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Alta dos juros leva brasileiros a reativar ‘modo rentista’
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Selic deve chegar a 11,5% ao fim do atual ciclo de aperto monetário
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Cenário deixa a renda fixa como opção confortável para o investidor
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A tríade segurança, liquidez e retorno tem estimulado o modo rentista
O ano foi da renda fixa na indústria de fundos de investimentos. Depois de um 2020 negativo, com saídas de R$ 38,6 bilhões, 2021 registrou recorde de captação, com R$ 291,5 bilhões até o dia 29 de dezembro, segundo os dados da Anbima, entidade que representa o mercado de capitais e de investimentos.
O fluxo acompanhou o ciclo de alta de juros, com a Selic saindo de 2%, em janeiro do ano passado, para 9,25% ao ano no fim de 2021. Multimercados e fundos de ações perderam ritmo, especialmente nos últimos meses. Só em dezembro, saíram R$ 12,7 bilhões dos fundos mistos, com a captação no ano ficando em R$ 54,8 bilhões até o dia 29. Nas carteiras de ações, houve saque de R$ 2,9 bilhões em dezembro, com o saldo positivo do ano em apenas R$ 970,9 milhões.
Com expectativas de que a taxa referencial chegue a 11,5% ao fim do atual ciclo de aperto monetário, conforme coleta do Banco Central (BC) no boletim semanal Focus, a renda fixa tende a ser um lugar considerado confortável para o investidor. O modo rentista foi reativado com a tríade segurança, liquidez e retorno. E se a inflação ceder, como se espera, a classe volta a proporcionar ganhos reais.
Em 2021, os fundos de direitos creditórios (FIDCs) foram destaque de captação no universo dos ilíquidos, e atraíram R$ 83,8 bilhões até dia 29. Nesse bolo, há um fundo de fornecedores da Petrobras que costuma trazer volatilidade para as estatísticas da categoria.
Grande parte dos recursos nos fundos de renda fixa está ainda em produtos de baixo risco, com títulos soberanos ou papéis de melhor classificação de risco de crédito. Mas é nas carteiras com dívida corporativa e crédito estruturado que o investidor conseguirá apimentar o desempenho, segundo gestores.
“Vale procurar a exposição em crédito por meio de FIDCs [fundos de recebíveis], em que os gestores buscam retornos mais elevados”, diz Luiz Sedrani, diretor de gestão da BV Asset. Segundo ele, carteiras de consignado podem ser atrativas. “Talvez seja um momento interessante em função do fluxo e da necessidade desse tipo de financiamento mais recorrente.”
Como há mais dinheiro indo para crédito, Sedrani ainda espera o achatamento dos spreads. As empresas anteciparam emissões e as necessidade de caixa será menor, o que significa menor volume de ofertas para os fundos líquidos.
Os grandes vencedores do ano foram os fundos de crédito com grau de investimento, diz Wilson Barcellos, CEO da Azimut Wealth Management no Brasil. Depois de os ativos nessas carteiras sofrerem descontos no fim de 2019 e durante a fase mais crítica da pandemia, os gestores conseguiram capturar ganhos expressivos em 2021. A categoria renda fixa duração alta grau de investimentos tinha valorização média de 11,81% no ano, até o dia 29, segundo a Anbima.
Apesar do ano difícil para os multimercados, em que a inflação “deu uma surra em todo mundo”, Barcellos afirma que bons gestores têm condições de extrair resultados do ambiente volátil que se vislumbra para o ano eleitoral. “Não posso esperar que o gestor de multimercado ganhe sempre. A performance ruim, eventualmente, é da natureza do negócio.”
Na média da Anbima, nos diversos tipos de fundos mistos, o desempenho variou de -3,11% para os “long/short” direcionais (com posições compradas e vendidas simultaneamente) até ganhos de 9,06% nos fundos classificados como estratégia específica. Os multimercados livre, onde está a maior parte do volume, o retorno médio foi de 2,61%, abaixo do CDI.
Se dez anos atrás, os multimercados ganhavam dinheiro com o chamado “kit Brasil’ – comprado em real e Ibovespa, e aplicado em taxas prefixadas -, hoje as estratégias são mais diversificadas e há portfólios extremamente descorrelacionados dos índices, diz Eduardo Ventura, chefe do private bank do Citi no Brasil.
Nas carteiras macro, que balizam as estratégias conforme o cenário econômico, a sugestão tem sido colocar uma fatia relativamente pequena, de até 20% do patrimônio dos investidores. “A classe tem valor agregado, os gestores têm capacidade de ganhar dinheiro, mas o alocador entende o emocional das famílias”, diz Ventura.
Ele diz que, olhando-se só para o Brasil, os gestores que compraram NTN-B, bolsa e câmbio, a menos que tenham vendido os ativos, não deram bons resultados em 2021. Para completar, o caixa perdeu da inflação. “Não significa que deixaram de ser ganhadores de dinheiro. A questão é qual peso colocar na classe. Melhor é deixar em cinco a sete bons gestores e não ficar desesperado desalocando.”
Ventura afirma que, em 12 meses, as chances de o gestor ganhar é quase “cara ou coroa”, e quando se alonga o horizonte para três anos ou mais a lista de fundos acima do CDI naturalmente aumenta.
Barcellos, da Azimut, sugere fundos de ações ativos, em que os gestores têm capacidade de garimpar boas empresas que foram muito descontadas num passado recente. Outra classe que pode ajudar a equilibrar a carteira do investidor é a dos fundos quantitativos, que usam modelos matemáticos para comprar e vender ativos e costumam se sair bem em períodos de volatilidade. Ele ainda cita os long biased, que calibram a exposição em bolsa conforme o cenário.
Num 2021 em que o primeiro e o segundo semestres parecem ter sido “dois anos diferentes” em termos de premissas macro e microeconômicas, fundos de ações que iam bem inverteram o sinal, observa Eduardo Cortez, sócio da Skade Capital.
Gestores que carregavam papéis que se beneficiavam da retomada da atividade tiveram seu “freio de mão puxado pelo Banco Central”, diz, com o país saindo de taxas extremamente frouxas para um nível restritivo. “E, para girar a carteira de um semestre para o outro, ninguém consegue fazer isso”, afirma Cortez. “Se você força a venda, vai acabar com o fundo. Ao mesmo tempo, olha para os ativos e não faz sentido vender nesses preços, há razões exógenas que não têm nada a ver com as empresas.”
Embora não tome decisões pelo lado macroeconômico, o gestor diz que “apanha do cenário”. A Skade conseguiu diminuir o risco e segurar o resultado positivo no ano. Agora, está de olho em dados setoriais para recompor a carteira, como estoque de automóveis, frete marítimo, fabricação de semicondutores. O portfólio busca ter um colchão de liquidez para que consiga vender suas posições em até cinco dias “sem forçar o mercado”.
A turbulência local serviu para provar o valor de carteiras que proporcionam ao brasileiro diversificação no exterior, diz Rodrigo Lobo, sócio-fundador da Nextep, casa especializada em ações globais. Ele diz que a gestão prefere usar o tempo entendendo as empresas alvo do portfólio, embora não esteja alheia ao ambiente macroeconômico.
Ele avalia que correções de rota sinalizadas pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano) foram bem comunicadas para os agentes financeiros, mostrando que “tem adultos na sala, tomando conta das coisas”. A última onda de volatilidade, trazida pela variante ômicron, parece que ainda não foi embora.
Para a composição da carteira, a Nextep busca ativos lastreados em “companhias que existem, cujo operacional não esteja ligado a variações de commodities, moedas ou outros derivativos”, diz Maria Antonia Viuge, sócia e analista sênior da gestora. “Estamos em empresas que têm poder de preço, que ano após ano conseguem repassar o aumento inflacionário para os consumidores finais sem que isso signifique perda de competitividade na sua base de clientes.”
Apesar da volta do fluxo para fundos de renda fixa, por causa da alta de juros, Lobo acha que a tônica da diversificação internacional é um caminho sem volta. “O investidor entendeu que estar em outros ativos, outros mercados, é importante, agrega valor para a carteira e hoje há instrumentos disponíveis para fazer isso.”
É claro que o CDI mais alto será um competidor relevante para esse fluxo. A carteira da Nextep trabalha sem hedge cambial, o que significa que o investidor fica sujeito às variações não só dos ativos, mas também do real em relação ao dólar.
O ciclo de alta de juros no Brasil atrapalha um pouco a tomada de risco como um todo, mas como o investidor quase não tem exposição global, os fundos que oferecem esse tipo de diversificação tendem a sentir menos o efeito CDI, afirma Marcelo Karvelis, da BlueGriffin.
Há pouco mais de um ano na rua, a nova casa de um dos fundadores da Claritas se vale da maior consciência do brasileiro para as classes internacionais. Com um “long biased” que pode ficar mais ou menos exposto em bolsa, em teoria o investidor fica com menos risco no conjunto. Num período mais conservador ao longo de 2021, o fundo chegou a ficar com 10% a 12% de caixa, cita o gestor, e pôde rebalancear as posições.
O portfólio não acompanha nenhum índice de ações. Tira, assim, da frente a percepção de que o cotista pode estar entrando no topo, segundo Flavio Castanheira Jr., sócio-fundador da casa. “A gente procura ações de qualidade que tenham condições de ‘performar’ bem independentemente do S&P 500.”
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