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Selic de 14% é improvável, mas não impensável, diz economista do J.P. Morgan
Se o Banco Central (BC) estiver disposto a devolver a inflação ao centro da meta em 2023, será preciso elevar a taxa Selic acima de 13,25%, avalia a economista-chefe do J.P. Morgan no Brasil, Cassiana Fernandez. Para ela, em um momento de elevada incerteza, é importante que a autoridade monetária deixe a comunicação sobre os próximos passos em aberto. Embora ressalte os riscos de alta da inflação no curto prazo, Fernandez afirma ver um cenário mais balanceado no médio e no longo prazo, dado o bom desempenho do câmbio.
“Nossa revisão recente da inflação para 2023 considera um IPCA de 4,2% e incorpora um dólar de R$ 5,30. Com o dólar a R$ 4,70, reconheço o risco de baixa para essa projeção”, diz Fernandez, em entrevista exclusiva ao Valor. Ela ressalta que o real tende a perder força mais perto do fim do ano em reação ao aperto monetário promovido pelo Federal Reserve (Fed), o banco central americano, e às incertezas eleitorais.
Nesse sentido, a economista do J.P. Morgan afirma que o juro real elevado visto na curva de rendimentos de papéis indexados à inflação (NTN-B) reflete o prêmio de risco sobre a incerteza na política econômica do Brasil nos próximos anos. “Existe um prêmio de risco em relação à credibilidade não só do Banco Central, mas do governo, e se ele vai fazer o que precisar para estabilizar a dívida como proporção do PIB”, afirma. Leia os principais trechos da entrevista:
Até onde vai o aperto das taxas de juros pelo Banco Central?
Projetamos 13,25% de Selic com fim de ciclo em junho, e a pergunta é se isso vai ser suficiente. Se o BC quiser trazer a inflação para o centro da meta em 2023, provavelmente vai ser necessário um ciclo ainda maior. Nossa própria projeção [de IPCA] está em 4,2% para 2023. Os últimos meses mostraram que houve uma grande quantidade de choques na economia global. Outros fatores mostraram que os modelos não estão aderindo bem ao cenário corrente. Para mim, é difícil falar que Selic de 14% é um cenário impensável, mas não julgo que seja o mais provável.
O que tem achado da comunicação mais recente do BC?
A fala do Roberto Campos [na segunda-feira] foi na linha de reconhecer a surpresa da inflação de março, que surpreendeu significativamente. Foi o maior desvio em relação ao consenso de mercado para a série histórica e 0,6 ponto acima da projeção do BC. Acho que uma parte do mercado errou quando considerou que, com a sinalização de que o BC pararia o aperto em maio, ele faria isso independentemente dos dados. A fala do Roberto Campos mostra que estão analisando como isso modifica o cenário deles, sem dar uma sinalização clara se vai manter esse ‘guidance’ de parar em maio ou não, mas dizendo que estão abertos a rever o cenário.
Mas o J.P. Morgan já previa que o BC não conseguiria parar nos 12,75%…
Quando o BC anunciou que o próximo movimento seria uma alta de 1 ponto e sinalizou que poderia parar em maio, só pelo que ele projetava para o IPCA de março no Relatório de Inflação a gente já tinha a percepção de que ele não conseguiria fazer isso. Então, a gente previu que ele deveria entregar mais uma alta de 0,50 ponto em junho. Dadas as incertezas e as altas acumuladas, tudo isso permite que ele pelo menos pare em junho para observar outros fatores. Acho importante até a própria comunicação do Banco Central deixar a porta aberta para mudanças de cenário, porque há riscos grandes. É muito difícil dizer com convicção o que vai ocorrer até nos próximos dois meses.
O cenário de inflação de médio prazo ainda tem muitos riscos de alta?
No curto prazo, os vetores são no sentido de inflação mais alta, porque a apreciação do câmbio é recente e as commodities são um risco. Mas a médio, longo prazo o quadro é mais balanceado. A nossa revisão recente da inflação para 2023 considera um IPCA de 4,2% e incorpora um dólar de R$ 5,30. Com o dólar a R$ 4,70, reconheço o risco de baixa para essa projeção. E também tem os efeitos do corte do IPI [imposto sobre produtos industrializados], que ainda não temos clareza de como vai pegar no consumidor, e o aperto acumulado tende a pegar mais. Nossas contas mostram que leva ao menos seis meses a partir do início da alta de juros para ter efeito de fato na inflação. Olhando à frente, os preços devem refletir a taxa de juros mais restritiva.
Como o banco vê a trajetória do câmbio?
A gente começou o ano muito construtivo com a moeda avaliando que as condições favorecem o comportamento do real, principalmente os preços de commodities. Juros altos também ajudam. No curto prazo, o Brasil está numa posição confortável e é difícil encontrar outros países para investir. Mas, mais para o segundo semestre e para o fim do ano, as eleições e o Federal Reserve podem frear essa apreciação. Nosso time passou a projetar duas altas seguidas de 0,5 ponto nos Estados Unidos e agora projeta taxa restritiva para o fim do ano.
O cenário de atividade também desfavorece o real?
A atividade deve se enfraquecer e isso também tende a deteriorar o cenário do câmbio. A demanda deve sofrer com o aperto monetário e esperamos que o Brasil entre em recessão no segundo semestre. Isso sem contar as incertezas em relação à eleição e a política fiscal a partir de 2023. São três fatores que devem segurar a valorização do câmbio: a acomodação dos preços de commodity, a dinâmica doméstica e a alta dos juros americanos.
O que o aperto do Fed implica para o BC?
O aperto do Fed também ajuda o BC porque o Brasil vem importando muita inflação global. Se a situação global é amenizada, na verdade o Fed estaria ajudando.
Mas uma alta de juros americana não tende a fortalecer o dólar?
De fato, o aperto do Fed se manifesta pelo canal do câmbio, mas esse ímpeto para controlar a inflação americana e segurar a demanda nos EUA também provocaria uma redução da inflação global. É só observar o comportamento recente das commodities. O risco de a China crescer menos por conta de lockdowns enfraquece as commodities, que acabam antecipando uma demanda global menor. Preços menores de matérias-primas ajudariam a inflação global a se reduzir, mas não ajudariam a taxa de câmbio já que somos grandes exportadores de commodities. Tudo tem um limite, claro…
Qual seria?
Se a gente observar um aumento de juros forte e dos rendimentos dos Treasuries, gerando grande aversão a risco, isso prejudicaria emergentes e o Brasil. Mas a gente não enxerga esse cenário como o principal ainda. Esperamos um aumento relativamente gradual de juros e das condições financeiras globais.
A curva de juros reais no Brasil embute taxas ao redor de 5,5% e perto de 6% em alguns vencimentos. O que isso significa?
De fato, chama a atenção. Porque, se você olhar a taxa de juro real para, por exemplo, uma NTN-Bs 2055, está em torno de 5,5%. É uma taxa de juro real muito difícil de se materializar, e caso se materialize, muito provavelmente a gente vai ter um problema muito maior de dívida pública. Se a taxa de juros real neutra é entre 4% e 4,5%, há um prêmio ali dada a incerteza sobre a política econômica no Brasil ao longo dos próximos anos.
Como a senhora enxerga a sustentabilidade da dívida no longo prazo?
Existe um prêmio de risco na curva de juros reais em relação à credibilidade, não só do Banco Central, mas do governo e se ele vai fazer o que precisar para estabilizar a dívida como proporção do PIB. Qualquer exercício nosso de dinâmica da dívida pública com os números hoje mostra que é muito difícil uma convergência da dívida no longo prazo para patamares menores. O Brasil tem um crescimento potencial muito baixo para padrões emergentes, que a gente pode falar que está na ordem entre 1% e 1,5%, e uma dívida muito alta acima, de 80% do PIB. Tudo isso com uma taxa de juros real neutra em torno de 4%.
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