Mais mulheres buscam atingir a independência financeira

Entre 2016 e 2020, o aumento do capital das mulheres foi de 8,2%; o dos homens subiu 5,9%
Pontos-chave:
  • A confiança financeira está intimamente associada à tolerância ao risco
  • As mulheres priorizam a necessidade de conselhos de especialistas na hora de investir

Mais mulheres ao redor do mundo estão interessadas em assumir o controle de suas finanças e, consequentemente, investir os recursos de olho em suas necessidades e preferências, como alcançar uma aposentadoria tranquila. Entretanto, quando recorrem à ajuda de um gestor de patrimônio para traçar um caminho em direção aos objetivos financeiros, a maioria delas não se sente satisfeita com o aconselhamento dos profissionais. É o que indicou o estudo “Women and Investing”, coordenado por Marianna Mamou, chefe de aconselhamento para além da carteira de investimentos do banco suíço UBS.

Conforme mostrou a pesquisa, a chegada da pandemia do coronavírus foi um desafio a mais para as mulheres, dadas as taxas de desemprego elevadas e a responsabilidade adicional de cuidar dos filhos que muitas precisaram assumir, uma vez que as escolas foram fechadas.

Por outro lado, a crise econômica ocasionada pela covid-19 também despertou a necessidade de se planejar financeiramente, o que motivou as mulheres a rever a parte financeira e buscar uma maior autonomia nas tomadas de decisão.

Tal constatação foi comprovada em uma pesquisa feita pela Fidelity Investments, e ressaltada pelo UBS, na qual identificou que o número de mulheres nos Estados Unidos que dizem estar mais interessadas em investir aumentou em 50% desde o início da pandemia. O estudo também descobriu que 67% das mulheres passaram a investir para além dos planos de aposentadoria, percentual acima dos 44% registrados em 2018. Essa tendência também foi vista em uma pesquisa da Nutmeg, em que uma em cada cinco mulheres disse se sentir mais confiante ao lidar com as questões financeiras na esteira da pandemia.

Elas passaram a falar mais sobre dinheiro

Além desses estudos, uma outra análise realizada pelo próprio banco UBS mostrou que 68% das mulheres começaram a falar mais sobre finanças no ambiente familiar. No entanto, apesar do percentual expressivo, apenas uma fração delas seguiu com as ações que pretendiam tomar em relação aos investimentos. Mas como as mulheres podem aplicar esse interesse pelo universo dos investimentos na prática? E quais são os desafios encontrados por elas durante tal processo?

O estudo “Women and Investing” evidenciou que, muitas vezes, as mulheres relatam que não estão satisfeitas com os aconselhamentos que recebem dos gestores de patrimônio, declarando que esses profissionais simplesmente não entendem suas necessidades financeiras. A afirmação foi comprovada por uma pesquisa da EY, na qual apontou que 67% das investidoras em todo o mundo afirmaram que seus gestores não entenderam seus objetivos no universo dos investimentos.

Jargões que confundem

Conforme mostrou o UBS, uma pesquisa da Pimco sugeriu que 72% das mulheres e 81% das mulheres “millennials” (termo adotado para representar a geração Y) disseram que o sistema financeiro foi “criado para ser confuso”. E, para mais de um terço das mulheres, um fator que contribui para esse ponto de vista é o jargão utilizado pelo mercado, que é visto como “desanimador”. Entre os homens, cerca de um quarto deles compartilharam da mesma opinião.

Além da linguagem engessada, segundo o estudo do UBS, as mulheres também alegaram não receber o tipo de aconselhamento que foram procurar com um profissional da área, e que de fato as ajudaria a assumir o controle de suas finanças.

Partindo desse ponto de vista, o relatório chama atenção para a atuação dos gestores de patrimônio. “Eles devem observar que, além das considerações éticas e dos benefícios da igualdade de gênero para a sociedade, o segmento feminino está em franco crescimento e apresenta uma grande oportunidade de negócios”, diz o documento.

Em 2030, espera-se que as mulheres americanas controlem grande parte dos US$ 30 trilhões em ativos financeiros que a geração dos “baby boomers” vão deter. De acordo com dados do estudo, em 2020, as investidoras controlavam 33% do total global de riqueza que poderia ser investida, acima dos 31% vistos em 2016, e com projeção para aumentar ainda mais essa participação, para 35% em 2025.

Ainda, entre 2016 e 2020, o crescimento de capital das mulheres ao redor do mundo ultrapassou o verificado entre os homens, de 8,2% contra 5,9%, respectivamente. E a tendência é a de que esse movimento se perpetue pelos próximos anos, com a expectativa de que a riqueza das mulheres cresça mais rapidamente do que a dos homens no período de 2021 até 2025.

Eventos e situações da vida

Conforme a pesquisa do banco suíço, muitos eventos e situações da vida levantam barreiras à criação de riqueza entre as pessoas do sexo feminino. Além das diferenças salariais, destaca o relatório, pausas na carreira e a maior necessidade de trabalhar de forma flexível para cuidar dos filhos também podem impactar negativamente.

Em média, as mulheres também tendem a viver mais do que os homens, de modo que seu planejamento de riqueza deve, em muitos casos, considerar um horizonte de tempo mais longo.

Entretanto, elas não sentem dificuldade em administrar apenas as metas de longo prazo. Segundo o estudo do UBS, as mulheres também querem mais ajuda com o gerenciamento do patrimônio e outras necessidades financeiras do dia a dia.

Tolerância ao risco

Outro ponto que as diferenciam dos homens trata da tolerância ao risco de investimento. Isso porque, muitas vezes, as mulheres são mais relutantes em assumir riscos financeiros. “Essa questão pode ser percebida nas escolhas das alocações, já que as mulheres costumam preferir investir em títulos ao invés de ações, ao contrário dos homens”, diz o documento.

Tal constatação é reforçada por uma pesquisa recente da Nutmeg, na qual apontou que apenas 3% das mulheres se sentem confortáveis em assumir riscos para obter um bom retorno, frente aos 26% dos homens. Ainda conforme o estudo, a classe de ativos favorita dos homens são as ações, enquanto a das mulheres é o segmento imobiliário. Eles também são duas vezes mais propensos a investir em criptomoedas em relação às mulheres.

Um artigo publicado pelo UBS em 2017 também mostrou que as mulheres, por assumirem menos riscos em suas carteiras de investimentos, podem estar mais propensas a não atingir seus objetivos financeiros. Em complemento, outras pesquisas citadas pelo banco sugeriram que as mulheres tendem a subestimar a probabilidade de ganhos ao investir e que essa visão pessimista poderia justificar a maior aversão ao risco por parte do sexo feminino.

Em situações como essa, aponta o estudo “Women and Investing”, a confiança financeira está intimamente associada à tolerância ao risco que, por sua vez, depende da percepção que as pessoas têm ao se expor na hora de investir. Isso sugere, portanto, dddque ganhar mais experiência com os investimentos tende a reduzir a aversão ao risco e que, se as mulheres não adquirirem conhecimento sobre o assunto, elas vão continuar com a visão de que investir é arriscado ou, até mesmo, “assustador”.

Ainda, entre as mulheres ao redor do globo, as mais jovens são mais alfabetizadas financeiramente, o que as torna mais confiantes. Em uma pesquisa do Boston Consulting Group (BCG), 70% das mulheres “millennials” afirmaram que assumem a liderança na tomada de decisões financeiras, contra apenas 40% das mulheres “baby boomers”.

Preferências de investimento

A pesquisa do UBS também constatou que as mulheres são duas vezes mais propensas que os homens a dizer que é “extremamente importante” que as empresas em que investem incorporem fatores ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês) em suas políticas e procedimentos. Além disso, ao investir em algum produto, mais mulheres (71%) levam em conta considerações sustentáveis em relação aos homens (58%).

E não para por aí. Uma vez que as mulheres investem, elas tendem a ter um desempenho melhor do que os homens. Um estudo recente da Warwick Business School concluiu que os investimentos feitos por mulheres superaram os dos homens em 1,8% ao ano. Elas também são menos propensas a alterar seu perfil de risco em meio à volatilidade do mercado e, em geral, são mais disciplinadas ao investir de acordo com os seus objetivos.

A pesquisa do UBS destacou, ainda, que as mulheres priorizam mais do que os homens a necessidade de conselhos de especialistas na hora de investir. Outro ponto é que elas são mais propensas a seguir sugestões que possam ajudá-las a atingir seus objetivos em vez de estratégias de negociação que visam “vencer o mercado”. Neste sentido, as investidoras identificaram a honestidade, o conhecimento e a transparência como os principais pilares no momento de escolher uma consultoria financeira.

“Isso nos sugere uma tendência de as mulheres investirem com propósito, no qual a meta representa tanto os seus objetivos quanto os seus valores e impacto na sociedade”, conclui o estudo do banco suíço.

Com reportagem do Valor Investe