Dólar avança e encerra acima de R$ 6 mesmo com tom duro do BC

O dólar à vista encerrou as negociações em alta, acima de R$ 6, mesmo após o discurso bastante “hawkish” (favorável ao aperto monetário) do Banco Central. Ao longo da manhã, o câmbio doméstico até chegou a exibir forte valorização, mas a dinâmica perdeu força e foi totalmente revertida. Apesar de a autarquia afastar riscos na política monetária, a preocupação fiscal continua no radar e no curto a médio prazo os investidores não vislumbram melhora nesta seara, o que alimentou a força do dólar.

O ambiente externo menos favorável e uma oportunidade de “dólar menos caro” também contribuíram para aumentar a demanda pela moeda americana.

Terminadas as negociações, o dólar comercial exibiu valorização de 0,69%, cotado a R$ 6,0091, depois de ter encostado na mínima de R$ 5,8686 e batido na máxima de R$ 6,0476. Já o euro comercial avançou 0,50%, a R$ 6,2935. O real apresentou o terceiro pior desempenho da sessão, melhor apenas que o franco suíço e a libra. No exterior, perto das 17h15, o índice DXY, que mede a força do dólar contra uma cesta de seis moedas de mercados desenvolvidos, avançava 0,23%, aos 106,957 pontos.

O dólar comercial registrou desvalorização forte na abertura dos negócios hoje, indicando reação dos agentes financeiros à decisão bastante rígida do BC em elevar a Selic em 1 ponto percentual e sinalizar mais duas altas na mesma magnitude. A frase “estar à frente da curva” parece apropriada neste caso, na visão do chefe de mercados do ING, Chris Turner, uma vez que o BC emitiu um sinal forte de que o aumento das expectativas de inflação não será tolerado.

Ainda na leitura de Turner, este tom agressivo se deve inteiramente à política fiscal frouxa do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e aos “danos que causou à taxa de câmbio”. “A menos que seja anunciado algum pacote de consolidação fiscal crível, o real permanecerá vulnerável”, afirma. “Nossa posição é que a consolidação fiscal será difícil no período que antecede as eleições presidenciais de 2026 e, combinada com a guerra comercial do novo governo dos EUA contra a China, o dólar provavelmente irá subir para o nível de R$ 6,25.”

Uma leitura semelhante é feita por Roberto Motta, analista macro da Genial Investimentos. “O BC assumiu que, se o governo não ajudar no lado fiscal, ele vai ter que fazer o que for preciso. Mas confesso que estou surpreso com a má performance dos ativos; esperava algo melhor pelo ganho de credibilidade com a política monetária”, afirma. “Mas não dá para esquecer o fato de que o mercado passou a avaliar se o Lula vai ter condições de saúde para disputar uma eleição extremamente acirrada em 2026. Será que ele quer ir para uma disputa dessa? Esse acabou se tornando o principal ‘driver’.”

O chefe da mesa de câmbio de uma corretora diz, em condição de anonimato, que a dinâmica pegou traders de surpresa, pois havia uma expectativa de que o dólar fosse depreciar após o tom duro do BC. “Essa melhora de R$ 6,10 para R$ 5,90 chamou muito comprador [de dólar] que estava quieto por conta do nível”, diz. “As notícias sobre o Lula, e com o Paulo Pimenta reforçando que ele vai ser candidato em 2026, ajudaram a ‘puxar’ mais”, afirma. “ O mercado está bem errático. Enquanto ele não sair do hospital vai ficar assim.”

Eduardo Cotrim, gestor da JGP, diz que é difícil avaliar a reação dos ativos apenas por um pregão, e que talvez a dinâmica se altere nos próximos dias. “Temos que esperar, ver o que vai sair na ata [da reunião do Copom]. Há um detalhe que, quando você compara o texto do comunicado desta e da reunião anterior, você percebe que não há a palavra ‘unânime’. A impressão é que a decisão de subir 1 ponto foi unânime, mas talvez o ‘guidance’ das outras duas altas no mesmo ritmo não seja consensual”, diz.

O gestor da JGP lembra ainda, que o mês de dezembro é marcado pela saída forte de dólares e à medida que houve um “barateamento” da moeda americana, o quem manda capital para o exterior pode ter aproveitado para comprar. “Como a decisão do BC foi ortodoxa, técnica e correta, caso o câmbio continue depreciando daqui até o final do ano, não acharia errado uma intervenção no mercado, com o BC vendendo um pouco de dólar. Mas não me refiro ao leilão de linha, porque esse afeta apenas o cupom cambial”, diz.

Nesta quinta-feira, o Banco Central vendeu US$ 4 bilhões de dólares em leilão de linha (venda com compromisso de recompra). Foram aceitas oito propostas.

*Com informações do Valor Econômico

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