‘Compre agora, pague depois’ busca espaço no país

Sucesso nos EUA, modalidade concorre com crediário e parcelamento dos cartões no Brasil

Ribeiro, da Addi: Pix reduziu barreiras, já que toda a operação pode usar esse canal — Foto: Silvia Zamboni/Valor
Ribeiro, da Addi: Pix reduziu barreiras, já que toda a operação pode usar esse canal — Foto: Silvia Zamboni/Valor

Quando o modelo de venda on-line parcelada “buy now, pay later” (BNPL, ou compre agora, pague depois) virou febre nos EUA no ano passado, surgiram dúvidas sobre o espaço que esse conceito teria no Brasil. Como o país tem um mercado de crediário maduro, pela longa experiência de bancos e varejistas na área, a ideia não era vista como grande novidade.

Meses após o “boom” no mercado americano, fintechs vêm desenvolvendo modelos locais, e varejistas e bancos estudam o mercado – ainda que os questionamentos não tenham se dissipado. O volume de transações cresce, até pela base de comparação baixa e, para especialistas, a tendência é que a modalidade se torne algo complementar nas carteiras de crédito.

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Segundo levantamento feito pelo Valor em sites de lojas, as parcerias têm sido fechadas, principalmente, com pequenos varejistas de moda, calçados e óticas. As fintechs, por sua vez, falam em aumento no uso e veem espaço para que o BNPL se consolide entre clientes sem acesso fácil a crédito, mas que conseguem pagar a compra em poucas parcelas.

O funcionamento é simples: em geral, são linhas oferecidas no ato da compra num site ou app, para pagamento em até quatro vezes sem juros e com entrada de 25%, em média. Normalmente, a entrada é paga usando o Pix. Só que hoje os cartões de crédito vendem em até 12 vezes sem juros, sem exigir entrada maior, e também com autorização imediata da compra.

“Para os brasileiros, é uma embalagem nova de formatos amplamente explorados pelo comércio, tanto do nosso cartão quanto dos carnês, estes em uso no país desde os anos 50” diz Alberto Serrentino, sócio fundador da Varese Retail.

Segundo ele, o “compre agora, pague depois” deve ganhar algum mercado pela agilidade e simplificação na interface digital, mais amigável que o modelo dos cartões. “Mas não o vejo como algo revolucionário, como acontece nos mercados mais desenvolvidos” afirma. “Esses investimentos tendem a continuar crescendo, e o modelo pode ganhar um volume maior, só que com um percentual pequeno do bolo total de crédito.”

Empresas do setor destacam pontos estratégicos dos meios de pagamentos tradicionais que podem abrir brechas para a modalidade. Por exemplo, no crediário, os carnês cobram juros já nas primeiras parcelas – acima de 5% ao mês – e, se há um problema, pode ser preciso ir até a loja, o que não ocorre com o BNPL, 100% digital. As fintechs também lembram que, apesar de os cartões já venderem, em média, em até dez vezes sem taxas, os limites de crédito no país são baixos, muitas vezes de até R$ 600 entre as classes de menor renda.

Mais da metade dos brasileiros não tem cartão de crédito – a penetração do produto está entre 40% e 45% da população. “Há demanda reprimida. Além disso, bancos e redes vêm oferecendo linhas mais caras pelo aumento dos juros e do custo do capital”, diz Douglas Storf, CEO da Swap, startup de serviços digitais e parceira de empresas de BNPL. “No ‘buy now, pay later’, há funding disponível e o avanço do Pix ajudou a criar esse modelo, barateando as transações.”

Uma das principais fintechs desse segmento na América Latina, a colombiana Addi está no país desde novembro de 2020, e oferece linhas parceladas pelo BNPL com apoio do Pix. Hoje, há a opção de entrada de 25% do valor pelo Pix, mais três parcelas sem juros, mas com taxa de administração de 5% a 8% do valor da compra.

Segundo o diretor-geral da Addi no país, Caio Ribeiro, a empresa já mudou o modelo três vezes em quatro meses, em parte para se adaptar à opção do Pix, que reduziu riscos e acelerou o processo de validação da compra. “A pandemia alavancou a venda on-line e o Pix reduziu barreiras, já que toda a operação pode se dar com o Pix de entrada e pelo PIX parcelado dos valores a vencer”, diz. Na Colômbia, a Addi oferece opções em 24 vezes (com juros acima de três parcelas), mas no Brasil prazos mais longos ainda estão em estudo.

A empresa não detalha, mas uma das questões pode estar relacionada à necessidade de capital para sustentar prazos a perder de vista num período de aumento do custo do dinheiro. No momento, o funding vem dos sócios. Foram três aportes em seis meses. O mais recente, de US$ 200 milhões, ocorreu no fim do ano e levou à entrada do GIC, fundo soberano de Cingapura. O Softbank também participou. Monashees e Union Square Ventures (USV) são outros dos investidores da fintech.

Ribeiro diz que a Addi vem contatando redes de grande porte, como de moda, cosméticos e eletrodomésticos, e há interesse no modelo, mas reforça que essas cadeias têm uma “agenda própria” de desenvolvimento de ferramentas. “Nossa proposta para as redes é elevar em 20% a venda delas. Só que as cadeias maiores, assim como os bancos privados, têm outro ritmo para tocar isso”, diz.

Em um ano, a Addi fechou contratos com 500 varejistas no país, sobretudo pequenos e médios. A opção de pagamento também é oferecida ao cliente nas lojas físicas. A projeção é multiplicar os US$ 150 milhões movimentados em transações no Brasil e na Colômbia em 2021 em cerca de nove vezes, para US$ 1 bilhão neste ano. Mais da metade deve vir do mercado brasileiro.

Nessa mesma linha, a GoPublic, voltada ao desenvolvimento de serviços de crédito, vê um aumento da concorrência entre fintechs, mas acha pouco provável um avanço dos bancos no setor agora. “Eles já estão monitorando o mercado, assim como as varejistas, mas já perceberam que leva tempo. E é um projeto transversal a todo o escopo de produtos que eles vêm desenvolvendo, não é algo tão simples de por de pé”, diz Humberto Farias, CEO da GoPublic.

Segundo Farias, o público com maior potencial são jovens: millenials e geração Z. “Mesmo que o país já tenha há décadas a cultura do parcelamento, esse cliente quer conveniência, previsibilidade e transparência. A interface dos cartões é muitas vezes, confusa e pouco amigável”, afirma.

A companhia deve lançar no primeiro trimestre o Go Pay, sua plataforma de BNPL, com o risco de crédito da fintech. A marca será exposta na hora de o cliente fazer a escolha de pagamento no caixa da loja digital. Há pilotos com dois clientes do varejo, usando o Pix.

Em setembro, a Go Public e a Via (Casas Bahia e Ponto) anunciaram acordo, com a Via tornando-se sócia da empresa. “Nosso trabalho será junto à banQi [o banco digital da Via] na melhora da usabilidade, na gestão da carteira de cliente. É para implementar os avanços da tecnologia do BNPL. Não vamos usar o Go Pay na Via. Vamos trabalhar atrás, no sistema”, diz.

Além dos EUA, em países como Inglaterra e Austrália o BNPL vem florescendo. Também neles, não há tradição de compra parcelada, por isso pesa o ineditismo da iniciativa, que ganhou força após a crise global e a perda de renda em vários mercados. As empresas Affirm, Klarna, PayPal, Zip e Afterpay têm liderado os investimentos.

O movimento fez acender um sinal amarelo nos reguladores. O americano Consumer Financial Protection Bureau (CFPB) disse, na metade de dezembro, que pediu às empresas dados sobre os riscos do produto. O temor é um aumento acelerado da inadimplência e uma possível falta de informações sobre as linhas aos clientes.

Analistas também vêm alertando para os múltiplos das empresas, que crescem enquanto os prejuízos só aumentam.

A casa de análise britânica Redburn soltou relatório em outubro destacando que as companhias de BNPL chegavam a ser avaliadas em até 58 vezes sua receita futura estimada, contra um múltiplo de 17 vezes da Visa e de quatro vezes do J.P. Morgan. Affirm, Klarna e AfterPay dão prejuízo desde 2019.

Não que se espera que fintechs lucrem no curto prazo, mas os analistas levantam dúvidas também sobre horizontes mais longos. “O BNPL oferece uma excelente rota para empresas com uma ampla gama de produtos [direcionando clientes entre eles]. Mas para os ‘players’ puros a opção é evoluir, ser adquirido ou acabar decepcionando na rentabilidade a longo prazo”, afirmou a Redburn.

Em agosto, a australiana AfterPay foi adquirida pela Square por US$ 29 bilhões. Há cinco meses, a Amazon fechou acordo com a Affirm para parcelar compras acima de US$ 50, algo inédito por lá. Apple e Goldman Sachs estão unindo forças para oferecer um serviço chamado “Apple Pay Later” e a Mastercard deve lançar seu produto em 2022 nos EUA.

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