Microchips: Por que Taiwan interessa tanto a americanos e chineses?

O livro 'Chip War', do professor de história econômica Chris Miller, descreve a tecnologia do microchip como o recurso escasso mais fundamental do mundo atual - 'o novo petróleo'

Bandeiras dos Estados Unidos e da China. Foto: REUTERS/Florence Lo/Illustration
Bandeiras dos Estados Unidos e da China. Foto: REUTERS/Florence Lo/Illustration

Tecnologia, empreendedorismo, globalização, economia e geopolítica. O livro “Chip War”, do professor de história econômica e consultor, Chris Miller, trata de todos esses assuntos, usando o microchip como denominador comum. Celulares, carros, eletrodomésticos, mísseis – todos funcionam à base de microchips. Não à toa, Chris descreve a tecnologia como o recurso escasso mais fundamental do mundo atual – “o novo petróleo”.

Nasce o Vale do Silício

O livro é um prato cheio para quem gostaria de aprender sobre a história do Vale do Silício, região que há décadas revoluciona o mundo com novas tecnologias, e cujo surgimento se confunde com a criação dos microchips. São muitos os relatos sobre pessoas e empresas que fizeram (ou ainda fazem) parte dessa revolução contínua.

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Dentre os relatados, um destaque importante é Gordon Moore, um grande visionário e fundador da Intel. Em 1965, Moore previu que os microchips permitiriam a criação de “computadores domésticos”, “automóveis com controles automáticos” e “equipamentos portáteis de comunicação pessoal”. Em outras palavras, Moore previu a criação de PCs, carros automatizados e aparelhos celulares… em 1965!

Para isso, o poder computacional teria que aumentar monumentalmente em relação ao que existia até então. Moore previu que a capacidade de processamento dobraria a cada dois anos, por pelo menos 10 anos, previsão que se mostrou extremamente precisa nos anos seguintes e ficou conhecida como “Lei de Moore”. O que Moore não esperava é que o crescimento exponencial previsto por ele duraria mais de quatro décadas, permitindo avanços tecnológicos que nem ele poderia antever.

Começa a globalização

A previsão de Moore pode passar uma sensação de inevitabilidade – isto é, de que bastava investir em pesquisa e um crescimento computacional exponencial seria obtido. O livro mostra que não foi bem assim.

Para concretizar a lei de Moore, foi necessário reduzir incessantemente custos e criar mercados. Para isso, a indústria de microchips inaugurou um processo de globalização (décadas antes desse termo ser criado), com o apoio do governo americano.

A ascensão da indústria de eletrônicos na Ásia, com destaque para a Sony no Japão, e depois para a Samsung na Coréia, deve ser entendida sob esta ótica de redução de custos. Ambos os países tinham, inicialmente, custos de produção menores do que os Estados Unidos. Além disso, em um contexto de Guerra Fria, o governo americano buscava estreitar laços com ambos.

Termina a Guerra Fria

A estratégia de países asiáticos de obter licenças para uso de microchips antes de se aventurar na produção própria provou-se muito superior à estratégia soviética de simplesmente copiar a tecnologia americana (A lei de Moore pode ajudar a entender o porquê: com a tecnologia avançando de forma exponencial, copiar gera tecnologias sempre defasadas).

O fracasso da estratégia soviética teve implicações importantes. Em uma das partes mais interessantes do livro, Chris relata a reação soviética à Guerra do Golfo em 1990. Depois da rápida derrota do Iraque de Saddam Hussein no Kwait, ficou evidente para o mundo todo o poderio bélico americano – armas de alta precisão, cheias de microchips, fizeram a guerra parecer um vídeo game. A consequência foi uma crise militar na União Soviética e a percepção de derrota para os Estados Unidos na corrida armamentista. Como relata Chris, depois da Guerra do Golfo, “a Guerra Fria acabou; o Vale do Silício havia vencido.”

Última parada: Taiwan

Como alguns de seus vizinhos na Ásia, Taiwan havia se inserido deliberadamente na cadeia de produção e montagem de microchips desde os anos 1960, como parte de uma estratégia de criação de empregos e aquisição de tecnologia.

Mas nos anos 1990, quando a China iniciou sua integração econômica com o mundo, ficou impossível para Taiwan competir em preços. A estratégia passou a ser produzir tecnologia avançada diretamente, o que ocorreu com a criação da TSMC, uma empresa privada, mas com forte apoio do governo taiwanês.

A TSMC revolucionou o mercado de microchips ao focar apenas em sua fabricação, deixando o desenho do microchip em si para seus clientes. Ao eliminar a necessidade de fabricação própria, a estratégia diminuiu enormemente o custo de entrada de startups, ao mesmo tempo que levou a TSMC e Taiwan a dominarem a produção mundial dos microchips mais sofisticados.

E este é o ponto da história em que nos encontramos hoje: tanto Estados Unidos quanto China entendem a relevância militar e econômica de dominar a produção de microchips sofisticados, que atualmente se concentra em Taiwan. O desenho em si dos microchips avançados não é mais dominado pelos Estados Unidos, enquanto a China hoje gasta mais com a importação de microchips do que com petróleo.

Ambos os países buscam diminuir o poder um do outro no mercado de microchips, ao mesmo tempo que querem aumentar sua própria influência. E sob essa ótica devem ser percebidas as medidas recentes dos EUA para restringir, com países parceiros, a compra de microchips pela China. Também sob essa ótica deve ser compreendida a importância da afirmação recente do governo chinês de que buscará uma “reunificação pacífica” com Taiwan nos próximos anos.

Microchips e geopolítica mundial

A guerra entre Rússia e Ucrânia completa um ano nesse mês e está durando mais do que se imaginava. Parte da explicação: os Ucranianos têm recebido de seus aliados armamentos de alta precisão, repletos de microchips, muito superiores às armas russas, mais numerosas porém menos tecnológicas e imprecisas. Assim, a resistência ucraniana tem sido mais efetiva do que muitos previam.

Este é mais um exemplo da importância dos microchips, que colocam Taiwan no epicentro da geopolítica mundial. Acompanhar as disputas pela ilha e as ramificações para o mercado de microchips será crucial para entender os rumos da economia e da geopolítica mundial nos próximos anos.

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