Não basta ter dinheiro ou ser visionário: quais são os motivos que levam grandes projetos ao fracasso

Especialista Bent Flyvbjerg diz que melhor planejamento e modelo modular podem reduzir estouros em orçamento

Bent Flyvbjerg diz que seria possível eliminar a fome no planeta cortando apenas 5% dos excessos causados por erro de planejamento em projetos de todo tipo — Foto: Divulgação

Diz o velho ditado que um raio não cai duas vezes em um mesmo lugar. Pode ser. Mas, quando não é um raio, um terreno pantanoso, um vento do deserto, uma decisão mal parada em um gabinete, uma crise financeira, uma pandemia ou um simples de erro de cálculo podem determinar o fracasso de um grande projeto. A lista de variáveis previsíveis, ou não (e essas costumam ser as mais frequentes), é ainda mais longa.

Casos evidentes ganham as primeiras páginas do noticiário, sobretudo quando se trata de obras públicas transformadas em verdadeiros elefantes brancos. Fiascos, contudo, não são exclusividade de empreendimentos bilionários.

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Pelas contas do dinamarquês Bent Flyvbjerg, professor das universidades de Oxford e Copenhague e um dos maiores especialistas em planejamento do mundo, 91,5% dos projetos realizados nos quatro cantos do planeta foram concluídos estourando seus orçamentos, ou foram entregues muito depois do prazo combinado, ou as duas coisas.

Isso se traduz em um desperdício de tempo e recursos da ordem de trilhões de dólares. Em entrevista ao Valor Econômico, Flyvbjerg afirma que, com a economia que empresas e indivíduos podem fazer ao reduzir em apenas 5% os excedentes, seria possível eliminar a fome no planeta.

A usina de Itaipu custou 241% a mais que o planejado, segundo o banco de dados de Flyvbjerg — Foto: Divulgação

“E 5% não são nada. Há como cortar os custos com planejamento e bom gerenciamento em algo em torno de 30%. Tem quem corte até 50%, como aconteceu com o projeto de uma ferrovia, o que costuma ser complicado, em Madri. Podemos estar falando em uma economia equivalente ao PIB de pequenos países, na pior das hipóteses, ou de grandes países, na melhor das hipóteses”, afirma o professor, que acaba de lançar o livro “How Big Things Get Done” na Europa e nos Estados Unidos, pela editora MacMillan. No Brasil, o livro está previsto para chegar em julho, pela editora Citadel.

Por que projetos fracassam?

Há mais de 25 anos, Flyvbjerg se debruça sobre os motivos que levam projetos ao fracasso. “Não basta ser visionário”, diz ele no livro.

Nem ter dinheiro. “Como é possível que, globalmente, a gente pague trilhões de dólares por empreendimentos se ninguém é capaz de responder à pergunta: o que a gente ganha com esses investimentos? A performance é aceitável? E a resposta clara é que não.”

Desde então, o professor coleciona informações sobre projetos de tamanhos variados em vários lugares distintos. O que começou com uma base de dados consolidada com 258 casos, a primeira de que se tem notícia, tornou-se a maior do mundo, com mais de 16 mil empreendimentos em setores diferentes da economia, realizados em 136 países. Ele publicou o primeiro estudo com esses dados em 2002.

Há um padrão para o fracasso

O mais surpreendente, até mesmo para os olhos treinados do professor, que se especializou em oferecer consultoria nesta seara, é que existe um padrão. “Os primeiros 258 casos foram suficientes para que eu confirmasse isso. O sucesso era a exceção. O desastre era o normal”, afirma.

Independentemente do tamanho do projeto, se é feito em uma país desenvolvido ou em desenvolvimento, ou do fato de ser tratar de empreendimento público ou privado, a maioria deles está fadada a não cumprir orçamentos e prazos — isso quando conseguem sair do papel.

E muitos sequer oferecem os benefícios prometidos inicialmente. Só 0,5% deles atendem aos três critérios.

O fracasso das Olimpíadas no Brasil

Diferentemente do que se poderia imaginar, os piores desempenhos não estão no segmento de infraestrutura, onde se veem obras faraônicas bilionárias.

Seu banco de dados, aliás, aponta várias no Brasil, entre elas as Olimpíadas de 2016, que ficaram 352% acima do valor planejado, ou a usina de Itaipu, 241%.

As estatísticas são ruins para projetos de armazéns de resíduos nucleares, defesa, barragens não hidrelétricas, aeroespaciais, construção civil, entre outros.

Metade dos fracassos vem do setor de tecnologia

Mas é no setor de tecnologia da informação que se encontram os indicadores mais alarmantes: 18% deles estouram o orçamento em mais de 50% em termos reais. E, nestes casos em especial, os gastos ficam em média 447% acima do previsto.

“São um desastre. E é preciso pensar muito bem nos motivos para que isso aconteça, porque tudo hoje envolve projetos de TI, e eles podem ser a parte descontrolada de um projeto. Túneis, por exemplo. Conversei com um construtor de túneis que me disse ter levado 20 anos para entender como fazê-los, o que é difícil. Eles envolvem grandes máquinas, profundidades. Agora, ele teve que começar do zero, porque há tantos projetos de TI num túnel, desde sistemas de segurança à sinalização, entre outros. São grandes sistemas, caríssimos”, destaca.

Embora prove que os grande projetos que dão certo sejam raros, o livro de Flyvbjerg está longe de ser deprimente. Além de contar histórias de sucesso e fracassos de maneira leve e interessante, o professor faz um diagnóstico do problema e apresenta soluções.

A origem dos projetos fracassados

O que acontece em geral, segundo ele, é que quando alguém quer realizar um projeto, seja um governo, uma empresa ou um grupo dentro de um governo, ou dentro de uma companhia, uma pessoa, uma diretoria, um primeiro-ministro se compromete com a ideia frequentemente a partir de bases muito frágeis, poucas informações que indiquem se tratar de algo factível.

É o que se chama “falácia de compromisso”. “E isso é algo tão disseminado que tem até um nome”, diz. Depois disso, esses mesmos atores tentam justificar o projeto de qualquer maneira, seja pelo que Flyvbjerg chama de otimismo inocente ou apenas pela simples vontade de querer concluir a qualquer custo.

“Está tudo no papel, passa por discussões em diretorias ou parlamentos. O projeto é aprovado. A maior parte deles acaba acontecendo. Quando uma ideia é posta no mundo, ela acaba acontecendo. Mas, quando você começa a escavar, no caso de obras de infraestrutura, ou dá início a um programa de TI, vê que chegou àquele ponto sem volta, onde as pessoas.

Ópera de Sydney: valor 1.400% acima do previsto

Foi assim, segundo ele, no caso da Ópera de Sydney, um dos exemplos emblemáticos apontados por ele no livro. “Começaram a cavar até o ponto em que se achava que não dava para voltar atrás. Joe Cahill [político, então premiê de Nova Gales do Sul] queria deixar um legado mais tangível. A Austrália não tinha ópera. Ele estava muito doente. Começaram a construir antes mesmo de saber exatamente o que estavam erguendo e, por isso, tiveram de dinamitar pedaços inteiros depois. Porque estava errado, não funcionava. Terminaram com um custo 1.400% acima do previsto”, explica.

Os casos desastrosos são inúmeros, entre eles o prédio do Pentágono, nos Estados Unidos, que não só é totalmente diferente do projeto inicial, como foi realizado em outro local a um custo astronômico.

Casos bem-sucedidos

Mas ele cita também os grandes projetos bem-sucedidos, como a construção do Empire State Building e o Museu Guggenheim de Bilbao, prédio de Frank Gehry, seu grande herói de sucesso. Aliás, essa é uma das razões que o levam a crer que projetos audaciosos e inovadores de grandes arquitetos não têm por que ser mal-sucedidos.

“Eu adoro arquitetura arrojada. E você pode fazer isso. Como vimos com Frank Gehry. Ele construiu um dos prédios mais inovadores dos últimos séculos. Fez dentro do prazo e um pouco abaixo do orçamento. Não compro essa história que muitos arquitetos defendem de ‘não ligo para os custos, vamos fazer assim mesmo, pois as pessoas vão ver o resultado e esquecer os custos’. É muita irresponsabilidade. E muito perigoso”, ressalta.

O segredo de Gehry, segundo ele, é que o projeto só sai do papel depois que tem certeza do que quer exatamente o cliente e de que estão em sintonia em relação a todas as etapas do processo.

Planejamento é a base

Flyvbjerg afirma que o planejamento é a base de tudo. Não se cansa de repetir o exemplo da Pixar, que leva mais de dois anos até dar início a suas filmagens. “Sabem exatamente o que estão fazendo. E, se pode parecer que isso custa caro, na verdade, torna o projeto muito mais barato.

É assim que se economiza dinheiro”, diz. Isso porque o bom planejamento é a garantia de que o projeto será executado depressa, sem grandes surpresas. Ao longo do livro, ele insiste na ideia de “pensar devagar e agir depressa”.

Mas não é só isso. Argumenta que a segunda maneira de tornar um projeto eficiente economicamente é subdividi-lo em pedaços. Estruturas modulares, que compara aos tijolinhos de Lego.

“A Tesla fez isso com a primeira fábrica de baterias em Nevada, nos Estados Unidos. Em vez de fazer tudo de uma vez, fez por módulos. A primeira tinha 21 módulos, mas eles começaram com apenas quatro. Depois que o primeiro foi construído, a empresa já estava operando”, afirma.

Com isso, foram reduzidos os riscos de que algo ruim acontecesse antes mesmo de começarem a produzir. “E tiveram fluxo de caixa, o que é importante para financiar o projeto. O Elon Musk não era rico naquela época. O dinheiro estava acabando e eles precisavam arrumar uma maneira de continuar construindo.

Se não, a Tesla não iria sobreviver. Estava claro naquele momento. Era um projeto de US$ 5 bilhões. O que disseram ao Musk era que um projeto desse levaria cinco anos e ele disse: ‘De jeito nenhum’. Precisava que estivesse em operação em um ano. E eles conseguiram”, conta.

Pequenos projetos, grandes fracassos

Ao contrário do que se imagina, não se trata de quanto maior o projeto, maior o tombo. “Se você olhar para os dados, não é verdade. Pequenos projetos têm grandes atrasos e custos explosivos. Mas descobrimos algo interessante: quanto mais longo o projeto, maiores as chances de dar errado, extrapolar prazos e custos. Não é o tamanho e dinheiro, é o tamanho e o tempo. O tempo é fator decisivo para a dimensão do risco”, garante.

Parece lógico: quanto mais tempo durar um projeto, mais imprevistos podem acontecer. “Como as oscilações nos preços do petróleo. Se você depende do petróleo para fazer plataforma de produção, é lucrativo se estiver acima de uma cotação. Não vai mudar muito em uma semana. Muda um pouco mais em um ano.

E muito mais em dez anos! Você pode ter uma guerra ou um pandemia”, explica. Isso é o que ele chama no livro de “janela para a ruína”. É preciso que ela seja a menor possível para evitar o fracasso de um projeto.

A força dos projetos montados como Lego

O raciocínio do Lego faz sentido para vários segmentos econômicos. Mas não para a construção de barragens, segundo ele, outro segmento problemático em termos de resultados. Afinal, elas não têm como entrar em operação incompletas.

“Precisa estar 100% pronta para poder operar. 80% não serve. É a natureza de um projeto desses. Essa é uma das razões para que não sejam muito bem-sucedidas. A gente analisa 25 projetos no livro. E barragens estão lá no pé em termos de performance”, destaca.

Projetos que podem ser montados como Legos, que seguem um caminho conhecido, têm mais chances de ser bem-sucedidos. “Painéis solares, por exemplo, funcionam. A célula fotovoltaica é como se fosse uma peça de Lego. Se puser várias juntas, viram um painel. Se tiver um número suficiente de painéis, tem um conjunto, e, se tiver vários, uma fazenda de energia solar. Você pode ter um painel e começar a produzir. E pode incrementar. É um modelo mais robusto para entrar no negócio do setor de energia”, afirma. São muito menos riscos, segundo o professor, do que a construção de uma barragem, que leva muitos anos e ainda implica gigantescos custos de deslocamento de populações ribeirinhas.

“Elas têm efeitos ambientais negativos, embora produzam energia limpa. Tem as emissões de gás estufa que saem da grande bacia atrás da barragem, onde você cobre a vegetação e tem sedimentação etc.”, enumera. Segundo ele, a bacia amazônica é um exemplo a ser observado, porque se trata de região onde há muitos problemas por conta das barragens construídas ao longo dos anos.

Flyvbjerg vê o problemático setor de TI como grande candidato à eficiência dos projetos modulares, embora ainda não tenha visto casos exemplares em sua experiência. “Não interessa o que se faça com software no momento, é difícil conseguir imaginá-lo. Não é uma barragem ou outra obra daquela que você consegue ver, pensar em 3D. Não é assim com TI, não é fácil visualizar. Não faça um grande sistema de TI. Isso é uma má ideia. TI é algo que se presta a essa estratégia modular”, garante.

Ele também destaca modelos interessantes da construção civil que funcionam como verdadeiras mímicas da brincadeira de Lego. É caso de prédios na China. Ou de hospitais erguidos a toque de caixa em Hong Kong, durante a pandemia do coronavírus, para manter pacientes em quarentena.

Por Vivian Oswald

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