Apesar de insatisfação, greve dos caminhoneiros está praticamente descartada

Líderes do setor dizem que os motoristas estão isolados, sem apoio de outros segmentos da economia

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Apesar de manifestações isoladas em alguns pontos do país, uma greve generalizada de caminhoneiros como vista em 2018 é praticamente descartada pela categoria. Líderes do setor dizem que os motoristas estão isolados, sem apoio de outros segmentos da economia, e que há gatilhos agora para compensar as perdas com o reajuste do combustível, que não existiam há quatro anos.

Um deles é o que prevê o reajuste da tabela mínima do frete rodoviário pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) a cada vez que o preço médio do diesel ultrapassa 10% nas bombas de combustível. “Quem vai pagar é o consumidor final, a cada produto que comprar no supermercado, porque o preço dos fretes vai subir”, diz José Roberto Stringasci, presidente da Associação Nacional de Transporte do Brasil (ANTB).

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Segundo ele, o contexto atual é muito diferente de 2018. “O agronegócio nos apoiou porque tinha interesse em perdão de dívidas, em ter apoio do novo governo. As transportadoras também tinham interesse político. Então, todos financiaram a greve. Hoje, o autônomo está sozinho e não tem ninguém que consiga uni-los”, reclama.

Stringasci, que é motorista de São Paulo, diz que muitos deixarão de ser caminhoneiros ou virarão empregados de transportadoras. De fato, em grupos de WhatsApp acompanhados pelo Valor, há algumas manifestações de motoristas dizendo que largarão a profissão. Ninguém fala em greve.

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Marcos Souza, de Ourinhos (MT), conhecido como Pitbull, diz que vai largar a carreta quando voltar para sua cidade, depois de 30 dias carregando soja para o Nordeste. “Fechei um frete e tive dois reajustes de combustível durante a viagem, perdi R$ 300. Vou vender essa porcaria”, afirma sobre o caminhão.

“O governo quer e tem apoio das grandes empresas hoje. O agronegócio também está ótimo neste momento, ninguém está ligando para nós ou para o consumidor que irá pagar tudo mais caro”, completa Stringasci, comparando com 2018.

A ANTB defende que a única maneira de solucionar a questão dos aumentos recorrentes do diesel é o fim da Paridade do Preço de Importação (PPI), da Petrobras. “Faremos uma carreata em maio para explicar a população como isso é prejudicial a nós brasileiros, quem sabe as pessoas acordam e percebem que essa política é que causa a inflação”.

Esse mesmo discurso foi feito pelo Wallace Landim, o Chorão, um dos líderes da greve de 2018 no dia do anuncio do reajuste da Petrobras. “É preciso que a população brigue para não ter mais aumentos. Não é um problema dos caminhoneiros, é um problema dos brasileiros”.

Carlos Alberto Litti Dahmer, da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes e Logística (CNTTL), também é da opinião de que as medidas adotadas pelo governo desde o reajuste ajudam, mas não resolvem o problema. “A nosso ver, a solução passa pela Petrobras. É inadmissível que o governo trate a Petrobras como estão tratando. Somos autossuficientes e mandamos o nosso petróleo para fora para vir de volta pela paridade de preço internacional, com a única finalidade de dar lucro ao investidor na bolsa de valores”, afirma. “A solução passa pela mudança da política de preços, que é só uma medida administrativa. O presidente Joaquim Luna e Silva poderia abrir um pouco mão do lucro exorbitante que tem no diesel e também um pouco de seu salário”.

Ao contrário de ocasiões passadas, no entanto, a CNTTL não está à frente das manifestações porque a repressão adotada pelo governo federal acabou assustando a categoria. “Ao colocar a Polícia Federal em pontos de bloqueio ou ameaçando com multas milionárias, o governo coibiu de forma muito forte a manifestação”, diz o caminhoneiro. Dahmer ressalta que, na última vez que o segmento se movimentou, no início de novembro, a CNTTL recebeu, sozinha, treze interditos proibitórios – que ameaçam com multa em caso de paralisação – cada um no valor de R$ 100 mil.

Desta vez, portanto, a ideia das entidades é trazer a população para protestar junto. “O tema é amplo. Não é algo que afeta apenas a condição dos caminhoneiros, mas todos o cidadãos. Seja quem está pagando R$ 8 na gasolina ou mais de R$ 100 no botijão de gás”, diz.

Outro motivo para a não realização de protestos nas estradas seria o receio de se ver envolvido em “politicagem”, diz o presidente do Conselho Nacional do Transporte Rodoviário de Cargas (CNTRC), Plínio Dias. “É para não dar brecha para oportunistas de plantão falaram que a gente é contra o governo, que é esquerdopata. Não somos contra o governo, contra a esquerda ou a direita. A gente luta pela classe”, diz o caminhoneiro de São José dos Pinhais (PR) e um dos líderes da greve de novembro. Dias, que diz ser filiado ao PP, um dos partidos de sustentação do governo do presidente Jair Bolsonaro, tem que tem aconselhado os que o procuram a protestar “ficando em casa”.

Outra reclamação recorrente das entidades ouvidas pelo Valor é a falta de canais de diálogo com o governo – que teria restringido a interlocução apenas com representantes mais “simpáticos” a ele. Historicamente, os caminhoneiros autônomos são uma categoria cuja representação é bastante fragmentada, mas agora estaria também dividida. E, nesse caldo, também sobram críticas a Bolsonaro, que surfou a onda de descontentamento de vista na greve de 2018 e tem na classe uma de suas bases de sustentação.

“Ouvi muito a palavra traição por conta daqueles que o apoiaram. Só pode se sentir atraído quem acreditou. Não tem uma medida que seja favorável à categoria em nenhum campo, não é no apenas no diesel, mas em qualquer insumo”, diz Dahmer, da CNTTL.

“Chegamos agora a três anos e três meses em que governo não incentivou e não trouxe nada para os autônomos. A gente se sentiu abandonado pelo governo e também por algumas entidades do setor”, complementa Dias, da CNTRC, que pediu uma reunião com o governo, até agora, sem resposta.

Com Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor Econômico

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