Tesouro Direto: título de longo prazo que paga juros altos virou cilada?

Vencimentos longos dão mais lucro, mas tudo pode mudar com inflação elevada
Pontos-chave:
  • Quando as taxas sobem, o valor de mercado dos papéis diminui
  • Para analistas, em um cenário incerto não faz sentido investir em títulos de 10 anos ou mais

Em julho, o investidor do Tesouro Direto se deparou com um evento incomum para o mercado de títulos públicos: papéis de curto prazo atrelados à inflação chegaram a oferecer retornos maiores que os títulos mais alongados.

Títulos públicos que mais dão lucro são de longo prazo

Esse comportamento não é frequente porque vencimentos maiores tendem a representar riscos maiores, já que é mais difícil prever o cenário político e econômico a longo prazo.

Também por isso, o normal é que os títulos mais alongados ofereçam taxas mais atrativas, para compensar as incertezas.

Mas, no mês passado, os investidores presenciaram a chamada inversão da curva de juros durante uma semana em que só se falava em furo do teto de gastos, risco fiscal e incertezas eleitorais no Brasil.

No exterior, o foco era o aumento da pressão inflacionária global, que levou à alta nos juros dos Estados Unidos e Europa em julho.

Tanto estresse resultou na alta dos juros oferecidos pelo Tesouro IPCA+ 2026, que no meio da sessão chegou a pagar 0,04 ponto percentual a mais que o Tesouro IPCA+ 2055.

No dia 20 de julho, o título de curto prazo oferecia retorno real de 6,28% ao ano, frente aos 6,24% pagos pelo papel alongado.

A distância entre os dois títulos da mesma classe diminuiu no final do dia, fechando em uma diferença de 0,01 ponto percentual acima para o mais curto.

Como o furo no teto de gastos interfere nos títulos públicos

Toda essa volatilidade do mercado em julho teve nome e sobrenome: PEC dos auxílios.

Um dia antes, o Congresso aprovou a medida que prevê a expansão do Auxílio Brasil e do vale-gás de cozinha; a criação de auxílios aos caminhoneiros e taxistas; o financiamento da gratuidade de transporte coletivo para idosos; a compensação dos estados que concederem créditos tributários para o etanol; e o reforço do programa Alimenta Brasil.

Um total de R$ 41,25 bilhões de furo no teto de gastos, motivo mais do que suficiente para o mercado de títulos públicos responder com oscilação nas taxas e preços.

Vale lembrar que nos papéis indexados ao IPCA (assim como nos prefixados), quanto maior a taxa, menor o preço.

Quando as taxas sobem, portanto, apesar de ser uma boa notícia para quem vai investir — já que assegura rentabilidade maior se mantiver a aplicação até o vencimento —, o valor de mercado dos papéis diminui, o que implica em perda temporária para quem já possui os títulos na carteira.

Tesouro Direto de curto prazo protege seu bolso da inflação

Diante desse cenário, os especialistas dizem que, sim, dá para enxergar oportunidade durante essa inversão.

“A trajetória da inflação é declinante, porém a convergência à meta será mais demorada, o que mantém a incerteza e o patamar dos juros elevados por mais tempo. Por isso, recomendamos que o investidor se proteja da inflação elevada com alocação no prazo mais curto, onde vemos a assimetria mais positiva entre risco e retorno”, orienta Ricardo Peretti, estrategista da Santander Corretora.

O que fazer com títulos com vencimento de 10 anos ou mais?

Para analistas, em um cenário tão incerto, não faz sentido ter posições importantes em títulos com vencimento de 10 anos ou mais. E se os papéis de curto prazo, pontualmente, oferecem prêmios maiores, vale aproveitar.

“Mas desde que faça sentido para o portfólio do investidor um título de curto prazo, e não apenas porque as taxas estão maiores. A ideia é unir o útil ao agradável”, adverte a analista-chefe de renda fixa da XP, Camilla Dolle.

Até onde vão os juros?

Papéis de curto prazo com taxas maiores devem continuar sendo apenas um evento pontual no mercado de títulos públicos.

Para os especialistas, o ciclo de alta da Selic não está tão longe do fim, e esse recuo pode dar mais estabilidade para os ativos que compõem o Tesouro Direto.

“Talvez as eleições não impacte tanto agora, porque o cenário da disputa já está desenhado. Mais pra frente, o que pode levar volatilidade para o mercado de títulos públicos são as equipes econômicas apresentadas por cada um dos candidatos”, opina Dolle.

Para ela, os juros oferecidos pelos títulos já estão atrativos o suficiente para que o investidor consiga aproveitar boas oportunidades e não tenha que esperar uma nova inversão da curva ou torcer para que o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) eleve mais a taxa referencial.