Ações de estreantes na Bolsa têm fraco desempenho em 2021
Dos 45 IPOs realizados no ano passado, 33 empresas estão aquém do Ibovespa
Depois da euforia que levou a um número recorde de aberturas de capital (IPOs, na sigla em inglês) em 2021, o comportamento das ações das empresas novatas no mercado mostra um quadro bastante negativo. Das 45 empresas que estrearam na B3 no ano passado, 33 acumulam um desempenho inferior ao do Ibovespa desde a listagem, segundo levantamento da Trafalgar Investimentos feito a pedido do Valor.
A predominância de performance decepcionante nessa safra de novas listagens pode indicar que algumas das operações foram feitas a preços excessivamente altos num período em que os investidores estavam muito mais complacentes com o risco. Mas esse desempenho negativo reflete, sobretudo, o impacto da alta da taxa básica Selic e dos juros de longo prazo sobre o mercado de ações.
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Guilherme Paiva, analista da Rio Gestão de Recursos, lembra que boa parte dos IPOs aconteceu em um período de grande euforia do mercado, o que levou a um “rali” do Ibovespa de 45% entre novembro de 2020 e junho de 2021. Esse comportamento tinha como pano de fundo a expectativa da reabertura da economia e também de que a taxa de juros fosse permanecer baixa por muito tempo, com inflação ainda ancorada.
Nesse ambiente, aumentou o fluxo de investimento para a bolsa e o apetite por novas ofertas cresceu. Não à toa, lembra o analista, 41 das ofertas aconteceram até julho, quando o bom humor ainda prevalecia. No momento em que começaram a surgir indicadores econômicos piores que o esperado, a bolsa passou por um ajuste.
A primeira surpresa negativa veio da inflação, que levou o Banco Central a subir os juros com muito mais força do que se esperava. Vale lembrar que o mercado começou 2021 projetando um IPCA de 3,32% e uma taxa Selic de 3% para o encerramento do ano. O que de fato aconteceu foi uma inflação de 10,06% e uma alta da Selic para 9,25%, com chances de chegar a 12% nos próximos meses.
Mas o caldo entornou de vez com a nova onda da pandemia, o desmantelamento do teto de gastos e a instabilidade política, com a antecipação do debate eleitoral. Esses elementos pressionaram diretamente a curva de juros (ou seja, as taxas nos diversos prazos dos contratos de DI) e, como consequência, o valor de mercado das companhias, que se baseia nas taxas de longo prazo. Para se ter uma ideia, o DI com vencimento em janeiro de 2029 começou o ano abaixo de 7% e atingiu a máxima de 12,28% em outubro do ano passado, no auge do debate sobre o futuro do teto de gastos.
“A alta do juro longo afeta ainda mais o ‘valuation’ [definição de valor] de empresas de tecnologia ou de crescimento, que eram maioria entre as que fizeram IPO no ano passado”, explica Paiva. Empresas de tecnologia responderam por cerca de 20% das ofertas do ano passado, e as de comércio e serviços, por aproximadamente 16%.
Para Eduardo Miras, responsável pela área de banco de investimentos do Citi no Brasil, boa parte das ações dessas empresas é vítima do cenário macroeconômico. “Dito isso, algumas dessas companhias talvez não estivessem preparadas para ir a mercado.”
As companhias novatas vão ter de começar a construir credibilidade, com bons resultados em seus balanços, para que suas ações voltem a se recuperar, de acordo com Miras. “É um processo de médio e longo prazo a partir dos resultados melhores para que as ações fiquem mais atrativas”, diz.
Muitas dessas empresas poderiam ter passado por um processo anterior ao IPO, com a entrada de fundos de private equity (que compram participação em empresas) antes de recorrer ao mercado de capitais, observa o executivo.
Mas a queda de ações que estrearam na bolsa em 2021 não é um fenômeno exclusivamente brasileiro. “Nos Estados Unidos, dois terços das mil empresas que fizeram IPO também estão em queda”, afirma Gustavo Miranda, chefe da área de banco de investimentos do Santander.
“Aqui no Brasil tem a característica de que 77% dos investidores foram gestoras locais e pessoas físicas. E vemos nos últimos meses uma forte reversão de tendência, com a migração da renda variável para renda fixa”, observa Miranda.
O desempenho negativo de parte das ações dessas empresas pode estimular operações de fusões e aquisições (M&A, na sigla em inglês). Foi o caso da Modalmais, que levantou R$ 1,2 bilhão na oferta de ações em abril de 2021. No fim do ano passado, a XP acertou a compra da ModalMais, que já tinha o Credit Suisse como sócio. A corretora de Guilherme Benchimol avaliou a companhia em R$ 3 bilhões.
Movimento parecido ocorreu com a Focus Energia, que levantou R$ 765 milhões em seu IPO em fevereiro passado. Em dezembro, a Eneva fechou a compra da companhia por cerca de R$ 1 bilhão.
Outras empresas devem seguir esse caminho e se tornarem alvos de consolidação. Vitor Saraiva, responsável pela área de mercado de capitais da XP, lembra que muitas dessas companhias foram à bolsa no primeiro semestre do ano passado, quando o cenário macroeconômico era outro. “As ações de empresas com menos liquidez sofreram mais.”
Parte dessas empresas, segundo Saraiva, pode optar por recompra de ações, uma vez que os papéis estão mais baratos, e até mesmo fechamento de capital. No entanto, ele diz não considerar essa tendência forte.
Dona de dos um maiores IPOs de 2021, a Raízen informou ao mercado, no início do ano, que seu conselho aprovou recompra as ações da empresa nos próximos 18 meses. A companhia, que levantou R$ 6,9 bilhões em sua abertura de capital, poderá adquirir até 40 milhões de papéis preferenciais, num movimento considerado natural para o grupo, já que os papéis são considerados baratos no patamar atual.
Na varejista Multilaser, embora os resultados financeiros recentes sejam consistentes, as ações têm sido afetadas pela queda do consumo e pelo aumento da taxa de juros, segundo uma pessoa familiarizada com o assunto. “Mesmo que o lucro se mantenha igual, os juros em alta afetam os papéis. Pesa também o fato de a companhia ser uma novata no mercado, o que traz mais volatilidade sobre as tradicionais”, afirma essa fonte, que preferiu não se identificar.
As empresa de saúde, apontadas como queridinhas na bolsa, também estão com desempenho negativo. “A Blau está entregando resultados. Vejo esse movimento [das ações] como uma situação momentânea provocada pelo cenário macroeconômico e dos fundos zerando posições”, afirma Marcelo Hahn, fundador e presidente da farmacêutica Blau. A companhia levantou R$ 1,26 bilhão em seu IPO em abril passado.
Para a Mater Dei e Oncoclínicas, os fundamentos seguem positivos. “Desde o IPO, a Oncoclínicas anunciou seis novas transações estratégicas e acelerou o plano de crescimento”, diz Cristiano Camargo, diretor de relações com os investidores. A Mater Dei, por meio de sua assessoria, também informa que seguirá o plano estratégico, por meio de aquisições e resultados.
A piora do ambiente econômico e político e, principalmente, a alta dos juros, levaram a uma onda de resgates dos fundos de ações que castigou o mercado como um todo. Mas Igor Lima, gestor de ações da Trafalgar Investimentos, explica que as ações recém-lançadas acabam sofrendo muito mais pela baixa liquidez. “Muitos fundos passaram a ter performance ruim e tiveram resgate. Nessa hora, tem de vender um percentual da carteira. Os papéis novos, com pouca liquidez, acabam caindo mais.”
Como em qualquer período de grande entusiasmo no mercado de ações, existe também o risco de alguns papéis serem ofertados a preços altos demais, o que leva a uma correção nos meses que sucedem a operação. Para Tomás Awad, sócio-fundador da 3R Investimentos, o ambiente de taxas de juros muito baixos no Brasil e no mundo levou a uma postura “pouco crítica” por parte de investidores, inclusive de alguns institucionais.
Awad diz que, nos períodos de forte otimismo e muito fluxo para o mercado de ações, os fundos têm o desafio de “colocar o dinheiro para trabalhar”, e as ofertas primárias acabam sendo um dos caminhos para isso. Para ele, na última temporada de IPOs, houve um erro de avaliação por parte dos investidores, que não consideraram que aquele momento de juro tão baixo tinha prazo de validade.
“Era previsível que o juro não iria ficar em 2% por tanto tempo e que muitas empresas não conseguiriam entregar o que estavam prometendo”, afirma. Ele observa que, nos períodos de grande concentração de ofertas, muitas gestoras ficam com “pouco braço” para analisar as companhias. “Há uma assimetria de informação na análise da empresa que quer fazer um IPO, e há uma limitação de braços para fazer essa avaliação”, diz. “Acho que houve muitas empresas saindo com um ‘valuation’ que não fazia sentido, e isso está sendo corrigido no mercado.”
Neste ano, por conta das eleições, a expectativa é de que haja poucos IPOs – o período deverá ser mais promissor para ofertas subsequentes de ações (“follow-on”), afirmam os bancos de investimentos. Das empresas novatas que fizeram IPO no ano passado, somente a Vamos foi à bolsa fazer “follow-on” – a empresa levantou R$ 1,09 bilhão.
Procuradas, Multilaser e Raízen não se manifestaram.