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Ações de alto crescimento engatam tendência de baixa
As ações de empresas de tecnologia de alto crescimento que brilharam na crise do coronavírus entraram em um mercado em tendência de baixa, enquanto a mudança de hábitos do consumidor e a perspectiva de aumentos acentuados das taxas de juros nos EUA empurram os investidores para fora de uma das apostas mais lucrativas dos últimos anos.
O índice MSCI World Growth, que acompanha ações com alto crescimento de lucros e vendas, como as da Amazon, Tesla e Nvidia, caiu na semana passada a um nível 22% abaixo de seu pico de novembro. Esse declínio o deixou em um mercado tecnicamente em tendência de baixa, definido como uma queda de 20% ou mais em relação a uma alta recente. Fora uma breve baixa em março de 2020, este resultado marca sua maior queda, do seu ponto mais alto para seu ponto mais baixo, desde a crise financeira.
Abril foi especialmente brutal. O índice Growth registrou no mês um de seus piores desempenhos em pelo menos 20 anos, e o Nasdaq Composite, focado em tecnologia, caiu 4% só na terça-feira.
Com a inflação dos EUA em 8,5% e a expectativa de que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) eleve as taxas de juros em mais de 2,25 pontos percentuais até o fim do ano, alguns operadores acreditam que as condições benignas que sustentaram uma alta de até 250% no índice Growth ao longo da última década mudaram de vez. Alguns argumentam que pode ter chegado ao fim a época dos grandes ganhos com a compra de ações especulativas com um histórico atraente de crescimento, mas pouco a mostrar em termos de lucros.
“As pessoas começam a perceber que investimento é mais do que simplesmente distribuir capital como se fossem pirulitos em uma festa escolar para qualquer pessoa que tenha uma ideia para táxis voadores ou cachorros-quentes livres de carbono”, disse Barry Norris, diretor de investimentos da Argonaut Capital, que gere um fundo hedge e já vinha prevendo um mercado em tendência de baixa para a maioria dos ativos.
“Sempre que ocorria uma queda dos mercados havia uma opção de compra por parte do banco central”, disse ele, ao comparar os pacotes de estímulo monetário com opções que protegem contra quedas do mercado. “Os bancos centrais não vão socorrer ninguém desta vez.”
Uma das principais vítimas deste ano é o fundo Ark Innovation, de Cathie Wood, o exemplo mais emblemático do investimento em empresas em crescimento, que detém ações como as da Coinbase, Block e Spotify e caiu 48% este ano até 28 de abril. O Scottish Mortgage Trust, conhecido por suas apostas ousadas em grupos de tecnologia, caiu 34%. Vários dos chamados fundos hedge “Tiger Cub”, que são derivados da Tiger Management, de Julian Robertson, e costumam ser grandes investidores em ações de tecnologia, também foram atingidos duramente nos últimos meses.
Um índice de ações de tecnologia não lucrativas do Goldman Sachs, que atingira um pico no início do ano passado, caiu 39% este ano.
Durante o período do mercado em tendência de alta que às vezes parecia interminável, as ações de empresas de alto crescimento superaram constantemente os papéis baratos, conhecidos como ações de valor. Os investidores que mantiveram ou compraram durante as retrações do mercado, principalmente a baixa da pandemia, em março de 2020, foram recompensados ricamente quando os bancos centrais injetaram estímulos, o que levou as ações a picos ainda mais altos.
Mas a perspectiva de aumento das taxas de juros prejudicou as ações de empresas de tecnologia de pouco lucro e alto crescimento porque os fluxos de caixa futuros dessas empresas parecem relativamente menos atraentes. Enquanto isso, a disparada da inflação tem limitado a capacidade dos bancos centrais de responder a crises, exatamente no momento em que crescem os temores sobre a saúde da economia chinesa.
Alguns investidores parecem relutantes em abrir mão de suas ações, apesar da rápida queda nos preços dos bônus de referência do governo dos EUA. Brian Bost, codiretor de derivativos de ações nas Américas do Barclays, disse que as ações de crescimento continuam populares entre os investidores, apesar da recente onda de vendas, e alguns gestores de fundos ainda se negam a aceitar que as coisas mudaram.
“O fato é que [ações com grande potencial de crescimento] ainda estão sendo negociadas a múltiplos muito elevados”, disse ele. “Se uma coisa cai 50%, a reação psicológica natural é a de que é muito difícil vender uma perdedora. Mas acho que há mais problemas por vir.”
Algumas estrelas do mercado altista estão sentindo as pressões agora. Wood, da Ark, por exemplo, escreveu no Twitter na semana passada que a alta do dólar “sugere que a política do Fed já está restritiva demais”, embora a taxa do interbancário americano ainda esteja na faixa-meta de variação, que vai até o máximo de 0,50%.
Alguns executivos de fundos hedge têm se preparado para um período mais difícil pela frente. Luke Ellis, CEO da empresa de gestão de ativos Man Group, que administra US$ 151 bilhões, disse ao “Financial Times” em março que previa “um ano difícil para ações”, enquanto Michael Hintze, fundador da CQS, tem apostado contra ações de tecnologia não lucrativas, segundo documentação sobre investidores a que o “FT” teve acesso.
“Trata-se de um novo regime para os mercados. Os investidores tradicionais terão mais dificuldade em ganhar dinheiro”, disse Michele Gesualdi, fundadora da Infinity Investment Partners, em Londres.
Os fundos hedge estão se adaptando ao panorama mais acidentado. Os fundos hedge americanos, por exemplo, estão com posições líquidas – o saldo de apostas na alta dos preços menos as apostas na queda dos preços – próximas de seus níveis mais baixos dos últimos cinco anos, de acordo com nota encaminhada pelo Morgan Stanley a clientes de corretagem especializada em fundos hedge.
E, embora alguns investidores tenham aproveitado a venda em massa experimentada pelo mercado após a invasão da Ucrânia pela Rússia como uma oportunidade de compra, a Lansdowne Partners, um dos maiores fundos hedge de Londres, disse ter ficado “desconcertada” com essa reação. “Sentimos que isso é profundamente equivocado”, escreveu a empresa em carta a investidores a que o “FT” teve acesso, acrescentando que “a dinâmica do mercado dos últimos 12 anos desde [a crise financeira mundial] mudou fundamentalmente”.
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