do ciclo.

Parte do desempenho pior do real veio na esteira de sinalizações do Banco Central do Brasil, que foram lidas como mais “dovish” (suaves) pelo mercados. Ao longo da semana, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, e os diretores Fernanda Guardado e Bruno Serra Fernandes participaram de diversos encontros privados com investidores, organizados por instituições financeiras, no âmbito da reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI), em Washington.

Ao participar de evento na quinta-feira, Campos Neto teria passado uma mensagem de maior tranquilidade em relação à inflação, de acordo com participantes do mercado que estiveram no encontro. Segundo relatos ouvidos pelo Valor, Campos Neto teria afirmado que o BC se surpreendeu com o IPCA de março, mas reforçou que parte da forte surpresa altista do indicador se deveu à antecipação do aumento da gasolina. Além disso, ele teria sugerido ao mercado que tentasse decompor eventos estruturais e não-estruturais e reforçado a mensagem de que o BC não faz política monetária com base em apenas em um número.

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