Com a atual inflação, morar em Portugal ainda vale a pena?
Saiba o que está acontecendo com a economia e o mercado de trabalho português
Morar em Portugal vale a pena? Essa é uma dúvida recorrente entre brasileiros que pensam em trocar o Brasil pelo país europeu que fala a mesma língua. Para apoiar suas considerações e saber qual é a melhor resposta para o seu caso, conversamos com Susana Peralta, professora de Economia na Nova School of Business and Economics (SBE) e colunista do jornal português Público, e trouxemos algumas informações sobre a situação do país.
Como está a inflação em Portugal?
De acordo com a professora, a inflação em Portugal, como na zona Euro, vem aumentando desde a pandemia, que gerou quebra nas cadeias de produção. Esse cenário ainda se intensificou com a invasão da Ucrânia, que encareceu a energia (entre outros itens) e, como consequência, todo o transporte de produtos.
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Em Portugal, mais especificamente, o aumento de preços também é gerado pelo turismo. “Ficou mais caro ir a um restaurante, por exemplo”, diz ela. Ao mesmo tempo, não custa lembrar, o turismo é fonte de receita para o país e sua população. Ou seja, ainda que contribua para aumentar a inflação, tem seu lado positivo, porque gera renda. Quer saber o preço da gasolina, da cerveja, da carne e do feijão em Portugal? Confira no link.
E como está, afinal, a inflação em Portugal? “A expectativa do Instituto Nacional de Estatística (INE) é de que fique abaixo dos 2% em novembro”, afirma a professora.
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E a economia está acrescendo? Vamos lá. O Banco de Portugal estima que a economia portuguesa deva crescer 2,1% em 2023. Já o chamado índice harmonizado de preços no consumidor (IHPC) deve fechar 2023 com aumento de 5,4%. Para os próximos anos, a expectativa é de aumento do IHPC de 3,6% e 2,1%, em 2024 e 2025, respectivamente.
Qual é o impacto da inflação em Portugal
Nas palavras da professora Susana, o problema é que a inflação em Portugal está concentrada nos bens essenciais, que são alimentação e energia.
No Brasil, sabemos bem quanto pesa o aumento de preços no supermercado. Na Europa, durante muitos anos, isso praticamente não existia. Mas agora existe.
Já em relação ao custo de energia, há um agravante em relação ao Brasil. Em algumas regiões de Portugal faz bastante frio no inverno. Isso faz com que muitas famílias vivam em situação de pobreza energética, como eles dizem.
Significa que muitas famílias vivem sem um sistema adequado de aquecimento e isolamento para suportar temperaturas mais baixas. Em muitos casos, a casa simplesmente não tem esse sistema. Outras vezes, o sistema existe mas não é utilizado porque a família não pode pagar o custo da energia.
A crise da habitação
Outro grande problema – o maior problema de Portugal, aliás, de acordo com Susana – é a crise da habitação, que torna os preços dos imóveis muito elevados, tanto para comprar quanto para alugar. “Para pessoas que têm nível de rendimento baixo, o custo de habitação pode chegar a 40% do rendimento”, diz ela.
Com você já deve imaginar, os preços são mais altos nas maiores cidades – Lisboa e Porto, disparadamente – mas também não são baixos em cidades medianas, como Braga, Viana do Castelo, Aveiro, por exemplo.
Em regiões mais afastadas, os preços são mais acessíveis, é verdade. O problema é que, nessas áreas mais baratas para morar, a oferta de trabalho é bastante restrita.
Vale prestar atenção nisso porque esse é um fator que pesa na hora de decidir se morar em Portugal vale a pena. Acredite: o custo do aluguel e a dificuldade de encontrar um imóvel para alugar podem – sim – inviabilizar sua permanência no país.
Por que há uma crise da habitação em Portugal?
Para explicar, na prática, o que significa a crise da habitação em Portugal, reunimos alguns dados. Primeiramente, é interessante saber que o salário mínimo no país é atualmente de 760 euros e deve aumentar para 820 euros em 2024.
Mas nem todo mundo ganha salário mínimo em Portugal, algumas pessoas podem dizer. Ok, então vamos considerar o salário médio. Em agosto, ele ficou em 1.388,99 euros, segundo dados do Gabinete de Estratégia e Planeamento (GEP) do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, divulgados pela SIC.
Quanto custa o aluguel em Portugal?
Agora é que são elas, conhece essa expressão? Então vamos entender quanto custa um aluguel em Lisboa. Fizemos uma busca por apartamentos de 2 dormitórios (chamados T2) no site Idealista. Resultado: os valores começam por volta dos 1 mil euros. No Porto, a mesma busca indica valores a partir de 850 euros, em média. Entendeu o problema?
É importante que alguém que considere a ideia de viver em Portugal entenda que a crise habitacional afeta todos os moradores, inclusive (ou talvez até principalmente) aqueles que nasceram, cresceram, estudaram e trabalham desde sempre no país. Não é exclusividade dos brasileiros que estão chegando agora.
Como alugar um imóvel
E tem um detalhe. Para alugar um apartamento, muitas vezes é preciso antecipar meses de aluguel. Isso significa que você precisa pagar pelo menos 2 meses antecipados (ou mais, porque, na prática, acontece de pedirem até 6 ou 12 meses antecipados) e mais um ou dois meses de caução.
Isso significa que para alugar um apartamento que custa 1 mil euros por mês, é possível que você tenha de dar 6 meses de aluguel antecipado (6 mil euros), por exemplo, mais o valor do caução (que pode ser equivalente a um ou dois meses de aluguel, portanto, mais 1 mil ou 2 mil euros). Ou seja, apenas nisso, lá se vão até 8 mil euros.
E não ache que com isso você ficará os 6 meses seguintes sem se preocupar com o assunto. Não funciona assim. Você pagará aluguel normalmente nos meses seguintes.
A diferença é que, quando você decidir deixar o imóvel, poderá parar de pagar 6 meses antes da sua saída.
Ok, mas você não pensa em morar em Lisboa nem precisa de um apartamento de dois dormitórios.
Acha que o problema está resolvido? Não necessariamente.
Em Braga, por exemplo, outra cidade que sofre com a crise habitacional, estudantes universitários alugam quarto – sim, apenas o quarto – por valores que podem ficar entre 450 euros e 200 euros.
Como está o mercado de trabalho em Portugal
Agora vamos falar sobre mercado de trabalho. Para começar, é interessante observar que a taxa de desemprego em Portugal não é muito diferente da brasileira.
Enquanto no Brasil temos 7,7% de desempregados, segundo o IBGE, em Portugal a taxa média ronda os 6%, segundo o Instituto Nacional de Estatística. “Recentemente ela subiu um pouco, está em 6,7%, mas não houve um aumento muito significativo, apesar da inflação”, afirma Susana, destacando que esta é a maior taxa desde março.
É difícil arrumar emprego em Portugal?
Se o desemprego não é alto, não deve ser difícil arrumar emprego, certo? Nem sempre – e é muito importante saber disso antes de arrumar as malas para se mudar para o país.
“Em Portugal há falta de médicos e de professores”, afirma Susana. Há também falta de mão de obra nos setores de hotelaria e gastronomia. Então é um cenário ideal para brasileiros que atuam nessas áreas? Não é tão simples, infelizmente.
Condições de acesso ao mercado de trabalho
Por que não morar em Portugal? Vamos por partes. Primeiramente, vamos falar sobre hotelaria e gastronomia. Nesses segmentos, como é comum acontecer, trabalha-se muito e ganha-se pouco. Em Portugal não é diferente.
Mas há, sim, uma diferença importante. Como estamos falando de um país muito voltado para turismo e que recebe pessoas do mundo todo, inclusive para morar e estudar, quem trabalha no atendimento ao público precisa falar inglês.
Agora vamos falar sobre trabalho na área de saúde e educação. Ganha-se melhor, claro. E há vagas. Porém, para atuar nessas e em muitas outras áreas, é preciso cumprir diversas etapas de validação e complementação da formação.
“Alguns setores são muito regulados, outros nem tanto”, esclarece a professora, lembrando que Brasil e Portugal têm diversos acordos de reconhecimento mútuo de formação. Portanto, não quer dizer que seja impossível atuar na sua área, apenas que é necessário pesquisar antes de tomar a decisão de viver no país.
Pesquisa prévia ajuda a evitar situações de exploração
Como diz a professora, essa pesquisa prévia é fundamental para que a decisão de mobilidade internacional seja tomada de forma consciente. “A ideia é que seja um projeto de vida e que seja algo construtivo”, diz ela.
Além disso, essa pesquisa aprofundada pode evitar que você venha desavisado e acabe passando por alguma situação de exploração no país. Infelizmente essas situações existem e, claro, as vítimas normalmente são pessoas com menos condições financeiras, que ainda não estão com a residência legalizada no país.
Susana também recomenda que toda pessoa venha para o país já informada sobre a legislação laboral em Portugal e sobre os canais de denúncia e ajuda para qualquer tipo de abuso.
Qual é a vantagem de um brasileiro morar em Portugal?
Existem vários. Vamos começar pelos dois pontos positivos de Portugal que a professora Susana destaca. O primeiro deles é o acesso aos cuidados de saúde. O segundo é que toda criança tem direto à escolarização.
“Existem problemas de acesso aos cuidados de saúde”, ela reconhece. Ainda assim, é um serviço prestado com qualidade. E o mesmo ocorre com as escolas. Existem problemas, sim, mas há qualidade na educação pública.
Outros pontos que a professora não citou, mas que pesam na decisão dos brasileiros que pensam em trocar Brasil por Portugal são qualidade de vida e segurança.
Morar em Portugal vale a pena para você?
Por fim, a resposta se morar em Portugal vale a pena é muito pessoal e apenas você saberá qual é a sua. O importante, como você já deve saber se chegou até aqui, é fazer muita pesquisa (e muitas contas, é claro!) antes de tomar qualquer decisão.