Deflação: qual o impacto nos investimentos?

Entenda o reflexo da queda dos preços na renda fixa, nos multimercados e nos fundos imobiliários
Pontos-chave:
  • Tecnologia, varejo digital e construção civil são setores mais dependentes de juros menores
  • Para analistas, tudo vai depender de como será o período de eleições

O IPCA-15, prévia do Índice de Preços ao Consumidor Amplo, registrou uma deflação de 0,73% no mês de agosto. A taxa é a menor da série histórica iniciada em novembro de 1991. Para os consumidores, isso pode ser um bom sinal, mas e para os investimentos?

Antes de tudo, é importante entender o que é deflação. Conceitualmente, a deflação é a queda dos preços e serviços disponíveis no mercado. Diferentemente de um cenário de inflação, em que os preços sobem, quando há deflação, os preços caem. O índice oficial, o IPCA, também ficou negativo em julho, em 0,68%.

“Na minha visão, isso não tem impacto direto em um setor específico. É uma situação conjuntural muito provocada pela queda do ICMS no preço dos combustíveis. O que teria um impacto mais relevante é uma virada na curva de juros, com o fim do ciclo de alta da Selic”, ressalta Paulo Bueno, sócio e gestor na Santa Fé Investimentos.

Se essa curva de juros efetivamente virar, de acordo com o especialista, alguns setores podem se beneficiar.

“São setores mais dependentes de juros menores, como os ligados à tecnologia, varejo digital e construção civil. Com o Banco Central finalizando o ciclo de alta da Selic, vamos ver o fluxo aos poucos voltando para a Bolsa e a situação melhorando, principalmente para as small caps e mid caps“, ressalta Paulo. 

E os fundos multimercados?

Quem busca diversificar os investimentos ainda pode optar pelos fundos multimercados. De acordo com a Anbima, eles já têm patrimônio líquido superior a R$ 1,5 bilhão, menor apenas que o dos fundos de renda fixa

“Os fundos multimercados são uma indústria muito grande com diversas estratégias. Muitos aproveitam de tendências e possuem estratégia de longo prazo, mirando em ganhos futuros. Esses fundos querem ganhar a maratona, mas não se preocupam necessariamente em ficar para trás nos curtos trechos. Existem outros fundos, no entanto, que são oportunistas, e se aproveitam de momentos econômicos e conjunturais, o que pode ser muito interessante nesse momento econômico”, explica Pedro Salmeron, CEO e cofundador da FIDD Group. A FIDD faz a administração, custódia e distribuição de fundos de investimento​.

O que o investidor deve avaliar

O importante, segundo ele, é avaliar o horizonte de investimento e a necessidade de liquidez.

“E com isso, fazer um casamento das necessidades com o que o produto financeiro disponibiliza. Nas estratégias de longo prazo, confiar na tese do gestor e aguentar firme momentos turbulentos é algo fundamental para se ter o retorno desejado”, explica.

Falando sobre a deflação dos últimos meses, a leitura da FIDD é de que o IPCA pode voltar a subir até o final do ano por conta de um eventual reaquecimento da economia.

“Não acreditamos, no entanto, que seja algo relevante e muito sustentável, pois existe capacidade ociosa na economia e a situação fiscal não parece ser tão grave. Tudo depende, no entanto, de como será o período de eleições e quão tumultuada será a eventual transição e rearranjo político”, ressalta. 

Como proteger a carteira

De acordo com o especialista, existem muitas estratégias possíveis para proteger a carteira de investimentos em cenários adversos.

“Tudo depende do tipo de produto, pois o fundo tem dentre suas teses exatamente o risco/retorno de um cenário adverso. Por exemplo, um Fundo pode ser comprado em juros e vendido em dólar, ou vice-versa. As possibilidades são inúmeras”, explica. 

De qualquer forma, segundo ele, muitos fundos se preparam e montam teses para superar a inflação e outros outros benchmarks da indústria, como o CDI.

“De modo conceitual, isso é chamado de ‘alpha’. Ou seja, quando um fundo “ganha” de um CDI ou Ibovespa, por exemplo, ele está entregando alpha, rendimentos acima de um benchmark padrão de mercado. Alguns fundos multimercados conseguem balancear sua carteira com cestas de moedas ou ativos offshore, como ações do exterior, e acabam neutralizando qualquer impacto de inflação, por exemplo”, ressalta.

Renda fixa também é impactada pela deflação

A inflação negativa também traz impactos nos títulos de renda fixa atrelados ao IPCA. “Um título de renda fixa que tenha rentabilidade alvo de IPCA + algum percentual pode ter rendimento menor que o próprio percentual (também chamado cupom) caso o IPCA fique negativo no período. E isso é, portanto, um fator de risco desse título”, explica Pedro. 

“Não há no horizonte próximo nenhum elemento que indique que teremos taxas de juros parecidas com o mercado internacional, quem dirá taxas negativas. Ou seja, Selic e CDI devem ser sempre positivas, mas podem sim ser inferiores ao IPCA em alguns momentos. O que isso quer dizer? Títulos com índices de IPCA + algum cupom são muito interessantes para proteção contra a inflação quando ela é positiva ou muito alta. Mas, isso tem um preço de risco, que é justamente a curva da inflação”, ressalta. 

De olho nos fundos imobiliários

Gabriel Komatu, especialista em investimentos e sócio-diretor da gestora de recursos Komatu, destaca que o mercado vem, há alguns meses, precificando uma deflação, o que já impactou na desvalorização de alguns títulos.”Os FIIs mais impactados negativamente são os de papel, que aplicam em títulos que pagam uma taxa IPCA +”, explica. 

Mas, se a estratégia é vencer a inflação, investidores desses fundos ainda assim saem ganhando. “Se um fundo paga a inflação mais uma taxa, por exemplo, essa conta pode ser ‘zerada’ e o cotista pode não ganhar em um cenário de deflação. Isso significa que ele ainda assim está se protegendo”, explica Gabriel. 

Porém, com a queda recente da inflação e a preocupação com os fundos de papel, o mercado de fundos imobiliários passou por uma mudança.

Em menos de 30 dias, o Ifix, índice que avalia o desempenho do setor, registrou um ganho de 4,6%, puxado pelos chamados “fundos de tijolo”, que investem em ativos físicos como lajes, galpões e shoppings.

Mesmo assim, o momento ainda pede cautela.”Os gestores seguem lidando com as informações que saem e se atualizando com as expectativas do mercado”, diz Gabriel.