Juro em alta alimenta aversão a ativo de risco

Os tempos não estão para assumir grandes riscos. O 'modo segurança' parece ser o que faz mais sentido para o investidor
Pontos-chave:
  • No ano, o principal índice do mercado acionário ainda está no prejuízo, com perda de 2,12%
  • Em meio a uma lista de incertezas para transpor, há boas oportunidades em crédito privado e em papéis do governo

A fotografia das aplicações financeiras até julho dá uma dimensão de que os tempos não estão para assumir grandes riscos. Com o Fed em pleno ciclo de aperto monetário, guerra no quintal europeu e a dois meses das eleições no Brasil, o “modo segurança” parece ser o que faz mais sentido para o investidor, apesar de preços atrativos em ações ou na renda fixa longa, segundo especialistas em investimentos.

Em julho, até o dia 28, os índices de bolsa até ensaiaram reação, com alta de 4,12% para o Ibovespa. Mas, no ano, o principal índice do mercado acionário ainda está no prejuízo, com perda de 2,12%. Destaque para os indicadores de ações do setor imobiliário e de consumo, com ganhos de 10,37% e 9,68% no mês. O dólar caiu 1,33%, após encostar nos R$ 5,50, e acumula queda de 7,38% no ano.

Como anda a renda fixa?

Na renda fixa, o IMA-B 5, de títulos públicos atrelados à inflação com vencimento em até cinco anos, recuava 0,25% no mês, mas no ano estava positivo em 6,34%, acima da inflação projetada em 4,8% até julho. Nos títulos com prazo acima disso, o efeito da marcação a mercado se traduziu em desvalorização de 2,25% no mês e de 0,26% no ano.

Em meio a uma lista de incertezas para transpor, há boas oportunidades em crédito privado e em papéis do governo que oferecem proteção contra a inflação, diz Carlos Machado, estrategista-chefe responsável pelo comitê de alocação do private banking do Bradesco, referindo-se às Notas do Tesouro Nacional série B (Tesouro IPCA+). “Os títulos vêm sendo negociados em níveis bastante razoáveis, acima da média histórica. Podem até ficar melhor, mas travar juro real nesse nível por um prazo médio de seis, sete anos, faz sentido.”

No Tesouro Direto, os papéis com vencimento entre 2026 e 2045, sem pagamento de juros semestrais, eram negociados com taxa superior a 6,1% ontem.

E a renda variável, como está?

Em renda variável, a área de alocação do banco sugere um nível menor do que o estrutural porque o valor a capturar em bolsa está atrelado a juros e há a sucessão presidencial no meio do caminho. “É preciso entender qual vai ser o ‘framework’ fiscal do pós-eleição, mas nestes níveis [o preço das ações] está abaixo de 2008”, prossegue Machado, referindo-se à crise das hipotecas de alto risco nos Estados Unidos, que levou à quebra do americano Lehman Brothers.

O especialista também diz que vale ter posição em dólar, o ativo que protege a carteira em períodos de incerteza, apesar de ser hoje um instrumento mais caro, dado o custo de oportunidade, com a Selic em 13,25% ao ano. Ele considera que, assim que a inflação parar de piorar, os prefixados tendem a ser uma boa alternativa. É uma forma de garantir uma rentabilidade melhor por mais tempo, sob a hipótese de que o próximo movimento de juros no Brasil é para baixo.

O Tesouro Prefixado com resgate em 2029 tinha ontem taxa de 13,11% no Tesouro Direto, enquanto o mais curto, com resgate em 2025, de 13%.

Multimercados como recomendação

Bruno Amaral, responsável pelo time de aconselhamento do Bradesco, diz ser interessante analisar o que de ruim já está nos preços, porque não há muita visibilidade. Com projeções de inflação, juros e PIB sendo revisadas sistematicamente, ele afirma que uma das recomendações tem sido os multimercados, que conseguiram entregar bons resultados em meio ao aumento coordenado de taxas de juros pelos bancos centrais.

A diversificação geográfica, de forma estruturada, também segue no roteiro, a despeito das perdas de quem tomou esse caminho mais recentemente. “Ter exposição em moeda forte em momentos de aversão a risco, como o atual, suaviza o movimento nos portfólios”, diz. “Mas a alocação tem que ser pensada no médio e longo prazo e no tamanho correto, além ter uma coerência entre as macro classes.”

Com a expectativa que a Selic vá até 14,25% ao ano e que em 2023 caia no máximo a 12%, é de se esperar um impacto negativo mais duradouro para a renda variável, com os investidores trocando a carteira para as alternativas de renda fixa, diz Arley Matos da Silva Junior, estrategista de investimentos do Santander. As próprias empresas colocam o pé no freio por causa do aumento de custos para se financiar, deixando projetos adormecidos, uma combinação que leva à revisão de resultados pelos analistas.

No mercado de juros, o efeito da atualização dos ativos a preços de mercado tem acarretado perdas para quem comprou títulos com taxas menores, prossegue o executivo. “O que tem desempenhado bem é a renda fixa tradicional, que acompanha os aumentos da Selic, voltando ao que o investidor buscava há dois anos, com retorno de 1% ao mês, sem risco e com liquidez”, diz Matos Junior.

Com o juro de curto prazo em dois dígitos não dá para fugir desse script, privilegiando o Tesouro Selic, com um segundo passo em crédito privado e que pode pagar mais que o soberano, mesmo em emissões de empresas com melhor qualidade.

Os multimercados também seguem nas carteiras, visto que os principais gestores têm conseguido uma alocação eficiente e têm flexibilidade para atuar em diversas classes, geografias e estruturar operações que a pessoa física teria dificuldade de fazer sozinha.

Para quem tem mais tolerância a risco, o estrategista do Santander acrescenta que a bolsa está bem descontada, com o múltiplo de preço/lucro (uma medida de prazo de retorno do capital) em 6,2 vezes, dois desvios abaixo da média histórica e até mesmo dos níveis durante a pandemia de covid-19. “Investir em ações podendo ter prazo, delegar para um especialista, um gestor ou a corretora é interessante, mas com a ideia de que precisa de tempo para a estratégia se materializar”, diz Matos Junior.

Impactos do exterior

Ele cita que grandes assets também estão menos alocadas em Bolsa. “Há consenso de que os preços estão bons, mas é difícil falar que já realizou [caiu] tudo que tinha para realizar. O Brasil é muito impactado pelo exterior”, prossegue, listando a definição da taxa final de juros nos EUA, a duração da recessão e o quanto vai se estender a guerra entre Rússia e Ucrânia. Políticas de paralisação de atividade na China também são uma incógnita para países produtores de commodities, como o Brasil.

Replicar as movimentações que um gestor profissional faz não é trivial para a pessoa física, mas há algumas ideias de investimentos que podem fazer sentido, diz Márcio Fontes, gestor da ASA Investments. Com os juros reais nos EUA ainda muito baixos para o ambiente inflacionário, ele diz que o índice S&P 500 da bolsa americana parece caro, o que significa que, se o investidor concordar com essa leitura, pode ficar “vendido”, apostando na baixa do ativo. Na B3, o minicontrato de S&P 500 permite esse tipo de exposição.

Quando se olha para as commodities, porém, os fundamentos para o médio prazo não mudaram. “De maneira geral, há baixa capacidade de oferta, baixo nível de estoque e demanda potencial grande por ‘n’ motivos”, diz Fontes. “O petróleo está no nível mais baixo de estoque em muitos anos, e as companhias que o produzem, com múltiplos deprimidos.” Nomes como Petrobras, PetroRio ou estrangeiras como a Glencore, que tem BDR negociado na B3, podem ser boas escolhas. Para Fontes, uma recessão de curta duração nos EUA já está nos preços e, por ora, as taxas de crescimento global ainda parecem ser robustas.

Não é hora de estripulias

No Brasil, ele diz não gostar da NTN-B (Tesouro IPCA+) longa porque não se sabe o que vai ser a dívida pública no próximo governo. “Não tem nenhum candidato [à presidência] com discurso fiscal convincente”, afirma. “Uma NTN-B curta, de dois a quatro anos, ok, vai proteger alguma coisa da inflação e tem juro bom.”

Apesar de ver a Bolsa brasileira descontada, o gestor diz que não é hora de fazer estripulias. “Eu ficaria nos papéis ligados a commodities. Ações relacionadas ao mercado interno estão muito baratas, mas em função de juros, inflação e dívida pública, tudo isso vai sensibilizar as empresas. Não tem casamento da história com o prêmio, estou fora.”

A melhora dos ativos nos últimos dias foi nada além de uma correção técnica, diz Otávio Vieira, sócio-gestor da Nest, para quem o fator eleições ainda não está nos preços. “[O presidente Jair] Bolsonaro e [o ministro da Economia Paulo] Guedes abandonaram tudo que é liberal em favor da reeleição e o mercado também não incorporou o que deve ser [o ex-presidente] Lula de volta, ninguém sabe quem vai tocar a economia.”

Por isso, mesmo o Tesouro IPCA+ pagando taxas acima de 6,1% para todos os vencimentos, o gestor diz que o risco de prejuízo no meio do caminho é grande. Ele lembra ter feito um estudo em 2016 com as NTN-Bs de quatro anos à frente e todos os vencimentos chegaram a ter taxas na casa dos 7,2% no período que antecedeu o impeachment de Dilma Rousseff. “Mesmo sendo um mercado mais protegido, o indexado pode sofrer pressão”, diz Vieira.

Na prática, se um título que assegura hoje retorno de 6,1% vai a 7,2%, significa que o preço unitário do papel caiu, ou seja, há um prejuízo contábil no caso de o investidor vender o ativo após essa variação. O acertado na compra só vale para quem carrega até o resgate.

Por trás da análise mais negativa, prossegue Vieira, está o fato de o Brasil rodar com “prejuízo operacional, o déficit primário antes de pagar juros e impostos, está no vermelho e mesmo assim está gastando mais com o aumento do auxílio [Brasil], vale gás, vale combustível, e não vai ter contrapartida de aumento de impostos”.

Ele cita que os alocadores têm dado preferência para juros pós-fixados, com algum prêmio em cima, caso de debêntures incentivadas ou crédito “bem feito” em fundos de recebíveis (FIDC). “Não tem avalanche de empresa em default, ou em recuperação judicial, mas pode aparecer algum ‘corpo boiando’ ou entrar em RJ [recuperação judicial] preventiva.”

A pessoa física, que saiu machucada de exposições mais apimentadas feitas quando a Selic foi derrubada a 2%, de ações a criptoativos, agora mostra baixa propensão ao risco, afirma Viera. Perdeu também a paciência com os multimercados, que, apesar de mostrarem bons retornos no ano, ainda não recuperam captação. Desde janeiro até 25 de julho, os saques foram de R$ 51,1 bilhões, segundo a Anbima, entidade que representa o mercado de capitais e de investimentos. As carteiras de ações perderam outros R$ 67,3 bilhões.