Coordenador da FGV acha cedo para prever cenário catastrófico para a inflação de 2025
Apesar de a inflação de 2024 apontar na direção de um crescimento de aproximadamente 5%, dois pontos porcentuais acima da meta de inflação contratada pelo Banco Central. E de a desvalorização cambial pressionar fortemente os preços, o coordenador dos Índices de Preços do Ibre/FGV, André Braz, acredita que é muito cedo para prever um ‘cenário catastrófico’ para a inflação de 2025.
Para ele, algumas variáveis deverão ajudar a conter a escalada da inflação em 2025, como a taxa de juros e uma ajudinha do próprio clima.
Em conversa exclusiva com a Inteligência Financeira, o especialista apontou qual deve ser o provável vilão da inflação em 2024 e quem foram os mais afetados pela alta dos preços. Por fim, Braz estimou qual deve ser o impacto do aumento da tarifa de transporte público em São Paulo no IPCA nacional. Confira os principais pontos da entrevista a seguir.
Expectativas para a inflação em 2025
Apesar de estarmos vivendo um momento conturbado na economia, com dólar muito valorizado, inflação alta e juros também em elevação, André Braz acredita que é muito cedo para prever um cenário catastrófico para a inflação de 2025. E ele explica os motivos.
Desvalorização cambial x esforço fiscal
O dólar é realmente uma preocupação porque influencia a inflação de duas maneiras: encarecendo tudo aquilo que a gente importa e estimulando as exportações, pois o real desvalorizado faz nosso produto ficar mais barato lá fora.
Mais exportações ajudam a balança comercial, mas, por outro lado, geram um problema interno, pois à medida que exportamos muito, desabastecemos o mercado brasileiro, o que faz com que os preços subam por aqui. Por isso, a desvalorização cambial não é boa para inflação.
No entanto, o especialista acredita que o câmbio não vai se manter tão desvalorizado assim por muitos meses porque há um movimento do governo para tentar fazer um esforço fiscal maior.
“As medidas em aprovação e outras que o governo pode divulgar nos próximos dias podem melhorar o quadro fiscal e diminuir o impacto da desvalorização cambial sobre a inflação”, conclui.
Clima favorável
Além disso, Braz diz que o clima pode ajudar a diminuir a inflação em 2025.
O motivo: não vai haver tantos impactos climáticos, como esses que vivemos recentemente por conta dos fenômenos El Niño e La Niña.
“Uma regularidade maior e uma distribuição melhor do volume de chuvas garantem safras mais robustas. E se o preço dos alimentos não sobe tanto porque tem uma oferta maior, isso ajuda a conter também a expectativa de inflação para o ano que vem”, explica.
Aumento da taxa de juros
Outro ponto que pode aliviar a pressão inflacionária é o aumento da taxa de juros.
De acordo com o especialista, a Selic mais alta também ajuda a conter o avanço dos preços pois encarece muito o crédito. Pegar dinheiro emprestado fica mais caro e isso desestimula a demanda. Por outro lado, estimula a poupança, no sentido de a pessoa querer aproveitar o juro alto para ser melhor remunerado pelos seus investimentos. “Isso adia o consumo do presente para o futuro, o que ajuda a conter o avanço da inflação”, afirma.
“Por tudo isso acho muito cedo para prever um cenário catastrófico de inflação para 2025. Aos poucos, ao longo desse próximo ano, a gente vai ver exatamente como o esforço fiscal, como o aumento de juros e como as safras mais robustas podem ajudar a melhorar a expectativa de inflação para o ano que vem.”
Vilão da inflação em 2024
André Braz não tem dúvida sobre quais são os vilões da inflação em 2024. “Com certeza serão os alimentos porque este é o grupo que mais subiu ao longo desse ano”, afirma.
De acordo com ele, os problemas com o clima diminuíram a oferta de alimentos. Já a queda no desemprego e uma melhora na renda impulsionaram a demanda, o que pressionou preços. Além disso, a desvalorização do real também aumentou muito o preço de alguns alimentos.
“Então, tudo isso fez com que a alimentação ganhasse mais espaço na inflação de 2024. Sem dúvida, ela vai ser a grande protagonista da inflação desse ano.”
Qual o impacto da alimentação no IPCA
Alimentação e habitação são as despesas que mais pesam no orçamento da população e, consequentemente, no IPCA, explica Braz. De acordo com ele, a alimentação normalmente compromete de 18% a 20% do orçamento familiar.
Outras despesas importantes são o aluguel e o condomínio que também carregam muito o orçamento, além de tarifas como energia elétrica e água. Isso faz com que o grupo habitação apareça como o de maior peso no IPCA, diz.
“Porém, quanto menor a renda, maior é o peso da alimentação. Então, os alimentos costumam comprometer mais o orçamento das famílias mais humildes.”
Aumento da tarifa de ônibus em SP impacta inflação nacional
A prefeitura de São Paulo anunciou, na quinta-feira (26), que vai aumentar a tarifa dos ônibus de R$ 4,40 para R$ 5,00 a partir de 1º de janeiro. É possível dizer se esse aumento terá um impacto significativo no IPCA? Segundo Braz, sim.
O impacto é significativo porque a passagem pesa muito no orçamento familiar. Em média, o brasileiro gasta aproximadamente mais de 1% da renda com ônibus urbano. Isso significa que a cada 1% de aumento, o IPCA avança 0,01 ponto porcentual, explica o especialista.
“Se o aumento vai ser de 13,6%, quase 14%, isso significa que em janeiro a tarifa de ônibus já vai impulsionar o IPCA de São Paulo em 0,14 ponto percentual. É muita coisa para um mês só. E o que é pior, é um impacto permanente. Não é como o preço de um alimento que sobe em um mês e pode cair em outro. Não, no caso da tarifa, dado o aumento, ele é permanente.”
Além disso, o reajuste da tarifa municipal em São Paulo também impacta diretamente o índice de inflação nacional.
Braz explica que o impacto é proporcional ao peso de São Paulo no IPCA, em torno de 20%. “A inflação de janeiro nacional já deve subir 0,03 ponto percentual por conta desse reajuste da passagem em São Paulo.”
Inflação prejudica famílias mais pobres
O especialista afirma que é importante reforçar que inflação mais alta tem efeito mais perverso para os mais pobres.
“A inflação prejudica mais quem ganha menos, as famílias mais humildes, que não têm defesa contra o processo inflacionário. Para as famílias mais ricas, o próprio juro alto estimula o investimento e ajuda essa família a se defender do processo inflacionário”, diz.
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