Copom: ‘Acho possível um corte de 0,50 ponto na Selic’, diz Sergio Vale, da MB Associados

Economista-chefe da consultoria MB Associados fala à Inteligência Financeira sobre deflação, o risco dos preços represados dos combustíveis e o impacto da chegada de Gabriel Galípolo ao Copom

Do ponto de vista técnico, o economista-chefe da consultoria MB Associados, Sergio Vale, vê motivos para o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) ser mais agressivo no corte da taxa de juros Selic já na reunião que se encerra da próxima quarta-feira (2).

Contudo, na prática, ele não acredita nessa opção. “O (corte de) 0,25 ponto percentual ainda é o mais provável”, diz ele, que justifica a crença com a manutenção da coerência no discurso de Roberto Campos Neto, presidente da instituição. “Talvez até pela sinalização, da última decisão na ata, onde ficou aquela divergência entre grupos, faça que eles comecem numa posição um pouco mais cautelosa, que seria de (o corte) de 0,25 ponto”, afirma.

Nessa entrevista, concedida com exclusividade ao Inteligência Financeira, Vale fala sobre deflação, o risco dos preços represados dos combustíveis e o impacto da chegada de Gabriel Galípolo, que fará sua estreia nesta semana na reunião do Copom. Confira abaixo os principais trechos:

O senhor vê espaço para uma redução mais forte da taxa Selic, de 0,50 ponto percentual, na reunião do Copom da próxima quarta-feira?

Eu acho possível acontecer um corte de 0,50 ponto. A expectativa maior, hoje, é uma queda de 0,25 ponto. Porque o BC tem se mostrado conservador, mais cauteloso ao longo dos últimos meses. Ainda há sinalizações de riscos muito localizados e algumas preocupações ainda talvez com os núcleos, com inflação de serviços, ainda com uma reacoragem das expectativas.

Ao mesmo tempo, do ponto de vista técnico, as expectativas estão muito consolidadas para (a inflação) convergir para os 3% nos próximos anos. A gente tem um cenário de inflação muito favorável esse ano, a inflação está caminhando para ficar dentro do intervalo da meta – não era esperado no começo desse ano, muito pelo contrário.

Então, há um cenário que favorece o BC a poder ser um pouco mais agressivo nesse momento. Não surpreenderia se viesse uma queda de 0,50, mas talvez a sinalização, até da última decisão na ata, onde ficou aquela divergência entre grupos, isso faça que eles comecem numa posição um pouco mais cautelosa, que seria de (corte) de 0,25. E aí, a depender do cenário do segundo semestre, que eu acho que ainda é favorável, a gente poderia ter essas quedas aceleradas.

Ou seja, do ponto de vista técnico, nada impede um corte de 0,50. A dificuldade é muito mais quanto a mensagem que será passada com essa aceleração e, principalmente, de uma mudança de tom para os últimos comunicados. É isso?

É. Se o Banco Central olhar para o que ele mesmo tem falado, as posições que ele tem tomado, ele tem sinalizado essa preocupação consistentemente com o cenário inflacionário, e isso tem aparecido muito claramente nas próprias divergências internas. A gente vê isso muito claramente na última ata, quando dois grupos se colocaram em contraposição.

Eu tenho impressão que, agora, um pouco por conta disso, o 0,25 ainda é o mais provável de acontecer, mas tecnicamente teria espaço para uma queda 0,50 e não seria surpresa, se viesse 0,50 ou 0,25. Ninguém vai achar nesse momento um absurdo.

Talvez o governo ache um absurdo.

Se for 0,25, provavelmente, (o governo) vai querer que seja mais. Mas eu tenho a impressão que o governo vai sempre, a partir de agora, achar de certa forma um absurdo. Se vier 0,50, eles vão pedir 0,75. Essa vai ser a nova discussão do segundo semestre. Primeiro semestre era: tem que baixar. Segundo semestre será: tem que baixar mais do que está baixando.

Na reunião passada, o BC destacou que o núcleo de inflação se comportavam de forma mais resistente ao aperto monetário. Pode nos explicar quais são esses setores e se, passado um mês e meio, eles ainda representam um ponto de atenção para o Copom?

O BC está usando sete indicadores. Ele tira as pontas mais fortes, de alta, e as mais fracas, de baixas, e o que sobrou é o núcleo. O núcleo exclui os grandes ruídos que têm, por exemplo, em alimentos e energia, onde as variações são muito fortes. A gente está vendo esse núcleo ceder, mas eu acho que a única preocupação, talvez, é que o núcleo específico de junho, talvez, tenha sido um pouco pior do que se imaginava. Os serviços vieram um pouco pior do que se imaginava. Mas a tendência geral do que a gente tem visto, e pelo próprio efeito da política monetária em si, deverá ver esses núcleos continuarem a desacelerar no segundo semestre. A gente deverá ver os serviços chegarem abaixo de 5% no final desse ano.

De forma geral, tem um cenário de que a inflação, no segundo semestre, não vai causar surpresas negativas. A única surpresa negativa que a gente poderia ter pode ser com o El Niño e o que ele poderá trazer de impacto no final do ano, especialmente no ano que vem. Pode dar um certo tumulto em preços de commodities e pode afetar a economia brasileira. E isso em um momentos em que as commodities estão ajudando muito. Pode ser que no ano que vem elas não ajudem tanto quanto ajudaram neste ano e, aí, serem um empecilho para o BC conseguir levar a inflação para 3%, que é o que ele deseja.

Há sinais de alerta. Mas, digamos assim, comparado com o que era seis meses atrás, hoje tem muito menos sinais de preocupação do que se tinha antes. Então, está muito aberto para o BC, de fato, começa a cair juros agora.

O IPCA caminha para um segundo mês de deflação. O IPCA-15, a prévia da inflação oficial de julho, recuou 0,07%. O quanto disso te surpreende e o quanto a gente pode esperar de deflação para o restante do ano?

Essa é uma deflação diferente do ano passado. No passado, ela foi forçada pelo governo por conta dos combustíveis. Esse ano há uma desaceleração e uma deflação que tem dois componentes importantes. Um, é a própria política monetária. E, dois, especialmente, as commodities, que estão ajudando no preços dos transportes e nos de alimentos.

Talvez a gente tenha ainda uma leve deflação em julho. Dificilmente a gente vai ver isso acontecer em agosto, vai ser diferente do ano passado em que foram três meses seguidos de deflação. Mas o fato é que, mesmo a gente voltando a ver uma inflação acelerando no segundo semestre, ela provavelmente vai ser baixa. Uma inflação que vai fazer com que o IPCA possa chegar em 4,50% no final do ano. Dentro do intervalo da meta, que era algo impensável há uns seis meses. Os ganhos são, de fato, muito evidentes.

O senhor falou na redução temporária que o governo aplicou aos combustíveis. No entanto, agora, o preço da gasolina já está 20% abaixo do que é praticado no mercado internacional, segundo a Abicom. O preço do diesel está 16% abaixo. A defasagem do preço dos combustíveis pode criar uma armardilha para o Copom?

A armadilha é para o país, na verdade. Aí entra em uma questão mais complexa, que é a operação da Petrobras. A gente vai ter o teste do pudim, digamos assim, ao longo dos próximos meses e anos, de como é que a Petrobras vai lidar com as grandes flutuações de preço de combustíveis. Incorporar como perda da companhia essa defasagem vai ser um problema que vai aparecer ao longo do tempo em termos de imagem, em termos de investimento, em termos de lucratividade da empresa.

Se a Petrobras caminhar nesse sentido, repetindo obviamente de uma forma diferente do que foi lá atrás, na época da Dilma (ex-presidente Dilma Rousseff), a gente vai ter um problema na Petrobrás e, no final, vai ter um problema para o governo como um todo. Você vai ter um cenário de inflação represada que lá para frente você vai ter que resolver de alguma forma. Eu acho que não é esse cenário tão radical que a gente viu acontecer na época da Dilma, mas causa um pouco de preocupação de curto prazo essa ideia de que a gente possa ver, recorrentemente, esses preços de combustíveis abaixo, sistematicamente, do preço internacional.

Qual será o peso da aprovação da reforma tributária e da melhora da nota do Brasil pela Fitch Ratings na decisão do Copom da próxima quarta-feira?

Certamente, são leituras positivas que o Banco Central vai fazer. Mas o que vai ser a maior preocupação do BC neste ano e no ano que vem ainda está muito relacionado ao arcabouço fiscal. Mais do que a reforma tributária, que tem uma ideia de simplificação, de melhorar a produtividade no longo prazo, o arcabouço fiscal tem consequências de curto prazo. E que o governo vai conseguir ter de arrecadação para gerar receita necessária para zerar o déficit no que vem? Em minhas contas, no segundo semestre deste ano, e mais o ano inteiro de 2024, o déficit estimado esperada é de quase R$ 170 bilhões. A gente está falando de um cenário em que, provavelmente, o gasto não vai mexer muito. Ele está estabilizado neste ano. E vai crescer, pelo menos, 0,6% no ano que vem, por conta da própria regra do arcabouço.

Então, o ajuste inteiro tem que ser na arrecadação. O governo vai ter que achar R$ 170 bilhões de arrecadação neste ano, especialmente no ano que vem, para caminhar para zerar esse déficit. Não é simples, não é fácil, não tem de onde tirar isso, nessa magnitude. Estão, muito provavelmente, o que vai acontecer é que o governo não deve conseguir entregar o superávit de 0% que ele mesmo está estimado. Ele vai ter que fazer um ajuste nessa expectativa. Isso tende a causar ruído, isso tende a causar preocupação para o BC.

Essa leitura positiva do mercado em torno do arcabouço fiscal, em sua opinião, não é consistente?

O arcabouço fiscal é um intermediário, ele evita um cenário muito mais complicado. Mas ele não resolve a situação fiscal como um todo. A gente sai de uma dívida, no ano passado, de 73,5% do PIB e vai chegar com uma dívida mais de 10 pontos porcentuais maior no final do governo Lula. Um arcabouço fiscal que faça com que a dívida suba mais de 10 pontos porcentuais em quatro anos não me parece um ajuste fiscal que tenha um grau de permanência relevante.

Eu tenho a impressão que, além dos ajustes finos de curto prazo, das métricas do superátive primário, a gente não vai conseguir atingir nesses próximos quatro anos, tem o fato, em si, que o própria arcabouço vai ter que ser refeito no próximo governo. Vai ter que ter um equilíbrio maior entre arrecadação e gastos para um arcabouço que seja mais duradouro. Que entre governo de esquerda, entre governos de direita, ele continue sendo seguido. Quer dizer, que seja totalmente técnico e não ideológico para um lado, para o outro. E isso a gente não chegou ainda do ponto de vista de regime fiscal no Brasil. É um caminho, mas é um caminho que ainda é incompleto e, por isso, vai demandar essa preocupação do Banco Central nesse período.

Qual, então, seria o prazo de validade para esse arcabouço fiscal?

Têm dois prazos de validade. O prazo do arcabouço em si, que isso também vai depender de quem será o próximo governo. Supondo, de forma muito distante, que o Lula saia candidato. A gente vai ter um arcabouço pronto, não muda tanto. Mas eu imagino que, em tese, talvez em quatro anos, a gente tenha que rever esse arcabouço fiscal na sua estrutura inteira, criar um novo acabou fiscal, como foi esse em relação à regra do teto, para lidar com essa questão desbalanceada hoje, de ser muito mais arrecadação do que gasto. E no cenário que, por conta disso, a dívida não pára de crescer.

E tem um limite de curto prazo, as métricas em si do arcabouço. Vai dar para entregar 0% de superávit primário no ano que vem. Provavelmente, não. Se não der para entregar 0%, quais serão os gatilhos e quais serão as respostas que o governo vai ter que dar para isso? Ele vai ter que fazer um contingenciamento fiscal muito mais agressivo. Vai fazer isso em um ano eleitoral: Vai criar um outro imposto em um ano eleitoral: O quanto o Congresso está disposto de aumentar a arrecadação nesse momento para entregar esse superávit de 0%?

Eu acho que o governo foi muito ousado na métrica prevista para o ano que vem, sem ter meios concretos para conseguir entregar isso. Não dá para esperar crescimento. E não dá para esperar o Congresso aprovar tudo o que o governo quer em termos de arrecadação. Tinha que ter um papel muito mais ativo do Executivo nesse arcabouço fiscal, que era justamente na estrutura de gastos. Não tendo isso, a gente está à mercê de crescimento e do Congresso. E eu tenho impressão que esses dois lados não vão entregar exatamente tudo o que o governo quer. E a gente vai ter de passar o ano inteiro de 2024 discutindo novamente qual a métrica possível que será entregue.

Essa será a primeira reunião do Copom com a presença de Gabriel Galípolo, novo diretor do BC indicado por Lula e postulante ao cargo de presidente do banco ao fim do mandado de Roberto Campos Neto, no ano que vem. O que o senhor espera dele?

Eu tenho impressão que vai ser a voz divergente. Eu estou curiosíssimo para a próxima ata, especialmente porque a gente vai ter essa discussão aberta entre esses grupos. E o Gabriel certamente vai estar no grupo de acelerar a queda de juros. Talvez, vão ser três grupos que vão aparecer. O grupo que não quer fazer nada, o grupo que quer 0,25 e o grupo, talvez ainda de uma pessoa só, que irá querer 0,50 de queda.

A divergência vai ser crescente nesse BC. Espero que essa divergência seja apenas saudável e não cause ruídos a mais do que já causou no primeiro semestre. Ruídos a mais nesse momento seriam ruins para a instituição, ruins para ter um cenário mais crível, de reancoragem na inflação, de queda de taxas de juros de uma forma crível e sem nenhum grande risco por trás.

A gente vai acompanhar o que vai ser esse novo Banco Central que vai sair lá na frente. A depender dos movimentos que o Galípolo colocar, e os novos membros que vão entrar, no final do ano que vem vai ter um BC totalmente novo. E esse banco a gente ainda não sabe exatamente o que é. Eu espero que não seja muito diferente do que a gente viu até agora.

Um Banco Central que tenha uma visão um pouco mais condescendente com a inflação, vai dar problema, como deu atrás na época da Dilma, em que a inflação ficava sistematicamente no teto da meta, de uma meta elevada, que era 4,5%, a inflação não saía de 6,5%. Muitos controles, muitos desajustes na economia. Deu no que deu depois. Então, eu espero que o BC que a gente tenha nos próximos dois anos pela frente, quando tiver uma mudança completa, não seja muito diferente do que a gente tem agora, do ponto de vista técnico.