Ibovespa tem queda real de 29% em um ano

Bolsa barata pode ser oportunidade ou risco; veja o que dizem os analistas
Pontos-chave:
  • Se tivesse sido corrigido pelo IPCA-15 desde junho de 2021, o índice estaria em 142 mil pontos em vez dos atuais 100.764 mil

No mundo dos investimentos, o objetivo é que os rendimentos fiquem sempre acima da inflação para que o dinheiro não perca valor. É o chamado ganho real. Nessa busca para aumentar o patrimônio, os investidores aceitam mais riscos em troca de uma rentabilidade mais gorda. É a lógica do mercado financeiro.

Quando as taxas de juros chegaram às mínimas de 2% ao ano, em 2020, muitos investidores correram para o sobe e desce da Bolsa de Valores na tentativa de fazer o dinheiro crescer além do que era oferecido em investimentos mais conservadores. Mas nos últimos 12 meses, o Ibovespa sofreu perdas de 20,5%.

Bolsa não protege patrimônio da inflação

Para piorar, a prévia da inflação IPCA-15 de junho acumulada até maio foi de outros 12,04%, o que desafia a tese de que investir em Bolsa protege contra a alta de preços. Pelo contrário, a perda real do Ibovespa, considerando a prévia do índice de preços, foi de 29% no período.

Se tivesse sido corrigido pelos 12,04% do IPCA-15 desde junho de 2021, o índice estaria em 142 mil pontos em vez dos atuais 100.764 mil pontos. Aliás, se tivesse seguido os bons ventos desde o pico, há pouco mais de um ano, quando atingiu 130 mil pontos, a inflação teria elevado os ganhos para 146 mil pontos, calcula o Valor Data.

Como está o cenário

Como o nome já diz, a renda variável tem seus altos e baixos e este é um recorte do momento atual. O que se vê agora é instabilidade política, um cenário de terra arrasada pós-pandemia, uma guerra na Europa e um ciclo de alta de juros para conter justamente a inflação que teima em crescer.

Há correlação entre inflação e Bolsa

Existe uma correlação entre inflação e queda da Bolsa, principalmente quando a política monetária é de aumento de juros para tentar frear a escalada de preços. E quando sobem os juros, a renda fixa, previsível, rentável e com menos emoções, é o lugar preferido para acalmar os corações dos investidores que temem o risco em tempos tão incertos. Há uma fuga natural da bolsa para ativos mais conservadores.

“O Brasil tem uma inflação historicamente alta. Nos últimos 15 anos, tivemos diversas crises internas. Os juros no Brasil também são historicamente altos, o que prejudica a Bolsa”, diz o analista da Toro Investimentos, Braulio Langer.

Inflação reduz as margens das empresas

A alta de preços também tende a pressionar as margens das empresas, tanto pela queda no consumo como pelo encarecimento do crédito. Elas perdem um pouco da atratividade, fazendo com que os investimentos de renda fixa a juros altos se tornem ainda mais interessantes.

Nem sempre as empresas conseguem repassar para o consumidor o aumento nos custos de produção e distribuição. E mesmo quando conseguem, isso pode significar uma piora ainda maior nas vendas, visto que os salários não sobem no mesmo ritmo do IPCA. Em um cenário de inflação, as pessoas ficam mais pobres, perdem poder de compra e passam a selecionar com o que e onde gastar. Prioriza-se o básico.

Bolsa brasileira é uma das mais baratas do mundo

Mas o que para um pode ser um estado crítico, para outros é visto como uma oportunidade. Na avaliação do economista-chefe do Banco Master, Paulo Gala, hoje a Bolsa brasileira é uma das mais baratas do mundo, considerando múltiplos da relação preço/lucro (PL).

A onda de baixa pode prosseguir enquanto não terminar o ciclo de alta de juros nos EUA, que vem como consequência da inflação desenfreada por lá. Segundo o especialista, as ações por aqui se pautam muito nos juros americanos que a própria Selic.

Quando os juros do Tesouro americano sobem, com o menor risco de calote do mundo, é mais interessante para o investidor correr para eles do que se arriscar na bolsa de um país emergente como o Brasil.

“A Bolsa está em promoção e pode ficar mais barata ainda. A taxa de juros não precisa cair para as Bolsas se recuperarem. Basta que o mercado enxergue que ela pode cair num horizonte próximo, veja que a Selic vai cair para 10% ao ano ou abaixo disso. A visão futura é tão importante quanto o nível corrente”, diz.

Não é ruim para todo mundo

Tem sempre os dois lados da moeda. Assim como a inflação não chega da mesma forma a todos, sendo mais dura para os pobres e maior para alguns produtos que para outros, o índice de preços têm efeito diverso nas ações da bolsa.

No atual cenário econômico, as commodities – como petróleo, minério de ferro, papel e celulose – passam por um ciclo de maior demanda e aumento de preço. Dessa forma, ao contrário de ações do varejo, os papéis desses setores conseguem refletitr com mais facilidade o repasse de preços para os consumidores.

A heterogeneidade pode ser vista se compararmos ações da Magazine Luiza (MGLU3) e Petrobras, ao Ibovespa e ao próprio IPCA. A varejista sofre, o papel perde para a inflação, mas a petroleira tem ganhos reais significativos acima de 20% no período, conforme o gráfico.

As produtoras de commodities extraem e vendem produtos que serão comprados, de um jeito ou de outro. Não é algo secundário, como a compra de roupa ou sapato. Este ramo também tem um controle maior sobre os custos de produção, que depende da matéria-prima e dos equipamentos utilizados para extraí-la.

Os resultados de companhias como Vale (VALE3) e Petrobras têm batido recordes, como é possível perceber pela distribuição bem gorda de lucros em forma de dividendos. As empresas conseguem repassar o preço da matéria-prima.

“Quando você compra uma ação que repassa aumentos de preço da matéria prima ao consumo, você se protege da inflação por meio daquela ação, no médio e longo prazo. As que têm mais poder de marcação de preço, como Vale (VALE3) e Petrobras (PETR4; PETR3), são melhores nesse sentido. Elas têm mais poder de determinar preços”, afirma Paulo Gala.

Quais setores sofrem mais com a inflação?

De acordo com o analista de ações da plataforma de investimentos Warren, Frederico Nobre, o Ibovespa é um índice que nem sai tão prejudicado porque têm um grande peso de commodities em sua composição.

“Existe a correlação entre inflação e Bolsa, mas depende do perfil de empresa que estamos avaliando. A maioria das empresas se prejudica com a inflação, outras conseguem ser resilientes ou faturar mais. Você tem um impacto misto no índice, que é puxado por commodities. Diferente de índices de consumo ou imobiliário, que são mais afetados”, afirma.

Mesmo dentro do conjunto de ações de varejo, existem aquelas que sofrem menos, como as que vendem principalmente para classe A, menos afetada pela inflação. As que trabalham para o público, C e D, tendem a sofrer mais com a onda de desemprego, aumento do crédito e a inadimplência.

Quais ações estão baratas?

Considerando a estratégia de médio e curto prazo, dá para fazer boas compras na Bolsa no momento. Há papéis que têm um potencial de se valorizar assim que houver uma mudança de ciclo. De acordo com o economista-chefe do Banco Master, assim que o mercado começar a vislumbrar o fim do movimento de alta de juros, os frutos podem começar a aparecer.

“O que está barato mesmo são small caps, como empresas de varejo. É uma pechincha que talvez caia mais ainda. O ciclo está muito duro, dificultando o consumo, o que prejudica esses papéis no momento”, afirma Paulo Gala.

Para o analista da Warren, Frederico Nobre, o cenário pede uma carteira mais defensiva. Por isso, os olhares devem se voltar para os setores de commodities e energia elétrica.

“É difícil de prever, mas o que pode se dizer é que é bem possível que as commodities fique acima dos preços médios menos este ano e o próximo. Tem uma gordura, um excedente, e ele está sendo distribuído para o acionista, pagando dividendo de dois dígitos e elevando a média de dividendo dos índices”, afirma.

Commodities já estão caras

Ele pontua que o risco maior é investir nas próprias commodities, por meio de contratos, mas as empresas ainda devem seguir rendendo bons frutos. “O risco maior é investir na commodity, porque elas já estão num patamar alto. Nenhum analista vê o petróleo a US$ 200/barril. Não deve subir muito mais, vai acomodando. Mas as empresas continuam a vender e tem uma ótima capacidade de repasse de inflação. Por mais que o preço da commodity não suba mais tanto, as empresas seguem dando resultados”, completa.

De acordo com o analista da Toro Investimentos, Braulio Langer, nos setores menos cíclicos, como o de commodities, as empresas tendem a reajustar seus preços de acordo com a inflação, de forma que as receitas dessas empresas costumam ter ganhos reais, historicamente, no longo prazo.

“O importante é focar em escolher boas ações individualmente (stock picking), sempre optando por empresas sólidas e que conseguem se proteger da inflação. Para isso, o investidor deve fazer uma boa análise ou optar por bons fundos de ações, que costumam proteger o seu patrimônio da inflação no longo prazo”, destaca.